CARLOTA JOAQUINA - FILMES INESQUECÍVEIS - 92º

Quando Fernando Collor foi presidente do Brasil o cinema nacional foi à lona. O País das Chanchadas da Atlântida, dos filmes cabeça de Glauber Rocha, da Palma de Ouro em Cannes com “O Pagador de Promessas”, dos pornochanchadas dos anos 70, das promessas dos anos 80, tudo isso como que desapareceu na gestão do alagoano descompromissado com um projeto cultural para a Nação.

Em 1994 uma jovem atriz e cineasta, Carla Camurati, realizou um filme fugindo aos padrões nacionais ou mesmo estrangeiros e contou um período importante da História do Brasil de um modo pra lá de satírico. O longa, lançado ainda na fase difícil da produção cinematográfica nacional, foi um grande sucesso de crítica e de público, marcando o que seria rotulado como a “retomada do cinema brasileiro”.

Carlota Joaquina, Princesa do Brasil”, este o nome do filme de Camurati, possibilitou que cineastas e atores tomassem gosto novamente pela sétima arte no país e após esse êxito comercial muitas outras produções tupiniquins chegaram às salas de exibição do Sudeste, Sul, Centro Oeste, Norte e Nordeste.

Destaque para a boa direção de Carla e o banho de interpretação de Marieta Severo e Marco Nanini, que interpretam respectivamente o rei Dom João VI e a princesa, depois rainha, Carlota Joaquina.

O longa é praticamente um “escracho” e arrasa com personagens históricos de Brasil e Portugal, como Dom João, Carlota e Dom Pedro. Exageros à parte o filme é engraçado e desperta o interesse de jovens estudantes e adultos de todas as idades por saber um pouco mais sobre um determinado período da vida nacional.

Abaixo vou transcrever um artigo de João Luís de Almeida Machado, doutor em educação pela PUC, São Paulo, que escreveu um texto muito bom sobre o filme “Carlota Joaquina”. As impressões do acadêmico a respeito do filme são semelhantes a do jornalista e ele analisou o trabalho de Carla Camurati com muita propriedade, daí termos escolhido sua crítica para ilustrar nossa série Filmes Inesquecíveis.

“Carla Camurati é saudada como a responsável pelo sucesso abre-alas da retomada do cinema nacional depois dos problemas da Era Collor, em que a produção tupiniquim quase pereceu de vez. Jovem cineasta de talento, atriz promissora que se revelou competente em sua carreira, Carla resolveu filmar a história do Brasil, em busca de nossas raízes e acabou escolhendo o período em que a família real portuguesa, acuada pela invasão das tropas napoleônicas, cruzou o Atlântico e se instalou no Brasil.

“História de difícil digestão quando estamos numa sala de aula, o filme de Camurati acabou se transformando num grande sucesso. Reduzida a fatos como a abertura dos portos às nações amigas, aos tratados de comércio e navegação ou a chegada da Missão Francesa, a apresentação do chamado Período Joanino pode ser realmente entediante. Aliás, é necessário que os professores passem a usar recursos como esse filme para dinamizar a aula, gerar maior interesse entre os alunos, fazê-los entender que esses acontecimentos e personagens realmente existiram!

"Como qualquer filme, há várias liberdades tomadas pela diretora e pelos roteiristas, nada que possa comprometer o aproveitamento do recurso ou o desenvolvimento da temática em aula. Basta ter discernimento para apontar as idéias ou princípios que mais lhe interessam para a composição e, estar por dentro do assunto que será possível fazer bom uso desse material.

"A grande crítica que se faz ao filme "Carlota Joaquina" reside no aspecto caricato dos membros da família real portuguesa, principalmente Dom João e a própria Carlota. Dom João é comilão, preguiçoso, influenciável e um governante indeciso (às vezes, irresponsável). Carlota tem um apetite sexual insaciável, tendo passado Dom João para trás várias vezes, o que não lhe causa nenhum tipo de arrependimento ou remorso. Pode-se perceber nessa caracterização uma tentativa de apresentar elementos que nos permitam visualizar em Dom João um retrato da nobreza européia. Em Carlota, podemos entrar em contato com os hábitos dessa nobreza no que se refere aos casamentos e relacionamentos amorosos onde não há vínculos estreitos já que se tratavam de acordos que uniam famílias, posses e poder.

"Outro aspecto interessante a se destacar reside na influência dos ingleses quanto à vinda da família real para o Brasil. Isso normalmente é ressaltado no desenvolvimento das aulas, o personagem de Lorde Strandford serve como referência importante a esse acontecimento e pode fazer com que se desenvolva uma discussão em que se debatam os interesses que moveram a Inglaterra a auxiliar a fuga de Dom João e companhia.

"A chegada a terras brasileiras e a adaptação de lusos ao novo ambiente e de brasileiros aos hábitos dos visitantes ilustres também merece destaque. A necessidade de ceder suas casas aos portugueses, os apertos relativos ao mercado e a pequena oferta de alimentos e demais gêneros (que causavam aumento de preços) foram alguns dos problemas enfrentados pelos brasileiros. O calor, os novos alimentos, a convivência muito estreita com negros e mestiços e os insetos foram dificuldades encontradas pelos portugueses no Brasil.

"Há seqüências que, a princípio, deveriam ser encaradas como trágicas, mas que são hilárias, como no caso da retirada da família real portuguesa da metrópole (que D. Maria, a louca, entendeu como sendo uma fuga) ou a primeira noite do casal João e Carlota, ainda jovens, que quase terminou em tragédia.

"Preste atenção aos hábitos despojados da corte no Brasil que contrastam enormemente com a morbidez dos mesmos personagens quando viviam em Portugal. Infelizmente, Carla Camurati não contou com um orçamento generoso, o que restringiu as possibilidades de uma grande reprodução de época, no entanto, no geral as locações e os figurinos não comprometem a compreensão desse período, pelo contrário, tentam ser fiéis ao que conhecemos de então.

"Se por um lado faltaram dinheiro e recursos materiais, por outro, o elenco colocado à disposição para as filmagens foi de primeira. Especial destaque para Marieta Severo como Carlota e para Marco Nanini como Dom João, eles estão impagáveis e muito seguros em seus papéis. Bem conduzidos, realizaram uma pequena pérola do cinema nacional".

*Filmes nacionais resenhados nesta série:

1. O Pagador de Promessas
2. Vidas Secas
3. Cidade de Deus
4. Central do Brasil
5. Tropa de Elite
6. O Quatrilho
7. Dois Filhos de Francisco
8. Carandiru
9. Pixote - A Lei do Mais Fraco
10. Pra Frente Brasil
11. Eles não usam Black-Tie

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