Por Michel Zaidan Filho*
Há cinco anos ,
tive a grata oportunidade de participar do exame de uma tese de doutorado em
filosofia, na UFPE, de autoria de um talentoso e inspirado professor da
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, Francisco Ramos Neves, sobre
"A Metafísica do Presente (l)". A tese, eivada de um tom
poético-literário, na linha da razão sensível de Schiller, Kant, Marcuse
e Benjamin(2) procurava desenvolver uma proposta lançada pelo filosofo judeu
sobre a necessidade de alargar o conceito de experiência para além de um
estreita compreensão físico-matematica, que abrangesse o âmbito dos
sentimentos, valores e emoções (3).
Esta proposta
-ligada a vivência nietzschiana do jovem Benjamin,(4) chamou-me a atenção p ara
um conceito de tempo, experiência e linguagem que um estudioso
benjaminiano brasileiro denominou de "transtemporalidade" (5)
ou, para usar o vocabulário nietzschiano, "atualização". Uma
fusão de horizontes temporais, onde presente se projeta sobre o passado e o passado
se realiza no presente. O conceito alemão fala em "Jetzeit",
tempo do agora, ou o agora da recognocibilidade. Dizia o filósofo, o trabalho
do pensador é salvar o passado, antes que ele seja apagado da memória das
gerações seguintes pela enésima vez. 0 que impõe ao estudioso da Filosofia o
desafio de atualizar nos dias de hoje as utopias e sonhos das gerações passadas
, sob o risco sermos cúmplices da barbárie do momento presente. (6)
0 conceito de
transtemporalidade, que carrega tinturas proustianas(7) rompe com aquilo
que o nosso pensador chamou de conceito homogêneo e vazio do tempo, para
instaurar uma nova temporalidade na história da humanidade. Um conceito
messiânico de tempo, que olha para trás e se indigna com o sofrimento dos
antepassados e se incumbe de carregar as suas esperanças para realiza-las no
tempo do agora -" Jetzeit". Naturalmente esse exercício de citação,
remissão ao passado tem algo de destrutivo, de iconoclasta, de revirar pelo
contrário a história, para lhe dar outro fim, outro significado.
2. Com isto, estamos falando de
signos ou sinais que chamamos de alegóricos. A alegoria é a linguagem da
ressurreição. Utiliza os cacos, os fragmentos e restos da linguagem corriqueira
para comunicar o conteúdo destoante da Ordem Dominante.A alegoria é uma
criptografia da libertação. Transmite conteúdos censurados, proibidos
pelos guardiões da moralidade, do direito e da lei. Nem todos estão à altura de
sua inteligibilidade. Só os novos "bárbaros" (8) podem interpreta-la.
A eles se destina seu conteúdo iconoclasta. Ler tudo pelo avesso, de ponta
cabeça. Este é o regime de leitura da linguagem alegórica. Que só é permissível
aos que não se conformam com o atual estado de coisas reinante.
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3. Mas este regime de leitura
(alegórica) está associado a um outro tipo de A atividade mimética,
agora não mais como mera reprodução do real, representação do mundo, Aqui
nos despedimos de uma compreensão estreita do realismo aristotélico, para
associar a mímesis às virtualidades da realidade, ao seu
vir-a-ser, às suas possibilidades de ser. Como diria Ernest Bloch o "não
ainda", mas que está contido no ser, como potência de ser.( 10) A mímesis
dos nossos jovens e futuros pensadores não pode se comprometer em ser uma
mera racionalização da daquilo que é, mas uma subversão consciente,pelo
pensamento mimético, daquilo que pode vir a ser. Não compreender as
virtualidades que esta maneira de ver o conceito, contidas no modo de ser seria
correr o alto risco de uma racionalização das relações de forças existentes , e
de conceber o mundo como obra feita, conclusa, não passível de mudança ou
transformação . Ora, o trabalho do filósofo é questionar o atual equilíbrio de
forças existente e criar, pelo pensamento, um novo equilíbrio, num movimento
sem fim.. Esta é a "mímesis" que se coaduna com uma "metafísica
do presente", para se contrapor ao filisteísmo das nossas universidades,
submetidas a uma modalidade de taylorismo intelectual, pouco preocupado com o
caráter social e coletivo do saber. Saber retórico, diria o filósofo do
martelo, sem nenhuma utilidade para a vida.
Escrevo essas palavras ante o
irracionalismo e o rancor dos dirigentes educacionais do País em relação às
humanidades e,à filosofia em particular. Vamos incumbir os nossos jovens de
manter acesa a chama do pensamento autotransformador diante de um conceito tão
mesquinho de "experiência".
Notas
(*) Estas reflexões surgiram de uma palestra para professores num curso de EAD, ministrado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, intitulada "Arte, História e Filosofia", no ano de 2017.
(1) A tese de Doutorado em Filosofia, de autoria do professor Francisco Ramos Neves, foi defendida no programa inter institucional de Pós-graduação, na Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação do saudoso professor Juan.
(2) Autores alemães que desenvolveram uma linha de reflexão filosófica, próxima de um conceito de razão sensível, na linha de Nietzsche, Bergson, Merleau-Ponty etc. Sua origem é o romantismo alemão. Suas grandes expressões são Kant e Schiller. Contemporaneamente, Walter Benjamin e Marcuse.
(3) Walter Benjamin. Prolegômenos a uma nova filosofia vindoura da experiência.
(4) Cf. Kothe, Flavio. Para ler Benjamin." História e alegoria". Rio de janeiro, Francisco Alves. Também FOUCAULT, m. a Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal.
(5) Cf. Benjamin. W. "As teses sobre a filosofia da História". Arte, magia e Técnica. São Paulo, Brasiliense, 1985.
(6)Cf. Zaidan, Michel para as implicações historiográficas e filosóficas do conceito de "citação", em A crise da razão histórica. Campinas, Papiros, 1989.
(7)Cf. Benjamin. A origem do Drama barroco Alemão. "Alegoria e Drama Barroco". São Paulo, Brasiliense, 1984.
(8)Cf PROUST. M. O tempo redescoberto. Rio de janeiro, Francisco Alves. Aristóteles. A poética. Porto, Casa da Moeda, 1973. Benjamin.Walter. Sobre a faculdade mimética. Arte, Magia e Técnica.. Também, Zaidan, Michel. "A linguagem alegórica". A crise da razão histórica.
(9)Cf. Bloch, E. O espírito da Utopia. Rio de janeiro, Universidade Federal do Rio de janeiro, 2010.
(10) O conceito de "filisteismo" é de Nietzsche, na Genealogia da Moral, e cabe como uma luva na definição dos princípios da universidade brasileira. O jovem Benjamin, em seu artigo "Vida de estudante", retoma as reflexões críticas do filósofo alemão, mesclado como anarquismo soreliano.
Baboseiras e baboseiras! Bla bla bla!
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