Para
encerrar a noite do domingo, postamos um causo
de Leone Valença, publicado em seu livro “Dez Breves Estórias de Morte”,
lançado em 2008, onde o autor de São Bento do Una aborda de uma maneira bem
humorada passagens da única certeza da vida. Abaixo o texto de Leone:
"Alguém
me conta do grave acidente de percurso na vida boêmia de Zefa Roela.
Já
no final da temporada de aguardente de um ano passado qualquer, Zefa Roela,
hoje, graças a Deus, uma senhora abstêmia e, conseqüentemente, respeitável,
entrou em coma alcoólico profundo e foi, sem a devida perícia médica, dada como
morta. Diz a própria Zefa, que os seus pés foram queimados com pavios de jornal
para comprovação da morte.
O
enterro foi providenciado por uma comadre que, entre lágrimas de um choro
convulsivo, concitou toda a vizinhança da Rua das Varas para aquela tarefa de
grande sentido humanitário, antecipadamente agradecendo a imensa demonstração
de fé e caridade cristãs.
Como
acontece em todo enterro de irmãos da birita, a acorrência foi nota dez.
Geralmente os membros dessa gigantesca e universal confraria não têm condições
físicas de levantar, sequer uma caixa de fósforos, quanto mais a carregar um
féretro de um defunto jovem e robusto, como seria o de Zefa Roela, entretanto,
podem ficar certos, a solidariedade dos bêbados não existe apenas nas mesas dos
botecos.
A “crasse”
jamais deixaria de prestigiar um colega, principalmente na hora do adeus
definitivo. Não poderia ser diferente no adeus a Zefa.
A
comadre da falecida marchava à frente do cortejo com orgulho da autoria daquele
empreendimento funéreo tão bem sucedido.
Próximo
ao término do itinerário mais indesejado da cidade, isto é, do cemitério,
literalmente, na reta final, Ambrósio, um dos condutores do caixão que segurava
uma das alças da frente, desconfia que algo estranho está acontecendo no
interior do ataúde. Logo no início, ele atribuiu à troca de mãos as trepidações
que observava no caixão. Em seguida, nota que o mesmo oscila independentemente das
manobras de substituição dos condutores.
-Espera aí, minha gente,
arreia o caixão. Eu penso que tem um rato aí dentro!
Caixão
no solo. Como num filme Drácula, a tampa do ataúde vai se abrindo lentamente,
aparentemente por conta própria. Como Lázaro, Zefa Roela como que “ressuscita”
e mostra a cara redonda, vermelha e... espantada.
Os
acompanhantes, de queixo caído, estão paralisados. Zefa, ainda com muito álcool
na cuca, abre a boca e:
-É água no mar / É maré
cheia, ô / mareia ô / mareia...
Alguém
mais nervoso inicia a debandada. A empreendedora comadre de Zefa mete os peitos
no acompanhante da frente e cai estatelada no calçamento, de onde levanta
momentos depois com um rosário de desaforos em cima da pobre Zefa porque,
segundo da dita comadre:
-Isso é coisa que se
faça? Então eu gasto tanto, trabalhei tanto para um enterro acabar desse jeito?
Zefa
Roela, alma pura, procura consolar a comadre “prejudicada”:
-Ô comadre, eu não tive
culpa. Mas, aqui pra nós, eu tava tão bonita cercada de tantas flores..."
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