Li, com muito gosto
e interesse, o novo livro do prof. Luciano Oliveira; "O Aquário e o
Samurai", sobre a trajetória pessoal, intelectual e política de Michel
Foucault - também conhecido como "o Nietzsche calvo de Saint German de
pré". A obra é um esforço notável (em suas 154 páginas) de divulgação
crítica da caminhada empírica e epstemologica de uma dos pensadores franceses
mais influentes no século XX, dentro e fora da França. Foucault tem no Brasil
uma verdadeira legião de adoradores, uma espécie de "tribo
foucauldina" na academia e nos movimentos sociais. Sorvi-o quase de um só
gole, como aliás fiz com outros livros de Oliveira: Os direitos humanos.
Do Eterno retorno ao nunca mais, a vergonha do carrasco, o enigma da
democracia, a esquerda e os direitos humanos etc. Seu estilo literário se
compara ao do ensaísta Leandro Konder, na divulgação de autores e obras
difíceis. Sendo superior pela rica e variada intertextualidade ou
intersemiose com outras linguagens (musica, cinema, literatura) O
seu humor e ironia tornam a prosa mais leve se divertida. E sua irreverência
intelectual diante dos ídolos, é extremamente salutar. Parece um nietzschiano
ou um voltariano diante da ciência ou da filosofia. Ou um cética metodológico.
Em se tratando de um pensador tão influente como Michel Foucault, esta atitude
tende a ser muito importante.
Oliveira divide a
obra do autor em tres fases: a fase epstemica-arqueológica, a fase genealógica
e a fase tardia da hermenêutica do sujeito. Ele faz remontar o início da
segunda ainda à primeira, com o famoso livro livro A história da loucura,
na época clássica. E não considera a biopolítica e o biopoder, como uma nova
fase depois da sociedade disciplinar. Talvez, como fase extensiva ou
complementar a esta última, já que ela aparece mencionada na Microfísica do
Poder e no primeiro volume da História da Sexualidade. A fase genealógica é a
que merece mais sua atenção.
Gostaria de fazer
aqui algumas observações. A influencia reconhecida por ele de Nietzsche sobre
seu pensamento. E a última fase, que - para alguns - não seria a hermenêutica do sujeito. Mas a biopolítica e o biopoder. Sobre Nietzsche, a pouca atenção
dada à herança retórica, neo nominalista e relativista do filósofo alemão, presente
sobretudo em seu conceito dee "discurso", como uma espécie de
infra-estrutura substutiva (algo já presente nas famosas "epistemes"
de As palavras e as Coisas. De modo semelhante, a influência darwinista
na biologização das relações de poder, tal como aparece no livro: A genealogia
da Moral. Creio que ambos os aspectos guardam ou trazem sérias implicações para
a compreensão da política , da moral e do conhecimento humanos.
Segundo,a não
conexão atual e contemporânea entre o conceito (nietzschiano) de biopoder e o
neoliberalismo triunfante, como forma de governabilidade social. A tese aparece
com destaque nos últimos trabalhos de Foucault e foi usada por dois autores
franceses, no livro: A nova razão do mundo. Os livros do autor estudado
chegam a sser citados por Luciano, mas não estudados nessa perspectiva
teórica e política. Senti falta, também, de um maior aprofundamento na
hermeneutica do sujeito ou estilística da existencia, mais ainda do uso
canhestro que é feito pela historiografia brasileira desse conceito na história
da escravidão africana no Brasil, por autores como: Silvia Lara e Bob Slenes na
UNICAMP. Considero uma"forçação de barra", como ele criticou
apropriadamente em seu livro, tratan do-se outras transposições inadequadas da
obra de Foucault para o contexto brasileiro. Os nossos foucaudianos tupiniquins
não aceitam essa fase da estilística da existência. Ficam só com as outras duas:
a fase arqueológica e , sobretudo, a genealógica.
É perfeitamente
compreensível a ênfase de Oliveira na fase genealógica (Vigiar e Punir, o
Nascimento da Clínica, Vontade de Saber), mais historicizada e sujeita ao
critério empírico da prova ou dos fatos. E portanto sujeita ao critério
popperiano da falsificação. Mas é em razão de seus estudos sobre a violência e
os direitos humanos que talvez a obra de Foucault passou ser importante
para ele.
Mas é igualmente
importante ver as implicações macro históricas, éticas e políticas extraídas da
obra do autor francês pela esquerda libertária ultra-gauchista. Isto porque
elas são muito sérias e merecem igual atenção. Acredito que sua interessante
distinção entre o sujeito empírico e o sujeito epistemológica (a propósito do
aparente paradoxo entre o niilista e o militante dos direitos humanos) não é
suficiente para dar conta das implicações problemáticas de certas passagens da
obra, por mais benevolentes e simpáticas que sejam as críticas de Luciano
Oliveira a Michel Foucault.
É digna de elogio a
postura crítica do livro, incluindo vastas passagens da bibliografia de
analistas e biógrafos do filósofo francês, mas eu teria dado bem mais realce a hermenêutica do sujeito e suas consequências éticas e políticas para o
uso contemporâneo de sua obra no mundo e no Brasil. Faz muito tempo que
Foucault deixou de ser visto como um dos pensadores estruturalistas francês.
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