Dr. Nelson Ferrão, um dos médicos dos SUS que está virando dia e
noite para tentar salvar vidas, postou um desabafo num dos poucos momentos que
dispõe para se alimentar e repor as energias física e emocional (no meu
entender, pelo tamanho do texto, não deve ter dado muito tempo para ele se
alimentar e repor minimamente suas energias).
Mas trata-se de um desabafo muito lúcido, consistente e coerente:
“Uma coisa é certa, o coronavírus é muito didático. Ele joga duro, mas é
papo reto, na lata. E dá lições sem falar, só causa e consequência. Eis algumas
delas?
Lição 1) Para o mercado, as crises só servem mesmo pra ganhar mais
dinheiro, especulando. É só olhar o preço do álcool gel. Quando a coisa aperta,
até os planos de saúde e os hospitais privados mandam os pacientes pro SUS. Ou
seja, na hora do pega-pra-capar, só se pode esperar alguma coisa mesmo é do
Estado; logo, se você é um desses que quer acabar com o Estado, prepare-se para
ser presa fácil das aves de rapina de sempre.
Lição 2) Numa sociedade integrada, nenhuma bolha é segura. Você pode
morar em condomínio fechado, ter vigilância monitorada, álcool gel em todas as
peças da casa e o escambau, mas se os pobres, que talvez você ache que mereçam
ser pobres, não tiverem uma vida digna -- com acesso à saúde, educação,
cultura, direitos trabalhistas e tudo mais --, eles levarão o vírus até
você.
Pode ficar certo, a empregada que te serve e viaja diariamente naquele
ônibus superlotado, o motoboy do i-Food sem direito à licença saúde que te faz
entregas, ou aquele operário que vai trabalhar mesmo doente porque não pode ter
o salário descontado, pois têm um destes modernos contratos flexíveis de
trabalho sem direitos: eles vão furar a sua bolha e expor a sua miséria também.
E se prestar atenção, talvez você entenda também que a violência urbana que
mata o playboy do asfalto tem origem na mesma desigualdade social de sempre,
que você talvez ache natural.
Ou seja, estamos todos no mesmo barco, e mesmo que você esteja no andar
de cima, se o barco afundar você vai junto. Só a solidariedade salva: ou todos
estão seguros, ou ninguém está.
Lição 3) Pense melhor em quem você elege para cargos executivos. Não
adianta eleger Presidente, Governador, Prefeito fazendo arminha ou combatendo
mamadeira de piroca e kit gay.
Se os caras eleitos não souberem o que fazer lá onde você os colocou,
periga até eles saírem às ruas em plena quarentena pra se aglomerar,
cumprimentar fãs, tirar selfies e ajudar a espalhar o vírus, ou então pra dizer
para a população que não vai dar nada, que se dermos uma banana pro vírus ele
vai embora. Ou até as duas coisas juntas.
Se eles não tiverem competência nem para identificar uma ameaça real,
que dirá para montar uma operação de guerra, amarrando todas as pontas
necessárias para não deixar isto virar uma tragédia maior, de políticas
sanitárias preventivas, passando por um sistema universal integrado e seguro de
saúde para acolher os doentes, até medidas de proteção às empresas e
trabalhadores que serão afetados pela paralisação de muitas atividades.
Lição 4) Quer goste ou não deles, você novamente será salvo por algum
cientista. Você pode até achar bonito combater a ciência, ser negacionista,
terraplanista, antivacinista, militarista, dizer que as instituições públicas
de ensino e pesquisa são aparelhos comunistas, mas na hora da verdade, se tem
alguém que pode salvar a sua vida são os pesquisadores e pesquisadoras de
universidades públicas, da Fiocruz, do Instituto Butantã, de todas aquelas
instituições que têm sido achincalhadas e precarizadas nos últimos anos.
Então, vê se acorda! Mais do que reconhecimento público e aplausos de
apoio aos profissionais de saúde, ele e tod@s nós precisamos de atitudes
corretas.
*Foto: G1.
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