Por Mário Sérgio Conti
Bolsonaro é um bobo alegre e perigoso. Não liga para a lógica e a coerência. Despreza os fatos, o real, a verdade. Não tem compromisso com os brasileiros. Como foi eleito, se acha no direito de arrotar absurdos. Mas não se é presidente impunemente.
Bolsonaro é um bobo alegre e perigoso. Não liga para a lógica e a coerência. Despreza os fatos, o real, a verdade. Não tem compromisso com os brasileiros. Como foi eleito, se acha no direito de arrotar absurdos. Mas não se é presidente impunemente.
Em 15 de janeiro de 1793, um advogado de 25
anos, autor de um poema épico-libertino que açoitava a corte de Versalhes,
associou o exercício do poder não apenas à responsabilidade — mas ao dolo, à
culpa e à condenação. Chamava-se Louis Antoine Léon de Saint-Just.
Na notável peça oratória com a qual acusou Luis
16 de ser inimigo do povo, ele tonitruou: “Não se pode reinar inocentemente: a
loucura é demasiado evidente”.
O jovem de traços finos não deu chance ao
meio-termo: “Esse homem deve reinar ou morrer”. Foram 361 os deputados da
Convenção que concordaram com Saint-Just. A cabeça do rei rolou uma semana
depois.
Como os tempos são outros, a invectiva do
Arcanjo da Revolução deve ser suavizada: a loucura de Bolsonaro é demasiado
evidente, esse homem deve governar ou ser derrubado. Não se pode permitir que
sabote o combate à pandemia, que aumente a dor e a desordem.
Não se trata só da sua estupidez. Seu governo
ineficaz transformou-se num inimigo. Veja-se o ministro da Saúde. Ao invés de
dizer se o confinamento é necessário ou não, fez média. Mas empostou a voz,
deu-se ares de sumidade e fugiu das perguntas de repórteres. Revelou-se um
politiqueiro pomposo e servil.
No aspecto prático, foi pior. Os equipamentos
que prometeu não chegaram aos hospitais: alegou que não recebera os endereços.
Não apresenta números que possam orientar o combate à propagação do vírus. É
prolixo e opaco.
No Ministério da Economia, o tagarela de todas
as tevês emudeceu. Ele nem sequer alinhavou meia dúzia de medidas
imprescindíveis. Não tem ideia de como fará chegar algum dinheiro aos
desafortunados.
Numa situação de emergência, seus dogmas
ideológicos o paralisam.
Mandetta e Guedes são os bumbos da charanga
regida por um ignorante que crê piamente em remédios não testados. Que acha
melhor que “uns velhinhos” morram a ele mesmo se aplicar e trabalhar. Que opõe
questões sanitárias à economia sem saber o que são uma e outra.
O resultado é o que se vê. Ausência de testes para
detectar o vírus. Falta de UTIs e ventiladores pulmonares. Governadores a favor
do confinamento e outros contra. Comerciantes sem saber se abrem ou fecham suas
lojas. Panelaços contra o presidente e carreatas a seu favor.
Há mais. Um ministro senil que rompe a
quarentena. Pastores argentários que promovem cultos de massa nos quais
extorquem o dízimo.
Traficantes e milícias decretando toque de
recolher em favelas. Saques aqui e ali. Boatos, baderna, vale-tudo.
A anarquia aumentará à medida que a Covid-19
congestione hospitais. O pico da pandemia tende a pegar o país pela proa,
abatendo-o sabe-se lá por quanto tempo. É preciso fazer algo —dizem todos. Mas
o quê?
Saint-Just, que, além de resoluto era realista,
talvez tenha algo a nos dizer. “Não há grandes homens, só há grandes
conflitos”, escreveu.
E ainda: “A força das coisas nos conduziu talvez
a resultados nos quais não havíamos pensado”. E arrematou: “Ousem!”.
Não há o que esperar de Bolsonaro e sua tropa de
néscios, da horda de odiosos que ele atiça. Mas é preciso lhes opor os
argumentos da ciência e da solidariedade. Contra a força das coisas, a força da
razão virtuosa. Política não é chicana, é rigidez contra o mal.
Ainda que hoje a política esteja reduzida à
retórica. Ao contrário de Saint-Just, vivemos dias de anomia. Ele dizia não
haver barulho mais belo do que o de um povo que discute e delibera o seu
destino. E nós aqui, encerrados em bolhas virtuais, falando a língua das
panelas. Ousar como?
Estamos em boa medida na dependência daqueles
que detêm poder factual e prático. Ou seja, da elite — seja ela econômica,
parlamentar, científica, institucional, midiática ou jurídica.
Dado o prontuário histórico dos mandachuvas do
Brasil, dá vontade de chorar. Tanto que pululam os que querem lucrar com a
crise; os demagogos impenitentes; os atravessadores desabusados; os pilantras
sem pejo. Mas a força das coisas não é unívoca nem unilateral.
Há gente séria e empenhada despontando.
Cientistas que pesquisam e buscam saídas. Médicas e enfermeiras que vivem dias
macabros. Políticos tradicionais que se insurgem contra os palermas do
Planalto. Que eles ousem tirar o problema Bolsonaro do caminho.
* Mário Sérgio Conti é um jornalista renomado, autor do livro "Notícias do Planalto", sobre a ascensão e queda de Fernando Collor.
*Reproduzido da Folha de São Paulo, via blog de Magno Martins.
**Foto de Mário Sérgio Conti: Jair Magri
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