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PARAISÓPOLIS E POLARIZAÇÃO - Por Homero Fonseca


Na madrugada do dia 30 passado, a Polícia Militar do Amazonas invadiu uma favela de Manaus e matou 17 pessoas. Segundo a versão oficial todas eram bandidos e trocaram tiros com os militares. Estranhamente, conforme informou o Portal da Globo G1 AM[1], não houve um único policial ferido, nem havia marca de bala em nenhuma viatura. Então, é possível se deduzir que não foi tiroteio. Foi massacre. A repercussão, entretanto, foi quase nula. Afinal, Manaus é longe, faz parte do Brasil pobre. E bandido bom é bandido morto.

A tragédia recente de Paraisópolis (1º de dezembro), que provocou a morte de nove pessoas participantes de um baile funk, está tendo a merecida repercussão. Afinal, São Paulo é São Paulo, tudo lá é notícia. E as vítimas não puderam ser classificadas como bandidos. Eram jovens que se divertiam numa festa. Estavam todos desarmados. Não houve confronto algum. Houve, sim, uma ação truculenta, imprudente, desastrada, negligente e desumana da Polícia Militar de São Paulo contra favelados. Segundo fonte oficial, a PM perseguia bandidos que se abrigaram no meio dos cinco mil participantes da festa e as vítimas teriam sido pisoteadas no tumulto. Uma espécie de “acidente de trabalho”. O governador João Doria disse (falando para seu eleitorado) que ia “preservar os policiais”. Abundantes depoimentos e vídeos feitos por moradores da favela negam essa versão asséptica e desvelam parcialmente o tamanho da brutalidade, sadismo e modus operandi da PM paulista. Após a divulgação das imagens — a mais chocante flagra durante longos minutos um policial batendo indiscriminadamente com o cacetete nos jovens que saíam do baile funk, ordeiramente, com as mãos para cima, sendo o primeiro a levar cacetada um homem de muletas — após a divulgação dessas imagens, Doria falou no “rigoroso inquérito” de sempre.

Notícias registram mortes por asfixia mecânica (Revista Época)[2] e ordem para que o Samu não prestasse atendimento aos feridos, solicitado por uma moça que foi ferida com um amigo por uma bomba (Portal UOL)[3]. A unidade envolvida no episódio é o 16º Batalhão, que atua naquela região, e é o mais letal da PM paulista, segundo um levantamento d’ O Estado de S. Paulo.[4]

Um filme revelador

O mais impressionante nesse novo episódio de desrespeito aos mais elementares direitos do morador da periferia pela Polícia (a quem o ministro Sérgio Moro quer dar carta branca oficial para matar) é a reação de uma certa elite que vive no pólo oposto da gente humilde. Como a atitude incrivelmente egoísta dos vizinhos ricos de Paraisópolis, os moradores do elegante bairro do Morumbi. O excelente documentário EntremundoUm dia no bairro mais desigual do mundo (roteiro e direção de Thiago Brandimarte Mendonça, 2015)[5], chega a ser didático na revelação dos mundos opostos, em imagens alternadas que escancaram, sem necessidade de dizer uma palavra, o abismo da nossa desigualdade social. O curta mostra o cotidiano de duas populações radicalmente polarizadas. São cenas explícitas de um apartheid social. Para efeito dessa postagem, vou me ater aos menos de cinco minutos dedicados a uma assembleia dos moradores do Morumbi, com o então comandante do famigerado 16º. O tema é algo sobre como a Polícia deve agir a serviço da tranquilidade dos bacanas. Logo no início da conversa, o tenente-coronel Nágila fala em problema social e da necessidade de uma ação comunitária, ao que uma mulher da plateia balança enfaticamente a cabeça no conhecido gesto de discordância. Um morador sugere: “Essa ação comunitária, antes dela, não é possível uma ação mais forte em Paraisópolis? Limpar aquilo?” Um cidadão opina: “Se tivesse um Batman, um só, aí na rua, ia matar todo mundo”. E propõe assumirem custos financeiros para “doar carros blindados, aparelhar uma delegacia de polícia, bala, granada”. Uma moça pergunta porque o Exército não pode entrar?” Alguém argumenta: “Essas pessoas que moram na favela não têm dignidade, coitados. Deveria, sim, ter uma política de não ter mais favela.” “Mas pra onde vai esse povo?” — questiona uma voz feminina. O cara responde: “Adorei seu comentário. Tem que ajudar as pessoas. Mas não morar no Morumbi”. Um reclama: “Temos que dar estudo de graça, fardamento de graça, bolsa família de graça e eles não dão nenhuma contrapartida?” Outro resume a visão estreita, personalista e alienada de seus pares: “Direitos humanos? Põe (o bandido) na sua casa.”

Nessas únicas cenas faladas do curta-metragem, a cabeça da elite está exposta sem hipocrisia. E a visão revelada não é exatamente edificante: ódio, preconceito, ignorância escolarizada, falta de empatia, tendência fascistoide de resolver tudo pela força policial. “Limpar aquilo” — qualquer nazista poderia dizer essa frase.

O final do documentário parece profético, mas na realidade é rotina nas favelas desse Brasilzão: uma festinha funk na rua termina com investida policial, tiros e dispersão dos jovens. Isso em 2015, lembrem-se. Agora, apenas a escala foi maior e, por isso, trágica.

========= FONTES:
[1] “Polícia mata 17 em Manaus; secretário diz que houve troca de tiros com facção”. G1 AM, 30/10/2019 — https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2019/10/30/troca-de-tiros-deixa-17-suspeitos-mortos-na-zona-sul-de-manaus.ghtml (acessado em 04/12/2019)
[2] “Laudos do IML apontam ‘asfixia mecânica’ em mortes de Paraisópolis. Sufocamento seria causa dos óbitos segundo análise do Instituto”. Época, 02/12/ 2019. https://epoca.globo.com/brasil/laudos-do-iml-apontam-asfixia-mecanica-em-mortes-de-paraisopolis-24113753 (acessado em 04/12/2019).
[3] “Paraisópolis: Bombeiro cancelou Samu alegando atendimento da PM, diz TV”. UOL, 03/12/2019. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/12/03/paraisopolis-samu-cancelou-socorro-apos-pedido-da-pm-diz-tv.htm (acessado em 04/12/2019.
4 Estadão, 20/03/2015. Matéria reproduzida pela Gazeta do Povo, de Curitiba, em 02/12/2–19.https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/batalhoes-da-pmque-mais-matam-se-concentram-na-grande-sp-e50afotynx39gsi7wjmrxpbb0/
[5] Reproduzido no Le Monde Diplomatique, de 02/12/2019 (acessado em 04/12/2019). https://diplomatique.org.br/tv/documentario-entremundo-um-dia-no-bairro-mais-desigual-do-mundo/ São 25 minutos que valem a pena. Uma versão editada apenas da assembleia dos moradores do Morumbi está no Twitter de Bruno Kalila: https://twitter.com/BkerKali/status/1202066338694533120

Homero Fonseca é jornalista, escritor e consultor literário. Foi editor da revista Continente. Autor do romance "Roliúde", entre outros livros.

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