No dia 27 de abril
de 1937, morria um dos pensadores
mais originais da rica e diversificada cultura política marxista, Antonio
Gramsci. Oriundo da Sardenha (Itália), Gramsci tornou-se
cidadão brasileiro nos 70 e 80 pelas mãos do ensaísta e tradutor baiano Carlos Nelson Coutinho, tradutor e introdutor
de sua obra no Brasil (os "cadernos de Cárcere"). Como Walter
Benjamin, foi mais uma vítima do nazi-fascismo e escreveu em condições adversas, preso nos cárceres de
Mussolini , de onde só sairia para morrer de tuberculose. Este grande pensador
italiano foi um dos fundadores do partido Comunista de seu país, membro do
Comité Executivo da internacional Comunista
e Deputado no Parlamento italiano. Contudo, nada disso se iguala à orig
inalidad e de seu pensamento político.
Chamado de "o Lenine europeu" , Gramsci inovou - como ninguém
- a estratégia revolucionária para a conquista do socialismo no Ocidente, ao
propor uma inversão da chamada "guerra de movimento" pela
"guerra de posição" e colocou em primeiro plano- a luta pelo
hegemonia.
Houve muita controvérsia sobre a
influencia leninista (e até mesmo
marxiana) sobre o pensamento gramsciano. Ele era ou não leninista! - Discussão sectária e dogmática que ignorou
o rico legado de uma trajetória de muitas fases .
Como, ailás, a própria
carreira de Lenine, ora apontado como conselheirista ora como homem de partido
. O fato é que Antonio Gramsci foi, ao lado de Rosa Luxemburgo e os austro marxistas, um adepto da
republica dos conselhos, da organização de base dos operários, e um crítico do
determinismo econômico que ele via em
sua primeira leitura de O Capital. A primeira fase da carreira política de Gramsci é
caracterizada pela veemente defesa dos "conselhos de fábrica" de Turim: e a fase do jorn al turinense
"L ordine nuevo" . Existe aí a
manifestação de um voluntarismo político muito grande, que corre a par de seu
otimismo com a revolta dos operários turineses. Com a derrota e o refluxo desse
movimento, surge a reflexão sobre a indispensável aliança com os camponeses do
"Mezzogiorno", a Itália rural e atrasada. A mesma lição aprendida a duras penas pelos
"comunards" parisienses le em
Turim: sozinhos e isolados, não se faz revolução.
Esse aprendizado o levou a
descobrir o "príncipe moderno" - o partido de novo tipo. Bom, aí
estamos no domínio do leninismo propriamente dito, como antes parecia que a
influencia anarquista (Amadeu Bordiga) orientava o jovem Gramsci. A teorização
do partido, como intelectual coletivo, dotado de um centralismo orgânico e capaz
de elaborar uma "cultura nacional-popular" e levá-la às massas caracterizou essa nova
fase do pensamento de Gramsci. O partido passou a ser o mediador, por
excelência, daquilo que ele intitulou "a catarse" revolucionária do
pensamento dos simples numa visão de mundo coerente e sistemática. Sob este aspecto, o teórico
sardo pode ser chamado de "leninista". Sua valorização da mediação
partidária faz de s i um partidário
daquele "jacobinismo aferrado à disciplina do partido", criticada por
Rosa Luxemburgo, em sua discussão com Lenine. E Gramsci foi um intelectual
partidário. Primeiro no PSI, depois como um dos fundadores do PCI.
Mas a descoberta do
"novo príncipe" não estaria completa sem a nova estratégia
revolucionária para a conquista do socialismo nas sociedades ocidentais.
Aqui, entramos no coração da
originalidade gramsciana,:a noção de Hegemonia (resumidamente descrita como a
soma de coerção + persuasão), força e consentimento, estado e sociedade civil.
A noção de "hegemonia" não era nova no marxismo-leninismo da 3a
Internacional Comunista. Lenine a tomara de empréstimo de Clausenvitz, na sua
"Arte da Guerra". A palavra sempre teve forte acepção militar. Mas
Gramsci lhe confere um novo conteúdo: consentimento ativo dos dirigidos à
liderança de um chefe.
Claro, esta operação não
teria sido possível sem a rica contribuição da cultura política e filosófica
italiana: o paradigma da história ético-política, de Benedito Crocce. A idéia
do bloco histórico, dos intelectuais como funcionários da superestrutura etcetera.
Essa inovação teórica
e revolucionária conduziu Gramsci a
reconhecer o valor da indigitada "sociedade civil" e seus
"aparelhos privados de hegemonia" (a escola, a igreja, as academias
científicas, os jornais) como elementos fundamentais para a conquista do
socialismo em sociedades de massa, como as ocidentais. E que antes da conquista
do poder político, era necessário conquistar a hegemonia: o coração e as mentes
das pessoas. É preciso advertir que para ele "hegemonia" nunca foi sinônimo
de "dominação". Embora ajudasse a consolidar um projeto de poder por
um longo tempo.
E aqui, gostaria de
puxar a conversa para o Brasil. Como disse no início, Antonio Gramsci tornou-se
cidadão brasileiro através de seu tradutor, Carlos Nelson Coutinho, no bojo de
uma luta interna no Partido Comunista
Brasileiro, defendendo uma estratégia democrática radical para o fim da
ditadura militar e a luta pela conquista
do socialismo. No entanto, seu
pensamento foi logo apropriado pela academia universitária no sentido de se
estudar a chamada "cultura popular", Como um teórico da
superestrutura, Gramsci trata da cultura dos simples, sua ideologia, suas
formas de pensamento (materialismo histórico e a filosofia de Benedito Crocce).
Nesta obra, ele estuda o senso comum, o bom senso, a religião
e as visões de mundo tradicionais. O teórico italiano manifesta uma particular
forma de valorização do senso comum e da visão de mundo das classes
subalternas, mas sublinha que esta visão é produto de um amalgama de
variados traços - vindos de fora - que
se imprimem no imaginário dessas classes, produzindo uma ideologia acrítica,
eclética e assistemática. Sendo, portanto, o papel dos intelectuais progressistas e do partido político fazer a necessária depuração dessa mixagem
ideológica, ajudando as pessoas a sistematizarem e darem coerência ao seu
pensamento. A essa nova forma de pensar, ele dá o nome de
"cultura nacional-popular" e
ela varia de conteúdo, no âmbito das inúmeras revoluções burguesa s e
populares ao longo da História.
Sobre este aspecto,
nos interessa sobretudo a ideia de usar os conceitos gramscianos para o estudo
da cultura popular no Brasil, E, neste particular, tanto poderiam ser as religiões populares, como os folguedos
e brincadeiras carnavalescas, como os Maracatus. Que dizer dessa apropriação
dos conceitos gramscianos! Em primeiro lugar, que hegemonia não é sinônimo de dominação, dominação
ideológica, do tipo que a industria cultural moderna opera com o imaginário das
pessoas. Segundo, os potenciais críticos, subversivos ou utópicos presentes
nessas manifestações precisam ser submetidos a" uma hermenêutica da
suspeição", ou seja, eles aparecem mesclados com elementos da tradição e precisam passar por um processo de decanta ç
; ; ão ideológica, para que sejam devidamente aproveitados na construção de uma
nova visão de mundo. Aí, o trabalho dos intelectuais "orgânicos" (não
necessariamente acadêmicos), aqueles ligados aos movimentos de massa, é muito
importante. Gramsci , como leninista de novo tipo, evita prescrever uma postura
autoritária, diretiva e autossuficiente para essa pedagogia política. Acredita
num movimento de reciprocidade e revezamento entre as bases e a direção do
partido ou do movimento ("centralismo orgânico"). De todo maneira,
seria conveniente não taxar de saída o pensamento dos simples como retrogrado
ou atrasado. Ou cortejar simplesmente essa forma de pensamento como sábia r revolucionária. Acho que Antonio
Gramsci fica a meio termo.
*Michel Zaidan Filho é
garanhuense, cientista político e professor aposentado da UFPE.
Está aí um cara que nasceu para cagar o mundo!
ResponderExcluirSegundo Gransci na luta pela Hegemonia, a vitória passa por, dentre outras coisas, ocupar cargos no aparato estatal, como por exemplo cargos de juízes, promotores, professores em universidades pública... Entendedores entenderão....
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