Raul Santos Seixas, o Raulzito,
morreu no dia 21 de agosto de 1989. Seu corpo foi encontrado pela empregada,
Dalva Borges, que telefonou para Marcelo Nova, Jerry Adriani e José Roberto Abrahão, amigos
do artista.
Aconselhada por um deles, Dalva
colocou um espelho próximo às narinas do cantor, que não mais respirava.
Quando Marcelo e Abrahão chegaram,
acompanhados de um médico, a morte foi confirmada e foi dado o atestado de
óbito: Raul morreu aos 44 anos, de pancreatite aguda causada pelo excesso de
bebida alcoólica.
O baiano causou uma revolução da
música brasileira, nos anos 70, emplacou dezenas de sucessos nas rádios, vendeu
milhares de discos em sua época (quando não havia ainda CD, MP-3 e nem
internet), lotou teatros e ginásios com seus shows, virando mito quando nos
deixou precocemente.
Passados 28 anos, é ouvido e cultuado
por diferentes gerações, é um dos cantores brasileiros mais procurados no YouTube
e algumas de suas canções continuam a fazer a cabeça de jovens de todas as
idades. Maçã, Trem das Sete, Tente Outra
Vez, Gitã, Coração Noturno, Água Viva, Segredo da Luz, Maluco Beleza, Cachorro
Urubu, Canto Para a Minha Morte, S.O.S., Metamorfose Ambulante, Novo Aeon...
Saiba mais sobre Raul Seixas lendo o
perfil do artista publicado neste blog, dentro da série, Grandes Nomes da MPB.
O texto passou por algumas atualizações.
O GRITO DE RAUL
No início dos anos 70 os jovens
estavam órfãos da Jovem Guarda. Nas capitais e principalmente nas cidades do
interior se ouvia muito Roberto Carlos, que deixara de ser um mero cantor de
iê-iê-iê - o nome que ser dera ao rock nacional nos anos 60 - passando a gravar
músicas com uma pegada mais românticas e outras de fundo religioso, influenciadas
pelo som gospel norte-americano.
Na década que se iniciava apareceu o
fenômeno Secos e Molhados, de duração efêmera, mas que
possibilitaria o surgimento de um grande intérprete da boa música nacional, o
cantor Ney Matogrosso, que está aí até hoje, em forma, embora já tenha
passado dos 70 anos.
Um grupo que também sobreviveu ao fim
da Jovem Guarda e fez muito sucesso entre 1969 e 1975 foi The Fevers. Se
transformou em “Conjunto de Baile” e virou uma febre na periferia. Emplacou nas paradas músicas cultuadas por
milhares de fãs em todo o País, a exemplo de Hey Girl, Mar
de Rosas, Cândida, Deus, Vem me Ajudar, Ninguém
Vive sem Amor e Marcas do que se foi.
Já tínhamos nomes consolidados na boa
Música Popular Brasileira. Chico Buarque, Elis Regina, Maria Betânia, Gal Costa
e Gilberto Gil eram ícones, não só no Brasil, mas até em muitos países da
América do Sul e Europa. Esses artistas, no entanto - como os cearenses Fagner,
Ednardo e Belchior -, no início faziam música para um público mais exigente,
universitários e setores intelectualizados, ficando à margem grande parte da
população que não conseguia compreendê-los.
Um som fácil era mesmo o de Roberto,
de Fevers e de Luiz Gonzaga, que cantava as coisas do Nordeste, embora durante
determinado período tenha sido valorizado só nas festas juninas e por amantes
dos ritmos autenticamente nordestinos.
Raul Santos Seixas, nascido em
Salvador, Bahia, no ano em que terminou a segunda grande guerra mundial (1945),
teve infância e trajetória de vida que o levaram a ser artista reconhecido sem
estar enquadrado em nenhum dos movimentos da música nacional. Sua grande
influência mesmo foi o rock, era vidrado em Elvis Presley e chegou a fazer versões
do cantor americano.
Com apenas 14 anos fundou um fã clube
do seu ídolo e alguns anos depois, quando a Bossa Nova surgia como um forte
movimente no país, o baiano inventava um tal de “Relâmpagos do Rock”. Criou,
depois, Os Panteras, com quem chegou
a gravar um disco sem obter repercussão nem mesmo em sua cidade.
Filho do engenheiro Raul Varella
Seixas e da dona de casa Maria Eugênia Filho, o menino apaixonado por rock foi
um péssimo estudante. Conseguiu a proeza de repetir pelo menos três vezes a
antiga série do segundo ginasial. Mau aluno, bom leitor de livros, logo cedo se
interessou por filosofia e esoterismo. Havia já no adolescente uma queda pelo
misticismo.
Antes de se tornar conhecido como
cantor e compositor, Raul Seixas era o Raulzito. Com este nome,
trabalhando na CBS, ele foi um produtor de artistas da Jovem Guarda, compondo
músicas para Jerry Adriani, Odair José, Diana, a dupla Leno e Liliam, Ed Wilson
e Renato e seus Blue Caps. Doce Doce Amor, Ainda Queima a
Esperança, Se Ainda Existe Amor (gravada pelo cantor de
brega Balthazar) são algumas das músicas que nasceram da cabeça do baiano.
Em 1972 começa a nascer o Raul Seixas
e a sumir o Raulzito. Incentivado pelo amigo Sérgio Sampaio, cantor e
compositor criativo nascido no Espírito Santo (em Cachoeiro de Itapemirim,
mesma cidade de Roberto Carlos), o então produtor de discos de CBS participou
do Festival Internacional da Canção, da TV Globo. Duas músicas de sua
autoria, Let Me Sing Let Me Sing e Eu Sou Eu Nicuri
Nicuri é o diabo foram classificadas.
Aproveitando esse bom momento, Seixas
lança um dos melhores discos de sua carreira, por incrível que pareça por um
bom tempo desconhecido até mesmo por quem curte a sua obra. “Os 24 Maiores
Sucessos da Era do Rock” foi lançado sem ao menos a menção do seu nome na capa.
Anos depois chegaria novamente ao mercado com um rosto desenhado do artista e
nos anos 90 integraria a coleção de CDs do Maluco Beleza exposta
ao mercado.
O próprio Raul não se achava um bom
cantor e brincava com isso. Em alguns trabalhos realmente ele derrapa feio. Mas
no álbum “Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock”, ele está inspirado e
interpreta com muito talento e charme clássicos como Bernardine, Diana,
Marcianita, Rua Augusta, Pega Ladrão, Only You, Banho de Lua, Oh! Carol e The
Great Pretender.
Parece que Raul Seixas, hoje cultuado
como profeta, santo ou filósofo - quase 30 anos depois de sua morte -, só iria
acontecer mesmo depois do encontro com o mago.
Estamos nos referindo ao escritor Paulo Coelho, que embora seja detonado com frequência
pela crítica, é um dos sujeitos que mais vende livros no mundo.
Tudo indica que o primeiro contato do
cantor nascido em Salvador com o seu futuro parceiro se deu com a leitura de um
artigo intitulado A Pomba, em que o
autor de Brida versa sobre extraterrestres. Os dois se
conheceram, ficaram amigos e começaram a compor juntos. Aí veio a explosão, a
melhor fase de Raul Santos Seixas.
Em 1972, Raul grava uma música
estranha aos ouvidos nacionais, segundo algumas interpretações ironizando com a
ditadura e o chamado milagre econômico dos militares. “Ouro de Tolo”, com
influência do folk americano seria o maior sucesso do rádio brasileiro naquele
ano e o autor dos aparentemente caóticos versos viraria uma celebridade.
"Eu devia estar contente por eu
ter um emprego
Sou o dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês
E devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como
artista
Eu devia estar feliz porque
Eu consegui comprar um corcel 73
E devia estar alegre, satisfeito
Por morar em Ipanema depois de ter
passado fome
Por dois anos, aqui, na cidade
maravilhosa
Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto ou quanto perigosa
Eu devia estar contente por ter
conseguido
Tudo o que eu quis, mas confesso
Abestalhado que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto, e daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado".
Talvez só “Quero que vá tudo pra o
Inferno”, em 1964, tenha tocado tanto nos rádios e atraído tanto a atenção da
mídia nacional quanto a música composta por Raul Seixas. Ele passou a ser capa
de tudo quanto é revista e jornal na época, sendo entrevistado até pelo pessoal
do prestigiado semanário de esquerda O Pasquim.
Depois desse sucesso, ficou fácil
gravar um LP que tivesse repercussão nacional. E foi com o grito de Tarzan, o
herói dos filmes e histórias em quadrinhos, que em 1973 o ex produtor Raulzito
deu às caras num álbum completo e com uma bola seleção musical: Krig-Ha
Bandolo! Traz hits como Al Capone, Cachorro Urubu (com
uma boa versão futura de Zé Geraldo), As Minas do Rei Salomão, A Hora
do Trem Passar, Metamorfose Ambulante e a já citada Ouro
de Tolo.
Um ano depois Seixas e Coelho
(parceiros no disco de 73) lançariam um vinil ainda melhor.
Gitã (música
título), baseado num longo poema sobre um Deus indiano, foi outro mega sucesso
e o álbum traria ainda preciosidades como Trem das Sete, Medo
da Chuva, S.O.S, Super Heróis, Sociedade
Alternativa e Água Viva, esta última,
lindíssima, um plágio descarado de um poema de São João da Cruz, um santo pouco
conhecido da Igreja Católica.
A parceria com Paulo Coelho ainda
renderia um terceiro disco, tão bom quanto os dois anteriores, mas que venceu
apenas 60 mil cópias, contra mais de 600 mil de Gitã. Especialmente
fortes, neste trabalho, são a faixa título, Novo
Aeon, além de Maçã, pregando o amor livre (a música foi também gravada por
Simone), A Verdade sobre a Nostalgia, Eu Sou Egoísta, Tu
És o MDC da Minha Vida e Tente Outra Vez. Esta
última canção se transformaria num verdadeiro hino, amada por diferentes
gerações graças à injeção de otimismo que procura dar nas pessoas.
Veja!
Não diga que a canção
Está perdida
Tenha em fé em Deus
Tenha fé na vida
Tente outra vez!...
Beba! (Beba!)
Pois a água viva
Ainda tá na fonte
(Tente outra vez!)
Você tem dois pés
Para cruzar a ponte
Nada acabou!
Não! Não! Não!...
Oh! Oh! Oh! Oh!
Tente!
Levante sua mão sedenta
E recomece a andar
Não pense
Que a cabeça agüenta
Se você parar
Não! Não! Não!
Não! Não! Não!...
Há uma voz que canta
Uma voz que dança
Uma voz que gira
(Gira!)
Bailando no ar
Uh! Uh! Uh!...
Queira! (Queira!)
Basta ser sincero
E desejar profundo
Você será capaz
De sacudir o mundo
Vai!
Tente outra vez!
Humrum!...
Tente! (Tente!)
E não diga
Que a vitória está perdida
Se é de batalhas
Que se vive a vida
Han!
Tente outra vez!..
A partir daí a carreira do artista
torna-se irregular. Os discos subsequentes não têm a mesma densidade desses
três da parceria com Paulo Coelho. Mesmo assim o disco Há 10 Mil Anos
Atrás, de 1976, encobre o fiasco de Novo Aeon e vende muito bem. O
Dia em que a Terra Parou (mesmo nome de um grande sucesso do cinema)
também é um êxito comercial e traz a música “Maluco Beleza”, que virou um
sinônimo e um símbolo de Raul Santos Seixas. Este ainda teve outros parceiros
ao longo da vida, como Marcelo Nova e uma das mulheres Kika Seixas.
Na década seguinte o seu melhor disco
possivelmente é o de 1983, que traz o sucesso “Carimbador Maluco” e duas
canções memoráveis: “Coração Noturno” e “Segredo da Luz”, as duas com letra e
música que se casam à perfeição, além de belos arranjos.
CAMINHO PARA O FIM
O consumo de drogas (relatado inclusive pelo escritor Fernando Morais
no livro O Mago, biografia de Paulo Coelho) e o vício no álcool
começam a destruir o ídolo. Nos anos 80, apesar de alguns lampejos da
genialidade da década passada, ele já
estava decadente e chegou a fazer shows totalmente embriagado. Morreu moço, com
apenas 44 anos, com o coração debilitado por conta do excesso de bebida
alcoólica.
Depois de sua morte, qual um Cristo,
parece ter ressuscitado, ficado mais vivo. Virou estrela, cult, visionário,
filósofo, predestinado. Seus discos são vendidos como se ainda estivesse entre
nós, as rádios ainda tocam as suas músicas, jovens de 18 anos, que nem estavam
aqui quando ele partiu, se identificam com suas músicas como se tivessem
convivido com ele. Biografias são publicadas, livros procuram analisar o
fenômeno, artistas que explodiram depois, como Zé Ramalho e Zé Geraldo, fazem
tributos a Raul. Até a Revista Caros Amigos, uma publicação de
esquerda, engajada politicamente, lança um número especial sobre Seixas, quando
dos 20 anos de sua morte.
Mesmo tendo tido uma produção
irregular na maior parte de sua carreira, suas melhores criações, seu lado
místico, seu lado libertário transformaram Raul numa lenda. E sua música, forte
nos distantes anos 70, terminou por influenciar centenas de roqueiros, artistas
pop e até a MPB como gênero musical. Raulzito não morreu, encantou-se, virou
estrela, tornou-se como que o grande mistério da Música Popular Brasileira.
*Segredo da Luz não é das músicas mais
conhecidas de Raul Seixas. Nem por isso deixa de ser uma das mais bonitas.
Se você curtir a canção, a partir do link abaixo, sentirá o sabor de coisa
nova, como se tivesse sido composta há pouco tempo. Sinal que o Maluco Beleza vive:
*Fontes de Consulta: O
Mago, de Fernando Morais, Especial da Revista Caros Amigos, Discografia do
Artista e sites biográficos do cantor na internet.
*Foto do cantor reproduzida do YouTube.
ResponderExcluirO VERDADEIRO SIGNIFICADO DE ALGUMAS MÚSICAS DO MALUCO BELEZA:
---MEDO DA CHUVA - além de ser uma das mais belas e poéticas músicas de Raul, trata da escravidão que pode ser uma vida a dois quando se tem uma esposa possessiva e ditatorial. "é pena, que você pense que sou seu escravo... dizendo que sou seu marido e não posso partir...";
---OURO DE TOLO - Crítica severa à sociedade hipócrita, capitalista, materialista e cheia de si. A qual Raul fazia questão de ridicularizar. Nota-se grande semelhança com o estilo folk de Bob Dylan;
--- PARANÓIA - Fala sobre masturbação e o medo de estar cometendo um pecado. "Minha mãe me disse a tempo atrás aonde você for Deus vai atrás... Deus vê sempre tudo o que você faz... Vacilava sempre a ficar nu lá no chuveiro com vergonha... com vergonha de saber que tinha alguém ali comigo vendo fazer tudo o que se faz dentro de um banheiro";
--- AS AVENTURAS DE RAUL SEIXAS NA CIDADE DE THOR - Raul critica o status-quo e fala sobre a necessidade de fazer uma "aliança estratégica" com o sistema (o Monstro Sist) para poder enfrentá-lo. "QUANDO SE QUER ENTRAR NUM BURACO DE RATO DE RATO VOCÊ TEM QUE TRANSAR";
--- QUANDO ACABAR O MALUCO SOU EU - sobre como o mundo pode considerar normal as pessoas se matarem, fazerem tramoias políticas, traírem a si mesmas, guerrearem, culminarem no apocalipse, aceitarem a censura e considerar insanidade ser simplesmente excêntrico e afrontar o sistema;
--- A EXPLICAÇÃO DA MÚSICA GITA - Essa música foi inspirada do livro BHAGAVAD GITA, um livro indiano que na verdade, ninguém sabe quem realmente escreveu, é um dos livros mais antigo da humanidade, como a Bíblia. Bhagavad Gita é para os indianos como é a Bíblia para os cristãos. Esse livro fala da história da revelação do Todo, do absoluto, do que é a vida, do que é DEUS, o que seria a revelação da grande resposta. Quando a música Gita, do RAUL SEIXAS, diz: EU SOU ISSO, EU SOU AQUILO, não está falando do Raul Seixas, de maneira nenhuma, está falando de cada um de nós. Ou seja, do nosso espírito, cada um é a sua própria estrela, luz ou treva, céu ou abismo.
Eu SOU, eu FUI, eu VOU. Eu sou o seu sacrifício, a placa de contra mão...
O sangue no olhar do vampiro...
E as juras de maldição...
Eu sou a vela que ascende...
Eu sou a luz que se apaga...
Eu sou à beira do abismo...
Eu sou o Tudo e o Nada...