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Pesquisas Eleitorais

ANIVERSÁRIO NO CASARÃO - Conto inédito de Roberto Almeida



Estavam todos no casarão.

A festa de aniversário reunira o jovem sedutor, a menina sonhadora, o estudante idealista, um velho que perdera o entusiasmo, amantes da música e da literatura, idealistas, trabalhadores, intelectuais, domésticas que se revezavam entre a cozinha e a sala das conversas amenas.

Carson, o professor, já  estava aposentado. Se refugiava nos livros, lembrava de tempos melhores, das esposas, das amantes, dos filhos que se espalharam pelo mundo. Um deles vivia nos Estados Unidos.

- A vida é para ser vivida, as mulheres bem comidas - costumava dizer, machista, misógino.

Rivaldo, apesar do nome de jogador de futebol era ativista político. Respirava conspirações. Não suportava os filhotes da ditadura; os de 64, os de 89, ou de 2018.

- Revoluções são feitas com ideias e armas. São necessárias. É preciso deter os fascistas - repetia, panfletário.

A Rosa era a rosa. Terna, despertando paixões; graças aos olhos meigos, a boca perfeita, as pernas torneadas, as coxas carnudas, os seios fartos. Mulher de verdade. Ainda mais inteligente. Dá para acreditar em tanta generosidade do criador com uma só fêmea?

"Ele chegou de mansinho, fui atraída desde o primeiro momento. Quando ele me abraçou, por trás, acariciou meus cabelos e me beijou delicadamente o pescoço fiquei toda arrepiada. Senti o volume, o desejo. O fogo se espalhou pelo corpo e chegou até a alma. Um incêndio mesmo. Não deve ser doce morrer no mar.  Eu ficaria extremamente feliz em partir depois desse clímax,  depois de tê-lo dentro de mim na banheira velha,  na casa antiga, de janelas abertas para o mundo", escreveu uma noite, no diário.

Teresa fazia as comidinhas, colocava nos pratos, levava à mesa, enorme, rodeada por diferentes idades, os mais calejados em crise existencial.

Os copos, coca cola, cerveja, uísque e a legítima cachaça nacional.

Durante a semana, assistia as novelas, realizado todo o trabalho tinha essa regalia.

Virgínia, a filha da patroa, não largava o celular.

Cuidava da menina, mesmo assim.

Eles não sabiam nada de sua vida. A única ali que nascera na roça. Que caminhara léguas muitas vezes para chegar na vila. Para comprar os mantimentos solicitados pela mãe.

No sítio, embora modesto, plantavam feijão, colhiam café e das fruteiras tiravam mangas, pinha, jabuticaba, caju e até graviola.

Mesmo assim passaram fome muitas vezes. Não tinha carne no almoço, à noite era só uma xícara de chá de capim santo com bolachas. Triste quando nem isso tinha. Dormir com a barriga sonhando dói.

O aniversariante, Seu Eustáquio, completava 80 anos. Prosperara na vila, mudara para a cidade grande, oferecera aos 8 filhos o estudo.

Médico, advogado, engenheiro, professora de universidade, empresário, fisioterapeuta, odontóloga, artista... Cada um seguiu seu caminho.

- Tudo doutor. São motivo de orgulho. Acho que fiz tudo certo - confessava Eustáquio a quem estivesse disposto a lhe ouvir.

Não chegaria a tanto sem Ana a seu lado. Ele sabia disso, porém nem sempre dava o crédito à esposa, invisível para uns, reconhecida por outros.

Como nunca procurara glória, se dava por satisfeita. "Que mais posso querer? Só tenho de dar graças a Deus por tudo!", dizia, sem muita palavras.

A vida passara depressa. Todos cresceram num piscar de olhos, difícil acreditar que uns usavam barba, as filhas tinham sido mães, o mundo se expandira e ficara menor.

O Japão é aqui, vulcões e terremotos entram dentro de casa, a pandemia local é universal e as notícias chegam a cada segundo, bastando consultar a cada instante o objeto metálico protegido pela capa cor de rosa.

Washington, apesar do nome de capital estrangeira, era simples, se tinha como um observador.

Convidado por um dos filhos do casal,  olhava atento os rostos de cada um, avaliava as atitudes, decifrava as palavras. O sentido oculto atrás dos gestos e das frases.

"São muito classe média. A riqueza de uns poucos está só na imaginação. O patriarca é um bom homem. Se todos fossem como ele o mundo era um lugar melhor de se viver.

"Dona Ana é conservadora. Sem fanatismos, não se assemelha a  esses neopentecostais que estão levando as cidades pra trás.

"De  todos gosto mais de Teresa. Os olhos brilham, mesmo tendo de trabalhar tanto. Tem um belo par de pernas.

"Os filhos, meus amigos, se a levam para a cama é somente pensando em usá-la. Jamais vão querer levar a sério a empregadinha.

"Virgínia é uma alienada. A beleza desaparece em meio à ostentação, ao desprezo com que trata os demais.

"O sonho substitui a vida. E lembrar dos prazeres antigos alivia as dores do presente.

"Não dá para ser pessimista. Para que piorar um viver em si tão complicado?  Deus, Cristo, Buda, Tao, Alá, Olorum, Orixás... Precisamos de todos  para ter muito axé.

"Ou deuses ou heróis. Que seria de nós todos sem, Tiradentes ou Zumbi? Gandhi, Luther, Mandela?

"Mas a única religião em que acredito é a do amor. No sentido praticado pelo padre Nando, aquele personagem do Quarup. 

"Quando essa festa terminar eu vou convidar Teresa pra gente sair.

"Que me perdoe Seu Eustáquio, Dona Ana, Virgínia, Ernesto. Vou fazer amor de verdade com ela a noite inteira. Beijar sua boca pequena, pegar seus seios, lamber os pequenos e grandes lábios, estimular seu clitóris e levá-la a um orgasmo múltiplo, se repetindo, como que infinito. E eu vou me acabar de prazer, esquecer a ociosidade das tardes, a inutilidade das horas, ficar tão feliz quanto um homem pode ser,  quando sempre parece a primeira vez".

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