CLARICE LISPECTOR NA SALA DE AULA


Clarice Lispector escrevia com maestria, foi uma das maiores do Brasil e do mundo.

Não à toa, foi comparada à escritora inglesa Virgínia Woolf.

Ler Clarice é se encher de beleza, é mergulhar na literatura a cada frase, cada parágrafo, cada livro.

Basta o trecho que vamos reproduzir, do conto "Os Desastres de Sofia",  para comprovar o talento da pernambucana nascida na distante Ucrânia.

Nasceu "em trânsito" no país europeu e veio para o Brasil com meses de idade, vivendo no Recife até os 12/14 anos.

"Os Desastres de Sofia" reproduz uma experiência que a própria Clarice teve em sala de aula, na capital pernambucana,  e faz parte do livro "A Legião Estrangeira", publicado na década de 70.

Confira esse primor de texto:

O professor era gordo, grande e silencioso. E eu era atraída por ele. Não amor, mas atraída pelo seu silêncio e pela controlada impaciência que ele tinha em nos ensinar. Passei a me comportar mal na sala.

Qualquer que tivesse sido o seu trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de profissão, e passara pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo o que sabíamos dele.

O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros contraídos. Em vez de nó na garganta, tinha ombros contraídos. Usava paletó curto demais, óculos sem aro, com um fio de ouro encimando o nariz grosso e romano. E eu era atraída por ele. 

Não amor, mas atraída pelo seu silêncio e pela controlada impaciência que ele tinha em nos ensinar e que, ofendida, eu adivinhara. Passei a me comportar mal na sala. Falava muito alto, mexia com os colegas, interrompia a lição com piadinhas, até que ele dizia, vermelho:

— Cale-se ou expulso a senhora da sala.

Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me mandar! Ele não mandava, senão estaria me obedecendo. Mas eu o exasperava tanto que se tornara doloroso para mim ser o objeto do ódio daquele homem que de certo modo eu amava. Não o amava como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criança que tenta desastradamente proteger um adulto, com a cólera de quem ainda não foi covarde e vê um homem forte de ombros tão curvos. Ele me irritava. De noite, antes de dormir, ele me irritava. Eu tinha nove anos e pouco, dura idade como o talo não quebrado de uma begônia.

*Ilustração: Fantástica Cultural

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