Tenho duas lembranças fortes de Fafá de Belém: O seu primeiro disco, em meados da década de 70, quando eu ainda adolescente estava atento a tudo que surgia de novo no Brasil, principalmente em termos de música popular. Com aquele vinil o país passaria a conhecer uma nova cantora, de boa voz, gordinha, sorridente e que estreava na indústria fonográfica caprichando no repertório. Nunca esqueci sua interpretação de Fracasso, uma composição do imortal Mário Lago – uma das figuras mais fascinantes da nação brasileira, que tive oportunidade ver uma vez numa apresentação do Centro Cultural de Garanhuns.
Relembro sem saudade o nosso amor
O nosso último beijo e último abraço
Porque só me ficou da história desse amor
A história dolorosa de um fracasso
Fracasso, por te querer assim como quis
Fracasso, por não saber fazer-te feliz
Fracasso, por te amar como a nenhuma outra amei
Chorar o que já chorei, fracasso eu sei
Fracasso, por compreender que devo esquecer
Fracasso, porque já sei que não esquecerei
Fracasso, fracasso, fracasso, fracasso afinal
Por querer tanto bem e me fazer tanto mal
Se você quiser se deliciar ouvindo essa música, dê uma busca a internet e perceba como Fafá começou bem sua carreira artística.
Na década de 70, aliás, me parece que a cantora nascida em Belém do Pará, em 1956, filha do advogado Joaquim de Figueiredo e de dona Eleida Padilha - esta de uma família de políticos – foi mais criteriosa nas músicas que escolheu para gravar. Embora nunca tenho tido os recursos vocais de uma Maria Betânia, Gal Costa, Marisa Monte ou Adriana Calcanhoto, só para ficar em quatro exemplos, Fafá sempre deu conta do recado e se faltava um pouquinho de voz ela sempre foi capaz de contagiar seu público com emoção, animação e alto astral. E belas canções, principalmente nos primeiros anos.
O primeiro sucesso no rádio veio com a música Filhos da Bahia, uma composição de Walter Queiroz. Logo depois veio o primeiro LP, que além de Fracasso trazia Tambá Tajá (título do álbum), Haragana e Xamego, esta última de Luiz Gonzaga e Miguel Lima. É um disco eclético, que traz tanto o romantismo de Lago quanto o contagiante carimbó de sua terra natal.
Fafá apareceu em trilhas sonoras de novelas da Globo e gravou respeitados autores nacionais, como Gilberto Gil, João Donato, Milton Nascimento, Chico Buarque e até Catulo da Paixão Cearense, aquele do Luar do Sertão.
Seus três primeiros discos seguiram uma linha mais próxima do que se chama MPB (no sentido de gênero da música brasileira) e tiveram reconhecimento público e também da exigente crítica.
José Ramos Tinhorão, um dos mais cultos e também enjoados críticos de música do país saudou com entusiasmo o surgimento de Fafá de Belém, aprovou inteiramente o primeiro trabalho da artista.
Da década de 80 me vem a seguinte a segunda lembrança forte da cantora, como escrevi no início deste texto. Nas ruas se intensificavam os movimentos pela democracia no Brasil, começou a campanha pelas Diretas Já e Fafá foi a artista que se integrou de forma mais intensa à mobilização nacional por eleições, sendo apontada pela mídia como a “Musa das Diretas”.
Acredito que é mais ou menos desse tempo duas interpretações marcantes da cantora: uma gravação belíssima do Hino Nacional Brasileiro e da música O Menestrel de Alagoas, em homenagem ao alagoano Teotônio Vilela, que morreu de câncer e emocionou o país dando seu corpo e sua alma até o fim pela redemocratização do país.
A história registra que duas pessoas deram força a Fafá de Belém, para que ela tivesse êxito como cantora: Roberto Santana, do grupo pernambucano Quinteto Violado, que a aconselhou a seguir a carreira e Roberto Carlos, que elogiou a “menina” no começo de tudo, compôs músicas gravadas pela artista de Belém e a convidaria para um dueto memorável num dos especiais da TV Globo, no final do ano.
A partir da segunda metade da década de 80, nos anos 90 e nos últimos anos, Fafá optou por ser uma cantora mais romântica, chegando mesmo a gravar algumas músicas consideradas bregas. Foi quando passou a ser detonada pela crítica e ao mesmo tempo acelerou a venda dos seus discos. “Memórias” de Leonardo e “Dê uma Chance ao Coração”, da dupla Sullivan e Massadas fizeram com que a artista paraense ganhasse o grande público, embora a partir daí a crítica tenha lhe dado as costas.
Mesmo tendo altos e baixos nesses mais de 35 anos de carreira, não se pode negar que Maria de Fátima Palha de Figueiredo, a Fafá, é uma cantora importante na história da música popular brasileira. Resgatou compositores esquecidos, lançou ou popularizou novos ritmos, se integrou à política sem perder o rumo da carreira artística, abraçou o romantismo sem preconceitos, animou e anima o país há quase 40 anos com um sorriso do tamanho do Estado do Pará.
Abram caminho para Fafá de Belém por favor. Ela está na galeria dos grandes nomes da MPB.
VERMELHO - Ao clicar no nome da palavra ao lado, você acessa um vídeo do yotube com Fafá de Belém interpretando a música Vermelho, num show ao vivo.
VERMELHO - Ao clicar no nome da palavra ao lado, você acessa um vídeo do yotube com Fafá de Belém interpretando a música Vermelho, num show ao vivo.
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