A elite brasileira não tem jeito.
Até hoje sonha com a abolição da abolição da escravatura, com a volta ao tempo
das sinhás e sinhôs, do chicote para os pretos e do ócio para os brancos, dos
lucros com o tráfico de escravos. Não vou escrever um tratado sobre a
permanência da mentalidade escravocrata e da persistência do racismo no Patropi
amaldiçoado por Deus. Em muitos casos, uma imagem vale mesmo por mil palavras.
Como mostram as imagens da cobertura da festa de aniversário da socialaite
Donata Meirelles, diretora da revista para grã-finas Vogue, mulher do
publicitário Nizan Guanaes, ontem, no Palácio da Aclamação, em Salvador[1].
Os convidados — brancos em sua esmagadora
maioria — eram recepcionados por mucamas, com direito a foto num trono, ao lado
das serviçais. Tudo num clima de glamour, luzes e esplendor. (Lamentavelmente,
Caetano Veloso aceitou cantar nesse Último Baile da Ilha Fiscal que nunca
acaba; dando-lhe o benefício da dúvida — presunção de inocência –, vai ver ele
não sabia da temática da festa.)
Atitude tão sem noção, de puro escárnio e
naturalização da desigualdade social não é rara por aí afora. Lembram da
festinha de 15 anos de uma menina rica de Belém do Pará, em 15 de março do ano
passado? Diante da repercussão negativa, a cerimonialista pediu perdão e a mãe
da garota, Bianka Castilho, tentou justificar o injustificável, proclamando não
ter preconceito racial (como sempre fazem os que têm preconceito racial) e
criticando quem criticou a pândega[2].
Tais exibições de preconceito, superioridade e
privilégio tenderão a proliferar no atual governo Bolsonaro-Mourão-Paulo
Guedes, empenhado em eliminar um a um os direitos do povo brasileiro, em sua
maioria pobre, preto ou pardo (sorry, hight society cheia de complexo de
vira-lata porque não nasceu na Alemanha de Hitler).
Está chovendo protesto contra dona Donata nas redes
sociais e, como não é mais surpreendente, manifestações de gente defensora dos
privilégios, esgrimindo o caviloso argumento de que as negras assalariadas
interpretando mucamas na festa estavam lá “porque queriam”. Ou seja, a lógica
perversa e cruel de atribuir a culpa da opressão ao oprimido, como se os
escravos trazidos à força da África fossem os responsáveis pela escravidão.
*Homero Fonseca é jornalista, blogueiro e escritor.
Foi editor da revista Continente (2000–2008). Autor do romance
"Roliúde" (Record, 2007), entre outros livros.
*Foto: Correio da Bahia
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