“Perdi as vezes de quando
entravam na sala, nem ao menos davam ‘bom dia’, só diziam que queriam falar com
o juiz. Às vezes eu era ríspida. Outras, virava a cadeira e dizia: ‘Bom dia, eu
sou a juíza’”. Quem conta essa história é Mariana Marinho Machado. Segundo ela,
chegar a um cargo de tanta autoridade sendo mulher, negra e jovem parece que
“confunde” as pessoas – mas, na realidade, escancara um preconceito que tanta
gente teima em dizer que não existe.
Aos 35 anos, Mariana é responsável pela comarca de Itainópolis (a 365
quilômetros de Teresina), que atende também os municípios de Vera Mendes e
Isaías Coelho. Natural da Bahia, Mariana já exerceu a magistratura no Pará e
está no Piauí há sete anos. Tem 2 mil processos distribuídos e finalizou,
somente em 2019, 980 processos.
“Hoje,
as pessoas já me conhecem na comarca. Já estou aqui há dois anos e, então,
essas situações são mais raras”, pondera. Mas a discriminação por seu biotipo
físico sempre aconteceu. Ela conta que, desde pequena, ouvia comentários indesejáveis
na escola. Porém, foi depois que passou no concurso para magistratura que
percebeu o preconceito mais presente.
“Sempre passei por situações como alguém falar do meu cabelo na escola. Era
bullying, mas não tinha esse nome. Mas senti mais o preconceito quando entrei
na magistratura, porque é um lugar de autoridade”, explica. “Várias vezes,
quando me viam trabalhando pensavam que eu era assessora. Quando fui
professora, também senti os olhares. Na primeira vez que entrei numa sala de
aula, as pessoas me olharam diferente. É tão institucional que as pessoas se
assustam vendo uma mulher, negra, nova, juíza.”
Mariana
passou no concurso aos 27 anos, sem cotas. Mas defende o sistema para
oportunizar a entrada de negros no serviço público. “Meus pais são negros.
Sempre tivemos muito orgulho da nossa raça. Eu e meus irmãos estudamos em
colégios bons. Quando fiz concurso, não tinha cotas. Mas hoje vejo que é
necessário. Os negros são maioria no Brasil, mas são minoria em cargos
públicos. Na magistratura, somos apenas 1,6%”, ressalta.
Para a juíza, o maior problema no combate ao preconceito é não aceitar que ele
existe. “Quando você entra numa loja, as pessoas não vão para você. As
vendedoras de lojas chiques não são negras. É assim que acontece”, resume.
No
dia a dia, Mariana opta por uma vida mais resguardada, evita muita exposição,
mas não abre mão de reagir a situações de discriminação.“Em casos de racismo e
injúria racial, com certeza dou voz de prisão, mas nunca precisei chegar a
isso. Uma vez, uma pessoa que trabalha comigo foi xingada e acredito que a
pessoa queria atingir a mim. Falei que isso geraria processo e fui atrás. Já
julguei vários casos de racismo e injúria racial – vários”, destaca.
Especificamente com ela, a juíza lembra a vez em que questionaram sua
capacidade de julgamento. “Um advogado começou a se exaltar e disse: ‘Não sei
se a senhora teria capacidade para julgar’”, recorda-se. “Mas não sou de perder
a cabeça, até para ninguém dizer que não tenho imparcialidade. Só disse:
‘Doutor, o sr. não quer retificar o que disse?’. Um amigo dele deu um toque e
ele se acalmou, voltou atrás”, conta.
Por
casos como esses, Mariana sempre atende às pessoas na presença de alguém, nunca
sozinha. “Nós, magistrados, sempre estamos no olho do furacão. Se faço qualquer
coisa, até fora de casa, não é a Mariana, é a juíza. Então, me preservar é uma
questão de segurança. No Piauí, além do racismo, há também muito machismo – e
isso é refletido nos feminicídios. Aqui na cidade, chega um homem juiz, vai
para academia e é normal. Chega uma magistrada, vai para academia é porque quer
se mostrar”, compara.
“Às vezes ouço: ‘A senhora é tão nova e vem sozinha para o Piauí. Como seu
marido deixa?’ Como é que pode? Meu marido tem que deixar eu vir trabalhar?
Isso não existe”, indigna-se. Apesar de todos os desafios enfrentados, Mariana
Marinho não tem do que se queixar da vida que leva.
“As
pessoas já se acostumaram comigo e me tratam muito bem. Fico lisonjeada com o
reconhecimento, o respeito e o carinho. Fiquei 12 dias afastada cuidando do meu
pai e, quando cheguei, ganhei um bilhetinho: ‘Que bom que a senhora voltou’”,
conta. “As pessoas me perguntam como aguento ficar no interior. É por todo
carinho que recebo. Só peço muita saúde para conseguir fazer meu trabalho.
Quando vou a uma escola e as crianças me veem, elas se sentem representadas.
Isso é gratificante. Elas sabem que também podem chegar lá!”
*Fonte: https://vermelho.org.br/
Que mimimi!!!
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