Por Alexandre Almeida (do site de cinema Omelete)
Quando Ainda Estou Aqui estreou no Festival de Veneza, um dos grandes eventos da temporada do Oscar, o burburinho em torno do filme tomou a internet. Postagens brasileiras e de veículos da mídia estrangeira praticamente cravaram o novo filme de Walter Salles como um grande pretendente para as listas de premiações que saem no início de 2025 - inclusive, do Oscar.
Não há exagero algum neste movimento. A adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva talvez seja a melhor oportunidade para o Brasil colocar uma produção nas listas de melhores filmes internacionais dos prêmios em 20 anos. O filme é um drama simples e universal - que, mesmo tendo especificidades sobre a história do Brasil, reverbera em uma audiência de qualquer nacionalidade. Por isso, não é surpresa que a boa recepção tenha sido global.
No centro dessa história está Eunice (Fernanda Torres), esposa de Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado, cassado após o golpe de 1964, que é sequestrado pelo regime militar e nunca mais volta para casa. Salles não é nenhum pouco sutil com a situação, já na cena de abertura, com a protagonista boiando na praia do Leblon, enquanto um helicóptero do exército passa dando um rasante sobre a areia.
Entretanto, o foco do enredo é a família. Mesmo nos momentos de violência dos militares, Salles está mais preocupado com as reações de Eunice e dos filhos. Privilegiados e de prestígio social, os Paiva vivem na esquina da Avenida Delfim Moreira, um dos pontos mais valorizados da Zona Sul carioca. Uma grande casa, cada criança com seu quarto, boas bebidas, charutos e refeições com os amigos. O problema é que, entre a residência deles e a faixa de areia da praia, estão as ruas controladas pelo exército - e, pela televisão, movimentos armados aparecem no noticiário sequestrando mais um embaixador, em troca da libertação de presos.
Essa sombra é a maior ameaça para a família na primeira parte do filme. Algo que parece se aproximar deles e que Eunice teme a cada ligação que Rubens recebe. Quando ela de fato chega na vida dos Paiva, Salles, que conhece de perto essa elite da cidade, utiliza o fascismo do governo militar para extirpar tanto os direitos dos cidadãos quanto os privilégios que a família tinha. O suspense dá lugar ao drama de prisão, que depois passa para o trauma familiar. Essa dinâmica que o diretor impõe dá um ritmo mais ágil à trama, sem que a força da tragédia do sequestro e a falta de informação se perca nas mais de duas horas da produção.
Com um técnica impecável, favorecida pela excelente fotografia de Adrian Tejido, que pula da câmera na mão para planos estáticos perfeitos com luz e sombra dividindo o ambiente, e pela belíssima trilha sonora de Warren Ellis, Ainda Estou Aqui tem como sua joia mais preciosa a atuação de Fernanda Torres. Passando de dona de casa de classe média alta para vítima do regime militar e tendo que se redescobrir nesse novo mundo, a atriz brilha em todos esses momentos dos arcos de Eunice.
O olhar marcante nos momentos em que Rubens está “tramando” nos mostram que ela não é uma mulher alheia ao que acontece em sua casa. Da mesma forma, sentimos o que a personagem passa no período em que fica presa no DOI-CODI, e sua dor ao voltar para casa sem o marido. Salles ainda apronta uma com o espectador, colocando Torres em uma situação visual que lembra seu filme mais famoso e estrelado pela mãe da atriz: Central do Brasil. Fernanda Montenegro, aliás, também está no elenco, em uma pequena e emocionante participação como a Eunice dos anos 2000.
Ainda Estou Aqui é o primeiro filme de Walter Salles no Brasil em mais de 15 anos. Não é uma história contada por alguém que não conhece o que está acontecendo na tela. A mistura das cenas com imagens de filmagens com uma Super 8 mostram isso. São imagens de quem conhece os cantos da cidade e seus hábitos, mas isso nunca torna o filme exclusivo para ser contado no Brasil, ou no Rio de Janeiro.
Em um período em que muitos flertam com o fascismo e com ideias de que “naquela época é que era bom”, Ainda Estou Aqui é o retrato de uma família destroçada pela “época boa” que durou mais de 25 anos e até hoje nunca revelou toda a sua verdade. Um drama que nunca cai nas armadilhas do gênero e utiliza a força da jornada da protagonista como uma janela para o passado, focado sempre na sombra que rodeava a casa dos Paiva e ainda está observando a todos de perto - assim como os agentes da ditadura fizeram com Eunice e seus filhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário