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Pesquisas Eleitorais

PROMOTOR MANDA VÍTIMA DE VIOLENCIA DOMÉSTICA AQUIETAR O FACHO


Um promotor de Vitória, no Espírito Santo, humilhou uma mulher vítima de violência doméstica. Durante audiência para discutir os maus tratos que recebia do marido e a definição de pensão alimentícia, já que ela é mãe de cinco filhos, o representante do Ministério Público disse que o melhor era "a mulher aquietar o facho".

O caso foi denunciado no Conselho Nacional de Direitos Humanos e no Conselho Nacional do Ministério Público. O Portal UOL divulgou hoje um áudio com a fala absurda do promotor e o desabafo da mulher.

Ela conta sofreu durante 20 anos com a violência do marido, tem cinco filhos para criar e quando chega diante do promotor público é humilhada, vítima de violência institucional.

O site Século Diário divulgou mais informações sobre o caso e a conduta criminosa do promotor:

Conforme áudio gravado no momento da audiência e anexado à denúncia, Luiz Antônio de Souza Silva "insinuou, de modo jocoso", que a mulher, por ter cinco filhos com o agressor, deveria voltar a morar com ele. "Cinco filhos juntos. Vocês deveriam aquietar o facho e ficar o resto da vida juntos. Quem tem cinco filhos juntos deveria aquietar o facho. Tá? É isso aí, tá?".

Presentes na audiência estavam, além do promotor, a vítima, Alessandra de Souza Silva, o ex-marido e agressor, Carlos Augusto de Aguiar, a defensora pública Julia Mansour Siqueira e a juíza Clesia dos Santos Barros. Em discussão estava o pedido de pensão alimentícia e a regulação de guarda e convivência das cinco filhas, todas menores de idade.

"É, porque todo mundo é livre. Mas olha a consequência...os filhos depois crescem, gente. Os filhos precisam. Então precisa do ambiente mais...porque assim, a questão única não é só o dinheiro, a questão é o emocional dos filhos, é os pais estarem bem", prosseguiu o promotor, alegando o bem-estar das crianças, mas desconsiderando o histórico de graves violências cometidas pelo ex-marido contra a mãe de suas filhas.

A denúncia foi encaminhada pelo programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo Fordan à presidente do CNDH, Marina Dermmam, e ao presidente do CNMP, Antônio Augusto Brandão de Aras.

O documento narra as informações colhidas durante acolhimento de Alessandra na sede do Fordan, no campus de Goiabeiras. "A Sra. Alessandra afirma que o promotor de Justiça Dr. Luiz Antônio constrangeu-a, fazendo comentários sobre a quantidade de filhos que ela tem, e que ela deveria 'aquietar o facho e ficar o resto da vida junto' com o ex-marido (de quem ela tem a MPU). Ele fez também comentários sobre a idade dela e outras coisas".

A denúncia menciona a Lei nº 14.188/2021, que tipifica condutas que podem ser classificadas como violência psicológica, uma das várias formas de violência contra a mulher, elencadas na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), e uma das violências que Alessandra sofreu do ex-marido ao longo das duas décadas do casamento, e também do promotor, na citada audiência na Vara da Família.

"Eu morei 20 anos com meu marido, o que passei foi ser humilhada, violentada, sofri abuso psicológico", relatou ao Fordan. "Chegar para fazer audiência, e lá virar chacota para promotor, aí a gente sai de lá como lixo né? Fica humilhada mais ainda, a gente pegar dá uma denúncia, a gente vira chacota, e aí o que acontece, a gente fica calada e volta para casa", acrescentou.


O documento também pontua a necessidade de que os presidentes do CNDH e CNPM considerem a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância ao avaliar o caso, visto que "as mulheres negras são as mais vulneráveis a essas violações" e a vítima, conforme sua autodeclaração durante o acolhimento do Fordan, é "mulher preta e periférica", bem como suas filhas, todas crianças negras.

Assinado pela professora da Ufes Rosely Pires, coordenadora-geral do Fordan, e pela advogada Cristiana Ribeiro da Silva, integrante da equipe jurídica do programa, o documento pede o "acompanhamento ativo" dos trâmites da denúncia, garantido que "procedimentos e coletas de provas sejam realizados de forma célere e efetiva, visando a aplicação correta da lei, evitando a impunidade".

Apesar da violência institucional denunciada, Alessandra saiu da audiência, realizada no dia 20 de março, com decisão da juíza pelo direito da pensão alimentícia no valor mensal correspondente a 50% do salário-mínimo, sendo 10% para cada filha, além da determinação de que "o genitor arcará ainda com 50% do material escolar das filhas e dos medicamentos não fornecidos pelo SUS [Sistema Único de Saúde], mediante apresentação da nota fiscal e receita". 

A sentença, descrita na ata da audiência, define ainda pela "residência das [filhas] menores na casa materna" e pelo "termo de guarda compartilhada, com convivência livre, mediante prévio ajuste com a genitora".

Mais uma vitória de Alessandra que, desde a decisão de se separar do agressor de duas décadas e apesar das violências institucionais sofridas – como a revogação apontada como irregular da sua MPU pela juíza da 1ª Vara Especializada em Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de Vitória, Brunella Faustini Baglioli –, vem conquistando direitos e melhor qualidade de vida, com independência e crescente autonomia para decidir sobre seu presente e futuro, bem como de suas filhas.

Inicialmente acolhida pelo Fordan, hoje ela também é uma das integrantes da Equipe de Saúde, atendendo outras mulheres em situação de violência acompanhadas pelo programa, com seu trabalho de massoterapeuta, que também exerce de forma profissional.

"Quando a gente toma coragem e atitude, consegue as coisas", disse, em entrevista ao podcast Aplicativo Fordan, em novembro passado. "Você não quer ficar com ele? Procura uma casa de apoio, pode voltar a estudar", aconselhou, dirigindo-se a mulheres que vivem em situação de violência doméstica. "Hoje eu sou independente, graças a Deus", afirma.

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