Henrique
Abel - Mestre e Doutor em Direito
Uma amiga, perplexa com o pedido de
Dallagnol & Cia para que Lula seja solto, me pede para fazer um post para
ajudar a esclarecer aos interessados o que essa aparente "loucura"
significa.
Juridicamente,
não significa nada. Politicamente, significa tudo.
Explico:
os procuradores ligados à operação Lava Jato não estão pedindo a anulação do
processo de Lula, nem sustentando sua inocência ou "mudando de ideia"
em relação a qualquer acusação anterior. Eles estão simplesmente reconhecendo
um direito óbvio e elementar que, em regra, todo preso tem: progressão de
regime. Como Lula está preso desde abril de 2018, ele já cumpriu 1/6 da pena e,
portanto, faz jus à progressão do regime fechado para o semiaberto.
Reitero:
não há nada de surpreendente nisso, do ponto de vista jurídico. É feijão com
arroz. O MP já tinha sinalizado que iria concordar com a progressão de regime
de Lula há mais de um mês. Já era fato de conhecimento público há várias
semanas.
Portanto,
juridicamente, não há absolutamente nada digno de nota aqui.
Entramos,
agora, na questão política. Aqui a coisa fica interessante.
A
rigor, a progressão para o semiaberto, sendo um benefício para o preso, é
requerida por quem dela se beneficia. Mas a prisão de Lula, como todo mundo
sabe, não é um caso penal normal. Não vou, aqui, entrar no mérito sobre a
prisão de Lula ser "jurídica" ou "política" - isso não
interessa para a análise que estou fazendo. Vou me ater ao fato de que a prisão
de Lula, desde o seu início, sempre esteve envolvida em cálculos políticos, tanto
de seus adversários quanto dele.
É
por isso que, do ponto de vista político, o caso de Lula subverte toda a lógica
padrão da progressão de regime. Para ele, politicamente, a progressão NÃO É
interessante. Para os seus acusadores e carrascos, o pedido de progressão feito
por eles, se concretizado, representaria um ganho político.
Parece
uma loucura, mas é fácil de entender.
Lula
nunca deu prioridade, na sua queda de braço com a Lava Jato, à sua liberdade.
Se assim fosse, ao menor sinal inicial de fumaça, bastaria ele ter saído do
país, alardeado seu status de "perseguido político" e ter desfrutado
gostosamente de férias vitalícias no exterior. Por conta de seu histórico e
trajetória, seria celebrado como herói nas mais diferentes partes do mundo e
jamais teria passado um único dia sequer na cadeia.
Nunca
se tratou, portanto, de Lula "não ser preso". A prioridade, para
Lula, era vencer a narrativa disputada contra a Lava Jato. Se, para tanto, ele
precisasse mofar uma temporada na prisão, ele estava disposto a tanto. Já para
seus adversários, tirar Lula de circulação na arena política era muito mais
importante do que qualquer outra coisa. Tratava-se de uma corrida contra o
relógio para assegurar que ele não teria condições de concorrer nas eleições de
2018. Quem quer que ainda não tenha compreendido esta obviedade, a esta altura
do campeonato, depois de todas as revelações do escândalo "Vaza
Jato", só pode estar num sono profundo similar ao da Bela Adormecida.
Portanto,
para Lula, receber agora uma "benesse" do MP e do Judiciário, indo
para prisão domiciliar com a pecha de "bandido condenado beneficiado por
um gesto de clemência dos acusadores bonzinhos", é um prejuízo político
puro e simples.
Vejam,
agora, o lado de Dallagnol e de seus colegas que correm para pedir que Lula
deixe a prisão. Cada dia que Lula passa atrás das grades é uma denúncia às
contradições, atropelos processuais e motivações políticas de vários dos
protagonistas da Lava Jato. Com Lula no conforto do próprio lar, a cobrança
sobre a "banda podre" da Lava Jato perde em fôlego e a tensão é
reduzida.
Além
disso, num momento em que a reputação de Dallagnol encontra-se em frangalhos, e
em que crimes e ilicitudes de todos os tipos vieram à tona em suas gravações
trazidas a público, a "surpreendente" (risos) iniciativa dele de
"sair em defesa" (mais risos) de Lula surge como uma ótima
oportunidade publicitária para a limpeza de sua própria imagem. Que forma
melhor de posar de "isento", "justo", "técnico" e
"imparcial" do que se reunir com um grupo de procuradores e juízes
para "fazer justiça" (gargalhadas) por Lula?
É
isso, portanto, o que está acontecendo: um impasse político em cima de uma
trivialidade jurídica. Todo preso quer progredir de regime - menos Lula, que
sonha com a anulação do seu processo e com a confirmação de sua narrativa de
perseguido político. Procuradores da República e promotores nunca fazem
abaixo-assinado para um preso em particular progredir de regime - menos a trupe
de "justiceiros" lavajatistas que agora estão emparedados e acuados,
assombrados pelos muitos pecados cometidos no afã de atuar diretamente nos
rumos políticos do país em nome de suas concepções abstratas do
"bem".
Essa
é a descrição do que está acontecendo. Agora, se me permitem, darei uma
brevíssima opinião. A meu ver, se os outrora heróis precisam chegar ao ponto de
fazer abaixo-assinado para Lula sair da prisão (para que possam posar de justos
e imparciais), isso representa de forma inequívoca uma vitória parcial da
narrativa lulista. Se não estivessem sob escrutínio, cobrança e pressão,
estariam pouco se importando se Lula progredisse de regime ou não - e muito
menos uniriam esforços para levar adiante uma iniciativa visando
"beneficiá-lo". Aconteça o que acontecer, nada poderá mudar o fato de
que Lula, na paciência do cárcere, marcou mais um ponto neste jogo político.
*Artigo reproduzido do Facebook
de Rita Ferreira da Rocha
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