Gabi estava na frente do espelho.
Olhos verdes, boca pequena, cabelos curtos, mais loiros do que castanhos.
Nua, como veio ao mundo, sozinha, admirando o próprio corpo, as coxas grossas, as pernas bem torneadas.
Sentada num banquinho, ao cama ao lado.
Um amigo costumava dizer: "a cama é a maior invenção do homem".
Da história da humanidade, eu que corrigia. Os homens não inventam nada sozinhos.
O melhor lugar para se despedir. Ideal para ver um filme na TV, recostada em almofadas, enrolada em cobertores.
E quando cansada da telinha, ia aos livros, relia contos do Machado, mergulhava no universo de Lima Barreto e me deliciava com a prosa agreste de Graciliano, acompanhava intensamente os personagens de José Lins ou as desventuras de Dona Flor.
Não precisava do shopping nem do botequim. Na cama consumia e fazia festas, bebia vinho - uma delícia nos tempos de inverno e frio - a garoa lá fora, uma música na vitrola imaginária, porque agora é tudo digital.
A poesia de Chico, a ironia da Rita, a maluquice do Seixas, a inventividade do Zeca, o som do Nordeste na voz de Luiz.
Tudo na cama, sem precisar gastar os pés; ao toque do controle remoto.
Clarice escreveu aquele texto maravilhoso sobre o ovo sob a mesa. Dedicou-o à nação chinesa e ciscou quando se referiu a galinha, desajeitada.
Como não sou escritora, apenas penso, fujo do mundo, meu refúgio é a cama.
Durmo, saio de mim, tenho sonhos mirabolantes e quando acordo, às cinco da manhã, estou viva, e nem sei se há o que comemorar.
Mas foi na cama, forrada com lençóis brancos, que recebi Richardson, esse nome mesmo, de jogador de futebol.
E ele me levou por caminhos nunca navegados, beijou partes do corpo que nunca haviam sido tocadas, fez com que eu tivesse um orgasmo intenso, desses ligados aos deuses, ao infinito, onde as paralelas se encontram.
Depois as camas se multiplicaram. Foram aos extremos da capital, desceram para o interior, e correram como um rio, me deixando atônita.
A maior invenção do homem não foi o telefone. Nem o rádio ou a televisão. Porra que foi o avião, o computador, o marcapasso!
A cama não sai do lugar, acolhe, silencia e não estressa.
Meu amigo é cheio de razões. É filósofo, embora nunca tenha lido um livro e tenha passado bem longe das universidades.
Um professor se esforçou para que eu aprendesse matemática. Os olhos brilhavam no embalo das equações e do tal teorema de Pitágoras.
E tentou, olha que tentou, me ensinar o básico de geometria.
Inútil. Como o ovo e a galinha burra, sem saber o que fazer.
Gostava mais quando chegava em casa, me recolhia ao quarto, para me masturbar.
Sabia que ele via tudo que eu fazia na solidão da noite, mesmo quando me trancava no banheiro.
E Raul lembrava meus medos e repetia 300 vezes que eu estava com Deus.
"Mas eu não tinha Deus, achava assombração".
Já não tenho pesadelos, os orgasmos, muitos, ficaram no passado.
Nos braços de Richardson, que tinha obsessão pelos meus pés. Beijava ele todos os dias.
Na sala, na cozinha, no chão da área de serviço e no canto da cama.
A obsessão de Clarice é o ovo. Ou será a galinha?
Ele tem tara nos meus pés. Já gozou somente com o movimento deles em suas partes íntimas.
Você já masturbou seu namorado usando os pés?
Vai ficar louco, nem as mãos provocam tanto.
Minha obsessão é a cama, que já escrevi uma dezena de vezes por aqui, me tornando repetitiva.
Acho que vou contar e tentar usar outras palavras.
Mas praticamente não tem sinônimos. Berço é de criança pequena.
Ninho? Pode ser. Ninho de amor.
A cama (de novo) então pode ser sinônimo de amor.
É onde me encontro. Reencontro. Descubro. Renasço. Mergulho. Nado. Fico toda molhada. Morro afogada e volto à vida, pronta para mais um dia de trabalho, embora esteja levemente desempregada.
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