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Pesquisas Eleitorais

O AMOR EM TEMPOS SOMBRIOS - Por Roberto Almeida


Os dois se embrenharam na mata, sem pensar em nada.

Muita tesão os dominava para lembrar da existência de cobras, lagartos ou qualquer outra espécie ameaçadora.

Vencida a vegetação alta, livres dos espinhos, chegaram ao regato, a água límpida como o dia. Flores silvestres, cigarras cantando na copa das árvores, quase um paraíso, se era possível encontrá-lo em meio aos tempos ásperos que estavam vivendo.

Um germe ameaçando a humanidade, cientistas e médicos batendo cabeças e políticos estúpidos fazendo da vida um circo, eles mesmo mágicos e palhaços, indiferentes ao choro e à dor.

Flora tirou toda roupa e ficou,  próxima  à água que corria,   como veio ao mundo.

Seios fartos, peitos duros, a rosa cheia de pelos ruivos que a tornaram ainda mais atraente para o amante.

João também se desfez das vestes, a pele branca e nos olhos um brilho.

Excitado como no primeiro dia, aquele em que recitaram poemas e fizeram amor junto à lareira, os corpos se comprometendo a viver em sintonia, depois dos orgasmos conquistados ao mesmo tempo, como uma dádiva oferecida à juventude que os tornava despreocupados.

Não estava fácil. Em casa, no trabalho, nas ruas. Os sites só estampavam horrores, assaltos na noite, crimes à luz do dia, ministros e juízes (ou juízas brancas arianas) passando por cima das leis, indiferentes ao choro de negros, travestis, mulheres ou crianças de 10 anos.

Na Dinamarca, Espanha, França, Portugal. Argentina, Chile ou Brasil.

O mesmo medo, a mesma perplexidade.

Sem lenço, sem documento, muito menos dinheiro no banco, sequer no bolso.

Em meio ao caos é que eles se conheceram. Os olhos de cobiça, as bocas úmidas, cheias de palavras que saíram aos borbotões.

Homens conspiravam, mulheres se refugiavam nas igrejas ou no YouTube, ouvindo padres e pastores.

Tudo em nome de Jesus.

Na década de 70 o baiano já cantava: "Se existe Jesus no firmamento cá na terra isso tem de se acabar".

Estava do mesmo jeito, em alguns aspectos tinha até piorado.

Devido ao germe e aos germes.

Excrementos saídos do esgoto, tomando os púlpitos e as ruas de assalto, invadindo as esplanadas, procurando aterrorizar as massas com tanques que apenas poluíam o ar. Obsoletos como essas santas criaturas, homens e mulheres do bem.

Distante de 1984, da Era das Aias. Assim, ainda era possível a troca de olhares, uma conversa boba, o abraçar, beijos, beijos, tensão, tesão e amor sem regras, sem régua, instintivo,  como dos animais.

Sim, João e Flora estavam apaixonados. Ao contrário da maioria das pessoas, preocupadas com grife, pompa, as novas leis; ou simplesmente presas às dificuldades do novo velho tempo - eles sentiam o coração bater mais forte.

Um se via no olhar do outro, o brilho, o verde, como um espelho refletindo estrelas.

Viajaram de ônibus, de avião, foram até o extremo sul.

Passaram por rios e praias do Nordeste, cidadezinhas, estiveram em sítios sem energia elétrica, que dirá internet,  WhatsApp ou Instagram

Depois voltaram à selva para viver em arranha-céus, concreto por todo lado e carros pra lá e pra cá.

Formigas que trafegam sem lógica, sem nenhuma razão.

- Eu amo você Flora!

Ele foi o primeiro a tomar coragem e dizer a frase reprimida. Ninguém mais ousava pronunciá-la. 

A mulher segurou mais, porém não resistiu ao charme ou a dor prazerosa que invadia dias e noites de seu coração.

Um dia, desarmada, dominada pela paixão segredou:

- Eu também amo você!

Não precisaram de padre, igreja, juiz,  de nenhum hipócrita para oficializar os sentimentos reais, sinceros, que brotaram dos corpos como que saídos da terra, das sementes germinadas, depois de um inverno bom, apesar das noites de frio.

Apesar de vocês, vida que segue. Vai passar.

É preciso mais que um samba ou uma sinfonia. Mas a esperança e o amor vão ser plantados, o gozo e os filhos serão colhidos e os bons estarão livres.

Dos tiranos, de todos os horrores, da estupidez.

Em cada casa haverá pão, harmonia e as pessoas poderão dançar, como se nunca tivessem sofrido tanto: com a gripe espanhola, o holocausto, o novo vírus.

Existirmos, a que será que se destina?

A encontrar aquela que te faz praticar as maiores loucuras, enfrentar sábios e generais. Ficar todo arrebentado e soltar o grito, depois de uma manhã, tarde e noite de amor.

O destino é um homem bom, carinhoso, que não apenas me faça gozar, com seu ímpeto. Mostre o caminho, afaste o medo, assegure um futuro, me permita formar uma família.

Flora e João, agora para sempre juntos, casados numa cerimônia celebrada pela natureza. Vencedores. No regato, longe da civilização, vivendo a lua de mel, preparando corpo e o espírito para o novo tempo.

*Conto escrito durante a pandemia. Republicado com algumas alterações.

**Imagem: do filme "Oração de Amor Selvagem". 

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