Por Junior Almeida
Foi
com o título igual ao desse texto que a Revista
O Cruzeiro, uma das publicações mais importantes do país na época, publicou
em suas páginas uma reportagem de um fato no mínimo inusitado acontecido na
cidade de Capoeiras, no Agreste de Pernambuco, em meados dos anos sessenta. O
caso foi assim:
Um
cidadão que morava em São Bento do Una, de nome Antônio, tinha um caminhão
Chevrolet com alguns anos de uso com o qual ganhava a vida de feira em feira
carregando passageiros e feirantes com suas mercadorias. Uma das feiras que
“seu” Antônio frequentava era a de Capoeiras, essa no tempo com mais de meio
século de existência.
Na
cidade o seu veículo era chamado de “marinete” e como todo Antônio é Tonho, em
Capoeiras o homem era “Tonho da marinete”. Geralmente em cidades do interior o
meio de vida ou o local que se mora é incorporado ao nome. É fulano do leite,
cicrano da padaria, beltrano da fazenda, e assim por diante. Pois bem. Todas as
sextas-feiras, após distribuir mercadorias e toldas dos feirantes, Tonho
estacionava sua marinete próximo a igreja matriz, do lado direito para quem
fica de frente para a casa de Deus. Seu ponto de apoio, ou arrancho, como se
diz na região, era na casa de comércio de Zé Inácio, também chamado por alguns
de Zé de Diola. Tonho da marinete tinha muita amizade com os donos da casa, o
casal Zé Inácio e Diolinda Bezerra, a Diola. Como o lugar era pacato, o dono do
caminhão nem se preocupava em fechar à chave as portas do veículo, ao menos que
chovesse aí ele fechava pelo menos os vidros.
Zé
e Diola já tinha os filhos, Gildo, Ieda e Gilberto, e alguns meninos da
vizinhança sempre estavam pela casa brincando com as crianças do casal. Em um
dia de feira daquele ano, o menino Acidézio, o Dezinho de Lila, que morava
próximo e tinha mais ou menos oito anos de idade estava brincando na casa de Zé
Inácio. Como menino é cheio de ideia, foi um piscar de olhos para resolver
brincar no caminhão, que estava estacionado próximo a bodega onde Tonho da
marinete se arranchava. Primeiro ele subiu na carroceria e como ninguém
reclamou nada, ele resolveu entrar na cabine do velho Chevrolet. Brincando de
dirigir, fazendo o barulho do motor com a boca, o empolgado Dezinho resolveu
passar marcha. Não deu outra: o terreno em declive fez com que o caminhão
começasse a descer.
Em
frente à igreja existia uma feira de panelas de barro, e quando de dentro da
bodega Zé Inácio e Tonho da marinete viram, já foi o povo gritando desesperado
que o caminhão estava descendo a ladeira sem ninguém guiando, e já tinha
passado por cima de meio mundo de peças de cerâmica. Dezinho estava dentro da
marinete, mas como era pequeno e com os solavancos do caminhão desgovernado e caiu
no assoalho, ninguém o enxergava. Foi um Deus nos acuda. O dono do caminhão e o
bodegueiro tentavam em vão parar a marinete, colocando cepos de madeira nos
pneus, mas como o Chevrolet já estava embalado, nada o deteve.
O
momento era delicado. Só Deus impediria uma desgraça de grandes proporções,
afinal era dia de feira e a cidade estava apinhada de gente. A gritaria era
grande, o desespero maior ainda. O caminhão já tinha descido um bom pedaço de
rua quando em frente onde nos dias atuais funciona o Atacado Multi Vendas, de
Luiz Wanderley, vinha em sentido contrário ao caminhão, um enterro. Como Deus
nunca desampara os seus, ele ouviu as súplicas agoniadas daquele povo, e usou
um corpo sem vida de um filho seu, para salvar a vida de muitos. As pessoas que
seguravam o caixão do defunto e todo o povo que acompanhava o enterro, a
princípio não entenderam o que estava acontecendo, mas quando viram aquele
monstro de ferro vindo em sua direção sem ninguém dentro, soltaram o ataúde no
chão, e foi cada um por si.
Foi
à sorte. Aliás, foi Deus, ou mesmo São José, que testemunhava tudo através de
sua imagem ali pertinho, na torre da igreja. O caixão ficou caído no meio da
rua, no local exato que fez com que os pneus da marinete desviassem levando o
caminhão a bater numa casa, que funcionava o hotel (restaurante) de Mané Lu,
vizinho de onde hoje é o mercado de Taraó. O susto foi enorme, mas aquele
abençoado defunto foi usado por Deus para que os danos fossem apenas materiais
e que várias vidas fossem salvas naquele dia. Como o caso repercutiu em toda
região, uma equipe de reportagem da Revista o Cruzeiro, esteve em Capoeiras e
posteriormente contou a história do “homem que morreu duas vezes”.
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