Foi a filósofa judia Hannah Arendt que
cunhou a expressão polêmica “fascismo de esquerda” (não nazismo), referindo-se
aos expurgos dos dissidentes políticos de Joseph Stalin, no livro “As origens
do Totalitarismo”.
Nesse grande livro, a autora
judia compara o terrorismo de Estado utilizado pelos nazifascistas, para a
implantação do capitalismo monopolista na Alemanha e na Itália, ao regime
estalinista. É de lembrar que a ensaísta alemã era defensora de que o modelo da
revolução moderna era a revolução política (liberal) representada pelas
revoluções inglesa e a americana (decantada, antes, por Tocquenville em razão
do mito do “selfmademen” e da virtude cívica).
Arendt condena as revoluções
sociais do período moderno e contemporâneo (a revolução francesa e a revolução
russa), porque – segundo a sua tese – estas revoluções degeneram em tiranias
sanguinárias. O sentimento de compaixão pelos desvalidos alimentado pelos
revolucionários seria a raiz da tirania, depois. Arendt foi coerentemente uma
filósofa liberal que idealizava a democracia dos antigos (a polis grega) como a
esfera da palavra e da ação entre cidadãos livres e iguais. Embora fosse casada
com o militante do partido comunista alemão e prima de outro ilustre pensador
marxista-teológico, Walter Benjamin, ela não nutria simpatias pelo comunismo
apesar de privar de estreita aproximação de anarquistas e comunistas na
Alemanha da República de Weimar.
O filósofo judeu-alemão
Theodoro Adorno, um dos fundadores da célebre “Escola de Frankfurt” também
empregou a frase contra os estudantes radicais alemães em 1968, quando se viu
criticado por eles. E o Habermas, em razão da radicalização política dos jovens
nos campus universitários europeus, também se afastou da cátedra, para se
entregar à pesquisa. Mas é imperioso que se distinga o terrorismo de Estado
empregado por fascistas e nazistas contra judeus, comunistas, homossexuais,
testemunhas de Jeová e ciganos dos expurgos da era estaliniana. No primeiro
caso, essa violência estava a serviço de um projeto econômico e social: a
implantação do capitalismo monopolista de Estado, através da expropriação
econômica e a liquidação física dos adversários. No segundo caso, a violência
empregada por Joseph Stalin estava a serviço da consolidação de seu poder
monocrático e da União Soviética, como Estado. E há ainda os que querem
distinguir “fascismo” de “nazismo”, entendendo que um foi mais brando e o outro
mais radical.
O caso da Ditadura Civil-Militar
de 1964 – já analisada pelo prisma de um regime bonapartista de direita, também
a serviço do capital monopolista no Brasil, restou uma polêmica inacabada sobre
a natureza fascista ou não do regime militar. Argumentam os autores que a nossa
ditadura não teve uma base de massas organizadas – como nos regimes
nazifascistas - apesar do apoio inicial
das classes médias inebriadas pelo anticomunismo e a euforia da conquista do
tricampeonato. Este é um ponto. Embora a Igreja Católica tenha inicialmente
contribuído muito para a simpatia desses estratos em relação ao regime militar,
não se pode confundir esse sentimento difuso como fascismo ou nazismo. Tanto é
que a partir de 1973, quando o milagre econômico começa a “fazer água” e
atingir o bolso das classes médias, estas passam a retirar o seu apoio aos
militares e engrossar as passeatas que reivindicavam a redemocratização do
país.
De toda maneira, não importa
chamar a Ditadura de 1964 de fascista ou democrática (como querem alguns). O
fato é que existiu um regime de força no país que prendeu, torturou,
sequestrou, exilou e matou muita gente. Este é o fato. A semântica ou a
nomenclatura não deve encobrir o horror profundo produzido pelo regime. E que
nunca será demais refletir sobre ele e suas nefastas consequências para a
sociedade brasileira (como a bomba de Hiroshima), para que ele nunca mais se
repita entre nós.
*Michel Zaidan Filho é professor da Universidade Federal de Pernambuco
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