Por Cláudio Gonçalves
Depois
de entrevistar os escritores Nivaldo Tenório, Antônio Vilela, Ivonete Xavier,
Feliciano Ramos, Edilene Cordelista, Wagner Marques, João Marques, Ígor
Cardoso, e Gonzaga de Garanhuns, o professor Cláudio Gonçalves continua sua série
denominada “dois dedos de prosa” com o historiador e pesquisador da saga cangaceira,
o escritor Junior Almeida, que tem se destacado entre os principais estudiosos
e escritores do tema, com publicações que abordam a trajetória do Rei do
Cangaço e outros importantes personagens do cangaço que atuaram no cenário do
agreste pernambucano. Nessa entrevista conheceremos um pouco da sua trajetória
literária, o amor pelos temas nordestinos, suas obras publicadas e detalhes da
vida desse pesquisador que queima
alpercata para trazer aos estudiosos
e leitores o fascinante mundo de cangaceiros, volantes e coronéis.
1) Conte-nos
um pouco da sua história: as suas origens, família e infância.
Meu
pai Euclides Almeida chegou a Capoeiras em 1934, vindo do Distrito de Mulungu,
hoje pertencente a Sanharó, mas na época, São Bento do Una. Era o mais velho de
dez irmãos e veio trabalhar para o potentado João Borrego. Minha mãe é
capoeirense. Só teve um irmão, que fez a vida em São Paulo. Eu sou o caçula de
cinco irmãos. Quando nasci, na então Casa de Saúde NS do Perpétuo Socorro, em
novembro de 1972, meus dois irmãos mais velhos, Eduardo e Aurélio, já moravam e
estudavam em Recife. Como a maioria dos meninos das cidades pequenas do
interior eu brinquei muito de coisas que faziam suar (na minha infância não
existia internet nem celular), fiz “artes” de menino levado, fui a festas,
muitas festas... Casei com 19 anos e, hoje com 28 de casado, sou pai de um
“menino” de quase 27, Euclides Netto, o Nettinho, e uma menina de 16, Yasmim,
além de ser avô de Helena, meu xodó, que ainda vai fazer 2 anos.
2) Como
ocorreu o seu primeiro contato com o mundo da literatura?
Meu
terceiro irmão, Roberto, é jornalista, e desde pequeno foi um devorador de
livros. Lógico que eu como criança não ia ler as obras que ele lia, então ele
me incentivava ler gibis. Sempre tinha em casa Turma da Mônica, Disney,
Fantasma, Mandrake, Tex, Ken Parker...
Uma
passagem engraçada de quando eu era moleque, em relação à leitura, foi que o
programa Sítio do Pica Pau Amarelo, da Rede Globo, apresentou episódios com o
personagem Dom Quixote, que era o Visconde de Sabugosa. Em casa tinha o livro
de Cervantes, capa dura, bonitão, e tal, então, comecei a ler e não gostei.
Óbvio. Não era leitura pra minha idade. O primeiro livro que lembro bem, a
minha apresentação à literatura, foi “O Mistério do Cinco Estrelas”, de Marcos
Rey. Li como trabalho das aulas de literatura do Colégio XV. Adorei, viajei pelas
palavras até São Paulo e sofri com o enredo do autor.
3) Como
surgiu o seu interesse pelo cangaço e quando decidiu escrever o seu primeiro
livro “A Volta do Rei do Cangaço”?
Mesmo
com toda aculturação promovida pela mídia, a cultura nordestina é muito forte.
Forró, o cordel, violeiro, embolador, cangaço... Quantos meninos do interior,
assim como eu, nunca se empolgaram com histórias de valentia e de frouxura, nas
voltas de Lampião? Cresci ouvindo essas coisas, então, a partir de 2010/11,
comecei me aprofundar no tema. Em 2009 tinha sido lançado o filme “Bastardos
Inglórios”, onde Quentin Tarantino “mudou” o final da Segunda Guerra, matando
Hitler num cinema. Então pensei: se o cara mudou o enredo de um evento tão
grandioso como uma guerra, por que não posso “mudar” a história de fatos
menores, como o cangaço? Começou assim, como uma brincadeira, que fui colocando
no papel, mas sempre pesquisando para que o enredo ficasse bem elaborado.
4) O
seu primeiro lançamento foi o Livro “A Volta do Rei do Cangaço”, uma narrativa
romanceada e ficcional. Qual a repercussão dessa obra entre os estudiosos e
leitores desse fenômeno nordestino?
O
meu primeiro contato com estudiosos do cangaço foi em Princesa Isabel, na
Paraíba, em março de 2015. Lá estava reunida a nata da temática, além de
parentes de grandes nomes da história nordestina, como por exemplo, Geraldo
Ferraz, neto de Theophanes Ferraz, o homem que prendeu o cangaceiro Antônio
Silvino e também envolvidos na Hecatombe de Garanhuns, a doce Lili, filha do
sanguinário Moreno, do bando de Lampião, além dos descendentes do Coronel José
Pereira, homem que sacudiu o Nordeste, em 1930. Timidamente fui interagindo com
essas pessoas, e explicando o meu tipo de trabalho. Mesmo não sendo
apreciadores de romances, muitos adquiriam a obra, e depois, pelas redes
sociais procurei saber a opinião deles. Ouvi de experientes pesquisadores que “meu
trabalho era diferente, honesto, por deixar claro que se tratava de uma ficção”
e principalmente que “daria um ótimo roteiro de filme de ação”. Claro que
adorei.
5) Nesse
primeiro lançamento você recebeu uma menção honrosa no I Prêmio Pernambuco de
Literatura promovido pela Secretaria de Cultura do Estado. Como foi esse
momento para um escritor estreante?
Fique
surpreso e, claro, bastante feliz em ter recebido essa menção honrosa. Pra mim,
um “marinheiro de primeira viagem”, concorrer com aproximadamente 500 obras, e
alguém do ramo (os julgadores) dizer “sua obra merece ser lida”, foi mesmo que
ter conquistado o primeiro lugar. Quando mandei o livro para Recife, ainda no Word, e impresso por mim, reconheço que
ainda carecia de correções, então, imagino que se as tivesse feito, talvez essa
“bola na trave” se transformasse num gol.
6) Em
2018 você lançou mais uma obra sobre o Cangaço: “Lampião, O Cangaço e Outros
Fatos no Agreste Pernambucano”. Como foi o processo de criação dessa obra? O que ela trouxe de novas revelações para o
estudo do Cangaço?
Como
disse antes, comecei a pesquisar para o meu primeiro livro em 2010/2011 e a
partir dos seminários denominados Cariri Cangaço, em 2015, Princesa, na
Paraíba, e Piranhas, em Alagoas, cidade onde foi tirada a famosa foto das
cabeças dos cangaceiros numa escadaria, fui adquirindo livros e mais livros
sobre temáticas nordestinas, em especial sobre cangaço. Quando lia alguma coisa
da nossa região eu fazia anotações e algumas delas eu percebia que a história não
era como eu conhecia e outras, com informações incompletas, então, percebi que
o Agreste Meridional ainda tem muita história pra contar sob várias óticas,
também do cangaço. Nessa obra eu mostro que o Agreste foi o porto seguro de
alguns protagonistas da saga cangaceira, que deixaram para trás o Sertão, epicentro
de velhas rixas. Coronel João Nunes, que foi comandante máximo da corporação é
de Águas Belas, onde foi prefeito, além de também ter exercido o mesmo cargo em
Canhotinho e Garanhuns, Muniz de Farias foi outro oficial que chegou a comandar
a hoje PMPE, que se refugiou em Canhotinho, assim como o Capitão José Caetano,
um dos maiores perseguidores de cangaceiros de que se têm notícias, valentia
reconhecida até por que foi seu inimigo. O velho volante passou seus últimos
dias de vida na pacata Angelim, além do homem “que deu cabo de Lampião”, coronel
João Bezerra, o qual residiu e faleceu em
Garanhuns. No livro trago o depoimento de Paulo Britto, seu filho, de como era
a vida da família aqui na terra de Simoa.
7) Um
pesquisador do Cangaço percorre vários estados em busca de informações para
resgatar fatos e personagens. Fale-nos um pouco com faz para encontrar
personagens e colher os seus depoimentos.
Em
nosso meio usamos a expressão “queimar alpercata”, que é andar em busca de
informações. Trabalhando para o meu livro sobre o cangaço na região, certa vez
eu viajei 200 quilômetros para tirar a foto de um túmulo e ouvir um senhor de
quase noventa anos, depoimento esse e foto que não foram para o livro, pois precisava
de mais elementos que comprovassem tal informação. Pois bem, isso acontece. Se
fosse fácil não teria graça. Geralmente as pessoas não sabem por completo de
determinado fato, mas sabem de alguém que pode saber. E assim vai, é ter
paciência para pegar o fio da meada, mas mesmo quando sigo um caminho que acho
que está correto, é minha obrigação confrontar versões, passar numa espécie de
peneira, e tudo dando certo, é como se tivesse encontrado o lugar de uma
pecinha de um quebra cabeça de dez mil peças. É muito gratificante.
8) Teve
alguma entrevista que lhe marcou na sua extensa trajetória de pesquisas?
Não
foi bem uma entrevista, mas sim um depoimento para todos os presentes. Em julho
de 2015 estávamos participando do Cariri Cangaço de Piranhas e, em visita
técnica à Fazenda Patos, local da suposta vingança de Corisco, que chacinou em
2 de agosto de 1938 a inocente família Ventura, dizendo “estar vingando o
compadre Lampião”. O ex-prefeito da “Lapinha do Sertão”, Celso Rodrigues,
discorreu como ocorreu a barbárie. Enquanto “Seu” Celso falava, o silêncio era
ensurdecedor. Muitos choraram, inclusive eu. É diferente você ler e você
conhecer o local do fato, além de ouvir de uma pessoa que teve parentes com envolvimento
naquele fato. O local é triste, o clima pesado. Seis inocentes morreram por
conta de uma mentira. Esse fato me emocionou e marcou.
9) Que
personagens lhe fascinam no universo do Cangaço?
O
maior de todos os cangaceiros: Lampião. Não quero dizer com isso que ele é meu
herói, longe disso, mas o cabra era
um gênio em tudo que fazia, era um verdadeiro general das caatingas. Técnicas
de sobrevivência na caatinga usadas hoje pelas polícias nordestinas, já eram
usadas por Virgulino há cem anos. Hoje em dia, prestes a completar 82 anos de
sua morte, Lampião é uma marca poderosa, que vende desde livros (é o brasileiro
mais biografado que existe), chapéus, camisetas, chinelos, chaveiros, e uma infinidade
de produtos. Têm pessoas que estudam Hitler, Napoleão, Domingos Jorge Velho,
Lenin, dentre outros personagens que não foram bem exemplos de pacifistas, eu
como nordestino orgulhoso que sou, optei por buscar nossas raízes, com temas
bem nossos, e cangaço é um deles.
10) Várias
obras sobre o Cangaço já foram publicadas. Você considera que esse fato histórico
ainda é um tema inesgotável?
Parece
que ainda se tem muito que saber. No Sertão, por exemplo, mesmo com tantas
obras, com tudo que já se falou sobre o tema, vez por outra aparece uma
novidade. Também não deixam de aparecer certas invencionices, que tentam vender
fantasias por verdade. Já foi publicada uma obra em que dizia que Virgulino
Ferreira era gay, outra que ele não tinha sido morto em Angico e sim morrido de
velhice em Minas Gerais, recentemente lançaram um livro que diz que o Rei do
Cangaço morreu de velho em Alagoas, e assim vai. Como em tudo, existe o que
presta e o que não presta, cabe a nós leitores, discernir o que nos serve ou
não.
11) Você
escreve um pouco todos os dias ou em período concentrados? Existe uma meta
diária de escrita e hábitos que precedem sua produção?
Escrever
pra mim é uma terapia. Eu me satisfaço fazendo o que gosto. Todo dia eu
escrevo, seja em minhas redes sociais, seja em blogs, como por exemplo, o de
Roberto Almeida, meu irmão, em grupos de temas nordestinos. Tem dias que tenho
inspiração para escrever uma enciclopédia, mas há outros que não sai nada,
então, não forço. As ideias surgem do nada. Vêm como um vento, um estalo.
12) Atualmente
você participa de algumas instituições do Cangaço?
Sou
membro do conselho “Alcino Alves Costa”, do Instituto Cariri Cangaço do Brasil,
com sede em Fortaleza, instituição que reúne os maiores nomes de temáticas
nordestinas como coronelismo, messianismo, cangaço e afins, e sou um dos 27
fundadores da ABLAC – Academia Brasileira de Letras e Artes do Cangaço, com
sede em Aracaju, ocupando a cadeira número 9, que tem como patrono o escritor
Rui Facó. A academia era um sonho antigo de renomados estudiosos. Através de
seus membros, ela já nasceu grande, com aproximadamente 300 livros publicados.
13) Analisando
a sua trajetória como pesquisador e historiador do Cangaço, você ainda pretende
publicar novos trabalhos sobre essa temática?
Sim.
Atualmente tenho no prelo outra ficção onde “brinco” com a história, além de
estar trabalhando na segunda edição de “Lampião, o Cangaço e Outros Fatos no
Agreste Pernambucano”. Leio sobre tudo e escrevo sobre diversos assuntos, mas o
tema cangaço, é minha paixão, é a “minha praia”.
14) Como
você definiria o seu estilo literário?
Sou
muito detalhista. Gosto que meu leitor imagine os locais e cenas que eu
descrevo. Certa vez um professor universitário me disse: “escrever bem é
escrever simples, vide Guimarães Rosa”. Lógico que gostei de ouvir isso, mas
não ouso me comparar com um gigante da nossa literatura. Gosto muito de Dan
Braw (nada haver com Nordeste), de como ele descreve suas cenas, de como
envolve o leitor com seu enredo, então, guardadas as devidas proporções, é
lógico, temos um estilo semelhante.
15) Você
ainda pretende escrever outro romance?
Sim,
vários, se o bom Deus assim me permitir.Deixar a imaginação fluir, escrever sem
o compromisso da verdade (no bom sentido) é maravilhoso.
16) Que
momento de sua trajetória literária o escritor Junior escolheria como o mais
marcante?
Em
2015 eu fui lançar meu primeiro trabalho na Bienal do Livro, no Centro de
Convenções em Olinda. Lá, além de estandes com milhares de obras, havia um
bocado de feras da arte literária, e eu, um matutinho atrevido, no meio dessas
feras. Marcou.
17) O
seu mais recente lançamento foi o livro, Capoeiras: Pessoas, Histórias e
Causos. Como surgiu a ideia de homenagear a Terra da Grande Feira de Gado?
Cobrança,
um puxão de orelha bem dado. No meu primeiro trabalho, parte do enredo de
ficção se passa na terrinha, no segundo, de pesquisa histórica, tem um capítulo
de nome Capoeiras, onde discorro sobre a morte do célebre cangaceiro André
Tripa, isso lá no distante 1904, mas era cobrado por amigos de quando
publicaria um livro só com as coisas de Capoeiras. Veio agora, em 2020.
De
início o nome do livro seria “Os Causos da Minha Terra”, onde contaria só as
passagens engraçadas de Capoeiras. Alguns textos eu postei no meu Facebook e à medida que as pessoas iam
lendo, entravam em contato para me contar outras histórias, nem sempre
engraçadas. Percebi com isso, que certas narrativas mereceriam registro, e
assim eu fiz.
18)
Quais os planos literários para o futuro? Já está trabalhando uma nova obra?
Sim,
em algumas. Além de textos pequenos com causos, que dão mais três volumes de
“Capoeiras: Pessoas, Histórias e Causos”, tenho uma obra de ficção, onde
misturo realidade com fantasia, que já passa de 200 páginas escritas. Outro trabalho
sobre o Padre Cícero e outro livro que quero dar de presente ao meu Padroeiro e
ao município que moro, esse com data marcada de entrega: março de 2026, e que
terá o seguinte título: “50 Anos da Paróquia de São José de Capoeiras”.
19) Agradeço
pela entrevista e peço-lhe que deixe uma mensagem para os seus leitores e
admiradores.
Eu
que agradeço. Sou apaixonado pelo Nordeste, admirador de sua cultura, do seu
povo e de suas tradições. Problemas, lógico que temos, mas o que me deixa
possesso é ver alguém, até mesmo nordestinos, menosprezar seus conterrâneos ou
mesmo falar mal da “minha” terra, então, acredito que mesmo modestamente posso
contribuir para que algumas visões estereotipadas que se têm de nós possam ser
mudadas. Juntos, eu, você, mas outro que escreve, mais outro que faz música,
que faz rádio, televisão, aos poucos podemos mudar isso. Sempre com respeito e
humildade. Aliás, humildade é tudo, em todas as áreas. Obrigado a todos.
Parabéns admiro seu trabalho ainda não tenho o último livro publicado mais logo logo vou estar aí e quero o meu um abraço e desejo muito sucesso
ResponderExcluirParabéns pala bela entrevista. Esclarecedora e repleta de referências literárias, além da revelação de um jovem escritor e talentoso narrador.
ResponderExcluirSaber narrar é um dom, uma característica da arte literária. O nosso colega Junior Almeida vem se revelando como um excelente narrador. Expedito Leandro