O monge beneditino Marcelo Barros
Depois de visitar o ex-presidente Lula no prisão, em Curitiba, o monge beneditino Marcelo Barros escreveu um texto impressionante sobre o encontro e a conversa com o líder petista. É uma narrativa que emociona e foi notícia hoje em diferentes veículos de comunicação como o jornal Folha de São Paulo, site Brasil 247, Viomundo e Blog do Esmael.
Vale a pena ser lido palavra por palavra:
Desde que a justiça liberou
visitas religiosas, fui o segundo a ter graça de visitar o presidente Lula em
sua prisão. (Quem abriu a fila foi Leonardo Boff na segunda-feira passada).
Eram exatamente 16 horas quando cheguei na dependência da Polícia Federal onde o presidente está aprisionado. Encontrei-o sentado na mesa devorando alguns livros, entre os quais vários de espiritualidade, levados por Leonardo.
Cumprimentou-me. Entreguei as muitas cartas e mensagens que levei, algumas com fotografias. (Mensagem do Seminário Fé e Política, de um núcleo do Congresso do Povo na periferia do Recife, da ASA (Articulação do Semi-árido de Pernambuco) e de muitos amigos e amigas que mandaram mensagens.
Ele olhou uma a uma com atenção e curiosidade. E depois concluiu:
Eram exatamente 16 horas quando cheguei na dependência da Polícia Federal onde o presidente está aprisionado. Encontrei-o sentado na mesa devorando alguns livros, entre os quais vários de espiritualidade, levados por Leonardo.
Cumprimentou-me. Entreguei as muitas cartas e mensagens que levei, algumas com fotografias. (Mensagem do Seminário Fé e Política, de um núcleo do Congresso do Povo na periferia do Recife, da ASA (Articulação do Semi-árido de Pernambuco) e de muitos amigos e amigas que mandaram mensagens.
Ele olhou uma a uma com atenção e curiosidade. E depois concluiu:
– De saúde, estou bem, sereno e firme no que é meu projeto de vida
que é servir ao povo brasileiro como atualmente tenho consciência de que eu
posso e devo. Você veio me trazer um apoio espiritual. E o que eu preciso é
como lidar cada dia com uma indignação imensa contra os bandidos responsáveis
por essa armação política da qual sou vítima e ao mesmo tempo sem dar lugar ao
ódio.
Respondi que, nos tempos do Nazismo,
Etty Hillesum, jovem judia, condenada à morte, esperava a hora da
execução em um campo de concentração. E, naquela situação, ela escreveu em seu
diário:
– “Eles podem roubar tudo de nós, menos
nossa humanidade. Nunca poderemos permitir que eles façam de nós cópias de si
mesmos, prisioneiros do ódio e da intolerância”.
Vi que ele me escutava com atenção e
acolhida. E ele começou a me contar a história de sua infância. Contou como,
depois de se separar do marido, dona Lindu saiu do sertão de Pernambuco em um
pau de arara com todos os filhos, dos quais ele (Lula) com cinco anos e uma
menina com dois.
Lembrou que quando era menino, por um
tempo, ajudava o tio em uma venda. E queria provar um chiclete americano que
tinha aparecido naqueles anos. Assim como na feira, queria experimentar uma
maçã argentina que nunca havia provado. No entanto, nunca provou nem uma coisa
nem outra para não envergonhar a mãe.
E aí ele prosseguia com lágrimas nos
olhos: _Agora esses moleques vêm me chamar de ladrão. Eu passei oito anos na
presidência. Nunca me permiti ir com Marisa a um restaurante de luxo, nunca fiz
visitas de diplomacia na casa de ninguém... Fiquei ali trabalhando sem parar
quase noite e dia... E agora, os caras me tratam dessa maneira..._
Eu também estava emocionado. O que pude
responder foi:
– O senhor sabe que as pessoas conscientes, o povo organizado em
movimentos sociais no Brasil inteiro acreditam na sua inocência e sofrem com a
injustiça que lhe fizeram. Na Bíblia, há uma figura que se chama o Servo
Sofredor de Deus que se torna instrumento de libertação de todos a partir do
seu sofrimento pessoal. Penso que o senhor encarna hoje, no Brasil essa missão.
Comecei a falar da situação da região
onde ele nasceu e lhe dei a notícia de que a ASA (Articulação do Semi-árido) e
outros organismos sociais estão planejando um grande evento para o dia 13 de
junho em Caetés, a cidadezinha natal dele. Chamar-se-á _“Caravana do Semi-árido
pela Vida e pela Democracia" (contra a Fome – atualmente de novo presente
na região – e por Lula livre).
A partir daquela manifestação, três
ônibus sairão em uma caravana de Caetés a Curitiba para ir conversando com a
população por cada dia por onde passará até chegar em Curitiba e fazer uma
festa de São João Nordestino em frente à Polícia Federal.
Ele riu, se interessou e me pediu que
gravasse um pen-drive com músicas de cantores de Pernambuco, dos quais ele
gosta. Música de qualidade e que não estão no circuito comercial.
Vergonha. Nunca tinha ouvido falar de
nenhum e nem onde encontrar. Ele me disse que me mandaria os nomes pelo
advogado e eu prometi que gravaria.
Distenção feita, ele quis me mostrar
uma fotografia na parede na qual ele juntou os netos. Explicou quem é cada
um/uma e a sua bisneta de dois anos (como parece com dona Marisa, meu Deus!).
Começou a falar mais da família e
especialmente lembrou um irmão que está com câncer. Isso o fez lembrar que
quando Dona Lindu faleceu, ele estava na prisão e o Coronel Tuma permitiu que
ele saísse da prisão e com dois guardas fosse ao sepultamento da mãe. No
cemitério, havia uma pequena multidão de companheiros que não queriam deixar
que ele voltasse preso. Ele teve de sair do carro da polícia e falar com eles pedindo
para que deixassem que ele cumprisse o que tinha sido acertado. E assim voltou
à prisão.
A hora da visita se passou rápido.
Perguntei que recado ele queria mandar para a Vigília do Acampamento e para as
pessoas às quais estou ligado.
Ele respondeu:
– Diga que estou sereno, embora indignado com a injustiça sofrida.
Mas, se eu desistir da campanha, de certa forma estou reconhecendo que tenho
culpa. Nunca farei isso. Vou até o fim. Creio que na realidade atual
brasileira, tenho condições de ajudar o Brasil a voltar a ser um país mais
justo e a lutar para que, juntos, construamos um mundo no qual todos tenham
direitos iguais.
Para concluir a visita, propus ler um
texto do evangelho e ele aceitou.
Li o evangelho do próximo domingo –
festa de Pentecostes e apliquei a ele – os discípulos que estão em uma sala
fechada, Jesus que se deixa ver, mesmo para além das paredes que fechavam a
sala. E deu aos seus a paz, a alegria e a capacidade de perdoar no sentido de
discernir o julgamento de Deus sobre o mundo. E soprando sobre eles lhes deu a
vida nova do Espírito.
Segurei em suas mãos e disse: Creio
profundamente que isso se renova hoje com você.
Vi que ele estava emocionado. Eu também
fiquei. Abri o pequeno estojo e lhe mostrei a hóstia consagrada que lhe tinha
trazido da eucaristia celebrada na véspera. Oramos juntos e de mãos dadas o Pai
Nosso.
Eu tinha trazido duas hóstias. Eu lhe
dei a comunhão e ele me deu também para ser verdadeiramente comunhão.
Em um instante, eram vocês todos/as que
estavam ali naquele momento celebrativo e eu disse a ele:
– “Como uma alma só, uma espécie de espírito coletivo, muita gente
– muitos companheiros e companheiras estão aqui conosco e estão em comunhão e
essa comunhão eucarística representa isso.
Eu lhe dei a bênção e pedi a bênção
dele para todos vocês.
Foi isso.
Quando o policial que me foi buscar me
levou para fora e a porta se fechou atrás de mim, me deu a sensação profunda de
algo diferente.
Senti como se eu tivesse saído de um
espaço de liberdade espiritual e tivesse entrando na cela engradeada do mundo
que queremos transformar.
Que o Espírito de Deus que a celebração
desses dias invoca sobre nós e sobre o mundo nos mergulhe no amor e nos dê a
liberdade interior para irmos além de todas essas grades que aprisionam o mundo.
Meu amigo Sidiney comentou sobre a visita do Frade ao Lula. Disse-me que está deveras convencido da inocência do Lula, que já está tudo esclarecido o Povo sabe de tudo. A gente não aceita os ataques a pessoa ilustre que é o Lula, trabalhador, honesto e digno.
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