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A METAFORMOSE AMBULANTE - Por Roberto Almeida



Um dia desses estive num dos Caps de Garanhuns, tendo me chamado a atenção a estrofe de uma canção dos anos 70, em destaque na parede:  "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".

A referida estrofe é de uma música de Raul Seixas, que faz parte do LP, "Kri-ah Bandolo", o primeiro disco do artista depois do sucesso de "Ouro de Tolo", hit que tornou o baiano conhecido em todo o Brasil.

Metamorfose foi um dos maiores êxitos da carreira de Raul, atravessando gerações, recebendo releituras e sendo cantado como um hino em determinados ambientes, por diferentes públicos.

É uma canção de letra curta, em versos que se repetem, mas que parece tocar fundo corações, mentes e almas de adolescentes, jovens de mais idade e adultos em geral.

Por que esta música é tão forte, diz tanto a cada um de nós ?

Vamos fazer aqui uma breve reflexão em cima do clássico de Raul, a partir da estrofe pinçada no prédio do Caps. 

"Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante..."

Metamorfose é mudança, transformação. Ambulante é que não tem um lugar fixo, está sempre sendo transportado de um lado pra outro.

Existe um livro clássico, do escritor Franz Kafka, intitulado "A Metamorfose". O personagem do romance um dia acorda e se vê transformado numa barata.

É um texto denso, inquietante, que incomoda. E nos leva a muitas reflexões.

Raul Seixas certamente leu Kafka, embora a letra da música tenha muito pouco do livro.

Mas o uso do termo metamorfose é suficiente para nos fazer lembrar da impressionante história contada pelo escritor europeu.

O personagem da canção não chegou ao extremo de virar um inseto.

Fica claro, porém, que é alguém inquieto; ao mesmo tempo à vontade com o processo de mudança constante,  muito natural.

Que prefere ser uma metamorfose, porque essa é a ordem do universo. E a mudança pode ser aqui e agora, ali e daqui a pouco, em qualquer lugar.

Pode ser enquanto o personagem se desloca. A metamorfose pode se dá em Salvador, onde tudo começou, ou no Rio de Janeiro, cidade que o projetou como compositor, produtor e cantor.

Sim, é melhor ser uma metamorfose ambulante, "do que ter aquela opinião formada sobre tudo".

Podemos fazer tantas leituras da segunda parte da estrofe.

São muitos os que têm opinião formada sobre tudo, principalmente nos tempos atuais, com os doutores formados nas faculdades de Ciências Humanas (ou Exatas) das Redes Sociais.

São os tipos Rolando Lero, chatos de galocha, empinados, pedantes, bem-sucedidos muitas vezes, por isso sentindo-se com toda moral para dar lições e desfilar o receituário do certo e errado.

Opinião formada sobre a política, a religião, o sexo, o futebol, a economia e outro assunto qualquer

Tem gente com manual até para fazer sexo. Dia certo para deitar com a santíssima esposa.

Opinião formada. 

Fixa, inflexível, apego às normas cultas do português, aos ensinamentos bíblicos, regras que não podem ser quebradas porque delas dependem a ordem do universo (ou pelo menos a ordem e o progresso de um país).

Quem prefere ser uma metamorfose ambulante está disposto a ser louco, um "louco total", como se expressaria depois Raul Seixas numa outra canção.

Estar aberto às mudanças ou em processo constante de mudança, é não se conformar com a repetição, a mediocridade, o status quo, o que desejam nos impor como certo ou errado hoje, amanhã e sempre.

"Aquela opinião formada sobre tudo" é o aprisionamento das ideias, é a imposição gramatical, o dogma, a vitória do pensamento pré-concebido contra o novo, o desejo de liberdade.

"Ouro de Tolo", o primeiro grande sucesso de Raul, já é uma canção de protesto contra os valores burgueses, as pequenas conquistas da classe média, o conformismo em meio à repressão dos anos 70.

A metamorfose é um passo além, é a capacidade de ser camaleão, de estar sempre pronto para vestir uma nova capa. E enfrentar os que querem um mundo estático, monótono, dominado pelo tédio.

"Faz o que tu queres pois é tudo da lei".

Esse era o Raul. Sozinho ou em parceria com Paulo Coelho deixou um legado.

Compondo e cantando para o povo procurou abrir caminhos, alertando para a inutilidade de determinadas conquistas, pregando a formação de sociedades alternativas, defendendo a lucidez dos malucos, aqueles que preferem ser a metamorfose ambulante a ter uma velha opinião formada sobre tudo.

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