Por Junior Almeida
Em
meados da década de 1930, quando o Nordeste ainda vivia infestado de
cangaceiros, principalmente com os cabras
de Lampião, o Rei do Cangaço, era bastante temeroso transitar pelas estradas e
veredas do interior. As notícias de roubos, sequestros, torturas e mortes nos
jornais de toda região e principalmente no boca a boca dos apavorados e
impotentes sertanejos eram frequentes, mas quem precisava viajar, não tinha
muito o que fazer; era rezar para o seu santo de devoção, e pegar a estrada.
Foi
nessa época que dois religiosos, salvo engano, capuchinhos, resolveram sair de
Recife pelo interior de vários estados pregando a Palavra de Deus. Na região de
Garanhuns, Pernambuco, os dois frades já tinham ido, montados no lombo de
burros, a algumas vilas e povoados, de modo que seus nomes e o seu trabalho já
eram conhecidos pelos matutos. Muita
gente até os aconselhavam, dizendo para que eles tivessem cuidado ao andar
naqueles caminhos e, os alertando dos muitos perigos, mas, aqueles homens de fé
se diziam “armados” pelo Pai. A fé dos frades parecia inabalável.
Em
um vilarejo um pouco mais distante da Suíça Pernambucana os pregadores chagaram
no finalzinho da tarde de um sábado, e as pessoas do lugar já os esperavam. Bem
recebidos, os homens de Deus foram levados à residência de um casal com pouco
mais quarenta anos com quatro filhos e uma linda cadelinha pequinês, um “doce”
de animal. Na casa, os frades iriam tomar banho, comer e pernoitar. No outro
dia, domingo, seria o dia das confissões, batizados e a missa, na capela da
vila. Na casa em que estavam hospedados, depois do bom e relaxante banho de
cuia, com água quente, fervida no fogão de lenha, os padres se sentaram nos
tamboretes da sala, esperando a hora do jantar.
Já
tinha anoitecido e, a residência era iluminada por alguns candeeiros. Enquanto
conversavam e brincavam com a cadelinha, que se derretia em carinhos, não
parando de balançar o rabo e os lamber, demonstrando muita alegria, os frades
perceberam que tinha algo estranho no ar.
Primeiro
perguntaram por algumas vezes à mulher o nome do animalzinho e, em todas, ela
desconversou sem responder. Às crianças, os religiosos também perguntaram o
nome da pequinês, mas essas só riam. Depois, os religiosos perceberam um
cochichado entre a dona da casa e sua filha mais velha, uma garota de
aproximadamente treze anos. Meio sem jeito a mulher explicou que o marido
estava bebendo desde cedo numa bodega da vila e, que iria mandar a menina
chamar o pai.
Os
padres compreenderam a situação e disseram estar tudo bem. Depois do jantar os
dois frades ainda ficaram na sala a conversar com a mulher e seus filhos,
esperando o homem da casa, que já tinha sido chamado pela filha pelo menos três
vezes, chegar, mas nada. Deu a hora de dormir e o dito não apareceu. Cansados, os
homens se recolheram a um quarto preparado para eles. Apagaram os candeeiros e
se deitaram. Mal começaram a cochilar, foram acordados pelo latido estridente
da cadela da família e com um barulho que vinha do lado de fora. Pelas frestas
das telhas ouviam o vozerio que parecia se aproximar da casa. Parecia uma
confusão.
Está ouvindo esse barulho,
irmão?! Perguntou um padre ao outro.
Respondida
a pergunta, os religiosos perceberam logo que a zoada agora estava em frente à
casa, onde um exaltado homem vociferava, sendo contido em parte por outras
pessoas, homens e mulheres.
Então eu saio de casa e a
mulher bota dois homens pra dentro?! E eu sou o que, algum corno?
Disse o sujeito, no momento em que com seu revólver, deu dois tiros pro ar.
Dentro
da casa os religiosos entenderam que eles seriam o motivo de tanta confusão.
Espantados, a dupla quis fugir. De imediato colocaram os sacos com seus teréns
nas costas, mas, como, achavam eles, não deviam nada a ninguém, resolveram
tentar conversar com o dono da casa. Em frente à residência, pelo menos uma
dezena de pessoas tentavam em vão acalmar o cabra. Nessa altura a cadelinha não
parava de latir, acuando as pessoas. Ela olhava pro dono, como se dele
esperasse alguma ordem pra morder alguém.
Encorajados
pela fé, os frades saíram pra rua. O homem da casa, completamente bêbado, de
arma na mão, era um poço de ciúmes e fúria. Por sorte alguém tomou seu
revólver, se não a desgraça estaria feita. Um pouco mais aliviados por verem o
sujeito desarmado, os padres tentaram conversar. A esposa dele, chorando de
tanta vergonha, pedia-lhe por todos os santos para ele se acalmar. Nada. O
cabra só queria briga.
Passou
a mão em sua cintura procurando outra arma, nem que fosse um canivete, mas não
achou nada. As pessoas que o acompanhavam, percebendo suas más intenções, o
seguraram.
O
cabra ruim não se deu por vencido. Sem revólver ou faca, e ainda por cima
seguro pela “turma do deixa disso”, resolveu usar sua meiga cadelinha como
arma. O animal que só esperava uma ordem virou uma fera quando viu seu dono
apontar os padres com a cabeça e ordenar:
PEGA ELES, PRIQUITO. PEGA,
PEGA!
A
cadelinha de nome curioso partiu pro lado dos hóspedes e mordeu logo a batina
de um deles, que tentava a todo custo se desvencilhar da cachorra priquito. Os
religiosos, temendo o pior, se apressaram em sair pelos fundos da casa, pegar
seus jumentos e fugir da vila, sem nem ao menos celebrar uma única missa. O
“tranca rua”, só depois de muito tempo se acalmou, mas, quando isso aconteceu
os homens de Deus já iam longe.
*Foto meramente ilustrativa da
internet.
Uma história simples,natural e verdadeira.Mostrando o sujeito,a cachaça e a arma,a ignorância e o quanto é difícil conter uma pessoa furiosa e armada.Imagine agora todos os cidadãos de bem com 4 armas para se defender no dia a dia.Velhos tempos os de lampião. Em Lagoa do Ouro também existiram muitos tranca ruas e bêbados armados valentes e brigões!
ResponderExcluirKkkkk mais um causo danado de bom.
ResponderExcluirContinua mandando Junior.
Olhe, seu moço, antes de começar a ler eu já pensei em "Priquito" - Exatamente por ver aquela senhora beata ajoelhada no meio do mato seco, cochilando com o reverendo. – Não é que meu pensamento erótico tinha a ver com a cadelinha. /.
ResponderExcluirO notem que eu pensei nela, mesmo sem ver o retrato do "Priquito"! - Aliás, da cadelinha Priquito!
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