Domingo eu estava no bairro da Brasília, aqui em Garanhuns. Tinha ido
almoçar com minha filha Vitória e passar um pouco da tarde com ela.
Ela divide uma casa, naquela área da cidade, com algumas amigas. Fica
pertinho da UPE, onde Vitória estuda psicologia.
Estava na mesa, na hora do almoço, quando um toque no celular fez com eu
desse uma olhada no aparelho.
Júnior, meu irmão que mora em Capoeiras tinha feito uma nova postagem e
depressa acessei para conferir a foto.
Esperava uma imagem da família, talvez dele com Ranaíse, Yasmin, quem
sabe a neta Helena.
Tomei um susto!
Estampada uma foto de Ubiracir, o Bira, com o título muito objetivo
acima informando que o capoeirense tinha morrido.
Com apenas 41 anos, bonitão, forte, casado e pai de dois filhos, Bira
estava jogando uma partida de futebol com o time de veteranos de Capoeiras e
passou mal. Ainda levaram para o hospital municipal e trouxeram até o Dom
Moura, mas não adiantou. Ubiracir se foi deixando atordoados familiares,
amigos, conhecidos, muita gente de Garanhuns, Capoeiras e de diversas cidades
do agreste meridional.
Tendo trabalhado numa casa lotérica e há anos atuando na loja
Eletropiso, da Avenida Dantas Barreto, o capoeirense tinha diariamente contato
com gente de todas as cidades da região.
Em mesmo, acompanhado da minha esposa, estive na referida loja no final
do ano passado e comprei o material de pintura da minha casa por lá, sendo
atendido pelo “velho conhecido” Ubiracir.
Faz tão pouco tempo isso. E nesta segunda-feira reflito sobre o fato de
Bira não estar mais entre nós, deixando uma lacuna que não poderá ser mais
preenchida, pois cada ser humano é único.
Minhas memórias me levam pra longe, tempos de criança na pequena
Capoeiras.
Neilton, pai de Ubiracir, era um homem brincalhão, bem-humorado, que
jogava futebol e sinuca com os amigos da terrinha.
Morreu aos 39 anos, quando tomou uma injeção contraindicada, pois sofria
de diabetes sem saber.
Anos depois Neide (conhecida como Deinha) e Zezinho, irmãos mais novos
de Neilton, morreram com a mesma idade.
Um fato tão impressionante e raro, que Cleilton, outro irmão, afilhado
de minha mãe, quando chegou aos 39 anos ficou muito mal, parecia que ia morrer
também, vítima da idade fatídica, fato inexplicável, estranho.
Cleilton, que hoje é Dom Hugo, morou em Roma, conviveu com mais de um
papa, é pessoa de prestígio na Igreja Católica, autor de alguns livros e
tradutor de muitas outras obras religiosas. Morou também em Brasília e hoje está em Uberaba, cumprindo a sua missão religiosa.
Está vivo para sentir a dor da perda do sobrinho querido. Uma dor de todos os capoeirense (e muitos
garanhuenses), com a partida inesperada de Ubiracir.
Como sentiu Dona Betinha, que perdeu três filhos relativamente jovens,
todos deixando-a na mesma idade, uma tristeza medonha que ela tratou de
espantar cuidando do seu hotel que tantas pessoas acolheu durante anos e anos
na então pacata Capoeiras.
Há uma frase de Shakespeare, que é citada num dos romances de Machado de
Assis, que trago sempre em minha cabeça: “Há mais mistérios entre o céu e a
terra do que sonha a nossa vã filosofia”.
Outra frase, de Dom Hélder Câmara, me vem à cabeça neste momento: “Não
existe coincidência! ”.
Sim. Há coisas que a gente nunca vai entender, tudo é um grande mistério
e nem a Ciência nem a Religião nos dão respostas pra tudo.
E convenhamos: não dá para acreditar que foi uma simples coincidência
três irmãos jovens, cheios de vida, terem partido abruptamente, cada um no seu
tempo, quando estavam com 39 anos.
Bira estava com 41 e foi se juntar a sua avó, ao seu pai, aos seus tios.
Ficamos nós aqui, atônitos, perplexos, cheio de porquês, como as
crianças de quatro anos e mesmo os adultos, os mais velhos ou experientes
muitas vezes não nos respondem satisfatoriamente.
Já estive duas vezes muito doente. Nas duas ocasiões pensei muito nas
filhas que eram menores de idade, na época, pedi muito a Deus mais um tempo,
para cuidar delas mais alguns anos, sabia que precisavam de mim, assim como os
outros filhos, mesmo adultos e minha companheira de vida.
Ficaram sequelas, não sou mais o mesmo, mas continuo aqui, saboreando o
frio e a chuva de mais um inverno em Garanhuns, escrevendo para alguns que me
leem e atendendo compromissos com patrocinadores que bancam o meu trabalho e
garantem minha sobrevivência, da mulher e dos filhos que ainda não trabalham.
Neste momento de luto dos familiares de Ubiracir, capoeirenses e
garanhuenses, reflito nos versos da paraibana Flávia Wenceslau. Ela celebra o
milagre da vida, tangencia o mistério e nos dá esperança. Acena para a
eternidade, quando fala da “hora de cada
partida pra o novo de novo nascer”...
É assim essa vida, como reza os versos da canção de Flávia, capaz de nos
aliviar a angústia, a dor, num momento desses, em que a sombra da tristeza nos
deixa pensativos e circunspectos, procurando as razões da existência e a
proximidade de Deus.
Essa
vida é um barco forte que nunca
Aporta nem para de seguir
Não se atraca em águas passadas
Mas abraça o que há de vir
Essa vida é assim feito os dias
Onde a luz da manhã não esquece de vir
E em noites de melancolia já nos
Viu chorar só pra fazer sorrir
Aporta nem para de seguir
Não se atraca em águas passadas
Mas abraça o que há de vir
Essa vida é assim feito os dias
Onde a luz da manhã não esquece de vir
E em noites de melancolia já nos
Viu chorar só pra fazer sorrir
A vida é a casa do tempo e o
tempo é da gente viver
A vida é esta criança
Que no tempo ensina e é tão doce aprender
A vida vale todo tempo e o tempo é o milagre de ser
De ser assim maior que a vida e a ela de amor se render
A vida é esta criança
Que no tempo ensina e é tão doce aprender
A vida vale todo tempo e o tempo é o milagre de ser
De ser assim maior que a vida e a ela de amor se render
A vida é assim feito o vento que
nada poderá vender
A vida é assim feito a rocha que quando quer pode ceder
A vida de nossas histórias, de fé, de coragem pra ver
Ver que a vida é a grande vitória de quem decidir por viver
E eu canto, eu canto, eu canto a vida só ela quem pode saber
A hora de cada partida pra o novo de novo nascer
Vida, vida me permita pra sempre eu cantar pra você
Vida, oh vida infinita nos ensina a te amar pra valer
Essa vida... (Eternamente, Flávia Wenceslau).
A vida é assim feito a rocha que quando quer pode ceder
A vida de nossas histórias, de fé, de coragem pra ver
Ver que a vida é a grande vitória de quem decidir por viver
E eu canto, eu canto, eu canto a vida só ela quem pode saber
A hora de cada partida pra o novo de novo nascer
Vida, vida me permita pra sempre eu cantar pra você
Vida, oh vida infinita nos ensina a te amar pra valer
Essa vida... (Eternamente, Flávia Wenceslau).
Roberto Almeida, Garanhuns, 1º de julho de 2019.
Este texto é dedicado à esposa e filhos de Bira, Noemia (mãe de Ubiracir), a Dom Hugo, Nida e Edna e em memória de Dona Betinha, Neilton, Zezinho e Deinha. Que Deus esteja com cada um deles nessas horas de perplexidade.
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