Por Ruy Castro*
Cuidado! De repente, na padaria, sem esperar e sem querer,
você se torna uma ameaça sanitária
Bivacinado e de máscara
dupla, dei-me outro dia o prêmio de um pulo a uma padaria do Leblon em busca de
alguns frios e queijos. De repente, na fila do caixa, veio-me a vontade de
espirrar. E, se você já espirrou na vida, sabe como é. Nenhum espirro é um
simples espirro. Começa por uma comichão no nariz, anunciando algo que emana
das profundas e vai irromper queira você ou não. É algo que não leva mais que
três segundos, mas, como nos parece vir em câmera lenta, achamos que dura muito
mais. E, deflagrado o processo, exatamente como numa ejaculação, não há nada a
fazer a não ser relaxar e deixá-lo vir. Dá-se então, saindo de você, um rugido
de Stromboli, Vesúvio, Krakatoa.
O problema é que é quase
impossível espirrar em segredo. Por perto há sempre alguém que, ao nos ver
aflitos e levando as mãos ao rosto, sabe o que vai acontecer. E, mesmo que o
espirro respeite os protocolos da pandemia, o fulano se prepara para se proteger.
Mas outros são apanhados de surpresa. Para piorar, um espirro abafado por uma
máscara emite um som que, mesmo lembrando um ronco produzido por uma tuba, muda
apenas de atchim para atchê ou coisa assim.
Explodiu, então, o espirro
—ou espirros, porque todo espirro vem em pares. A padaria em massa escutou.
Alguns clientes pularam de susto; outros voltaram a cabeça em busca do autor; e
todos olharam com reprovação ou medo. Com razão: um espirro em público nos dias
atuais é mais conspícuo do que um pum na igreja e, conforme o caso, muito mais
grave. Sabe-se lá se, apesar da proteção da máscara, uma falange de vírus
infantis ou nanicos não escapou pela trama e povoou o ambiente?
Vexadíssimo, sentindo-me uma
ameaça sanitária, paguei rapidamente a compra e tentei sair de fininho,
esperando que a máscara me garantisse o anonimato. Mas que nada. Um amigo, lá
no fim da fila, quase perto da porta, gritou solidário:
“Saúde, Ruy!”.
*Ruy Castro é jornalista e escritor consagrado. Crônica publicada originalmente na
Folha de São Paulo
**Ilustração: UOL
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