Esses anos todos falei o que pensava dos
comunistas, dos gays, dos negros, das mulheres. Defendi ditadura, tortura,
morte de 30 mil comunistas. Era pau na moleira. E meu eleitorado pensa assim.
Por isso me elegeram por sete mandatos deputado federal. Era divertido. Vivia
zoando com o viado do BBB que se elegeu deputado federal, o fdp até me deu uma
cusparada. Passei na cara da deputada comunista que ela não merecia ser
estuprada porque era feia pra caramba. Meu discurso sempre foi defesa da
família tradicional e armar os homens de bem pra se defender dos bandidos,
caralho. E descobri que por esse Brasil afora tem muita gente igual a mim,
patriota e com fé em Deus.
Começaram a me chamar
de Mito. Então veio a Operação Lava-jato e o pau comeu no lombo dos petralhas.
O pessoal de Curitiba mandou brasa no chefe da quadrilha petista. No Congresso
se falava no impeachment da Dilma. Soube que houveram muitas reuniões, mas não
me chamavam. Era só o pessoal da elite dos partidos, Heráclito Fortes, Romero
Jucá, essa turma. E a brasileirada foi pra rua, todo mundo de camisa verde e
amarela, os patos amarelos da Fiesp e o Pitchuleco representando Lula, gente
batendo panela. Daí em diante foi tudo de supetão. Derrubaram a Dilma, surgiram
denúncias contra Aécio e uma pá de gente, o Moro mandou prender o Lula, o povão
estava totalmente desenganado com a política. E eu na minha, só botando lenha
na fogueira das esquerdas, como quando denunciei o programa Mais Médicos como
uma infiltração de guerrilheiros cubanos fantasiados de médicos.
De repente,
espontaneamente, no meio dos patriotas, começaram a falar em meu nome pra
presidente. Olha só que chique: o filho de seu Geraldo e dona Olinda na
Presidência da República! Tomei gosto. Viajava pelo Brasil e a moçada gritava
“Mito! Mito!” Por essa época, aconteceu uma coisa engraçada: eu crescia nas
pesquisas, mas o Lula ficava sempre na frente. Me garantiram, porém, que ele
não seria candidato de jeito nenhum. Não iam deixar. Era tudo mimimi do
elemento. Dito e feito. Botaram um poste no lugar dele.
Fui procurado por um
economista fodão, o Paulo Guedes, que me disse o seguinte:
— Olha, você pode ser
eleito presidente. Mas precisa ter a concordância das altas esferas.
— E quem são essas
altas esferas?
— O Mercado, Capitão.
Os banqueiros, empresários, os americanos. Ninguém se elege se for vetado pelo
Mercado. E, desculpe dizer, eles são meio desconfiados com suas tendências
estatizantes. Você tem que se apresentar ao Mercado e dizer que vai privatizar
tudo, liberar geral a economia.
— Mas eu não entendo
porra nenhuma de economia…
— Não se preocupe,
Capitão. Deixe comigo essa parte…
Fiquei meio com o pé
atrás. Ele marcou encontros com empresários, até nos Estados Unidos. Todos
perguntavam sobre a liberalização da economia, exigiam reforma da Previdência,
acabar direitos trabalhistas. Terminei concordando. Essa qüestão dos direitos
trabalhistas, por exemplo. Aqui temos direitos demais e obrigações de menos. Eu
mesmo votei contra a lei das domésticas: é tanto privilégio que no fim vamos
ficar sem ter quem tome conta dos nossos filhos.
A campanha deslanchou.
Meu filho 02 foi aos Estados Unidos se encontrar com o americano que tinha
feito a campanha do presidente Trump. Ele topou ajudar. E disse: “O negócio é a
internet. Twitter, WahtsApp… Essa é a mídia quente”. Eu já tinha mais de um
milhão de seguidores, enfiei o pé na jaca.
Mas as coisas não
estavam fáceis: era claro que a imprensa preferia o Alckmim. A imprensa e o tal
Mercado. Me tratavam como uma figura menor. Nas entrevistas e debates, procuravam
me acuar, eu respondia na lata. Mas era um sufoco. A Globo e a Folha de S. Paulo estão
cheias de comunistas e eles me castigavam com gosto.
Então aconteceu a
bendita facada. Não sei quem mandou o cara me atacar, desconfio que foi o
Mourão… Quando eu fiquei temporariamente fora de combate, ele se assanhou,
queria assumir meu lugar até nos debates! Brincadeira. O cara era comunista e
queria me acertar. Mas o tiro, melhor dizendo, a facada saiu pela culatra. O Alckmin vinha me bombardeando na tevê que era uma beleza. Teve de parar os
ataques. E eu me safei dos debates e entrevistas.
No segundo turno, a
turma me mandou maneirar no discurso, aparecer junto com a mulher e a filha,
dizer que não tinha nada contra viado (vejam só!) e botaram o Hélio Bolsonaro,
o negão de 15 arrobas que usava meu sobrenome e se elegeu deputado, botaram o
Hélio de papagaio de pirata em toda aparição minha. O Edir Macedo, na Record, o
Sílvio Santos, no SBT, passaram a me apoiar e o resto da mídia veio atrás. Os
pastores e o WhatsApp fizeram o resto. Então aconteceu o tsunami.
De repente, acordo
Presidente! Quem diria! Há dois anos, ninguém apostava um tostão furado nisso.
Agora, vão comer na minha mão. Mas eu ainda preciso me beliscar de vez em
quando pra saber que aconteceu mesmo, não é um sonho. Sei que é verdade porque
não durmo direito, tudo que falo agora repercute no mundo todo (bastou dizer
que ia seguir o Trump e mudar a embaixada pra Jerusalém que a casa quase cai na
minha cabeça). Eu sempre disse que ia juntar os Ministérios da Agricultura e do
Meio Ambiente, pra fortalecer o agronegócio e acabar a farra dos índios e das
ONGs, mas agora tive de desistir. Os europeus, com essa frescura de aquecimento
global e outras balelas, avisaram que deixariam de comprar nossos produtos, não
sei o quê mais. Aí veio o próprio pessoal do agronegócio me pedir pra mudar de
ideia, apenas botar alguém de confiança no tal Meio Ambiente. Podiam ter me
avisado antes, meu! É confusão em cima de confusão: Ônix puxa prum lado, Guedes
pro outro e os generais no meio puxando pro nosso lado. Eu não imaginava que
esse tal de Mais Médicos ia dar nesse reboliço todo, todo dia tenho que
aparecer botando um defeito nos cubanos. Ainda por cima me disseram que não
será fácil substituí-los.
Mas marquei um gol de
placa chamando o Moro. Ele tinha feito tudo para ajudar o Alckmin, mas terminou
me beneficiando por tabela. O homem é intocável e com ele terei uma retaguarda
garantida.
Não tenho a menor
ideia do que fazer daqui pra frente. Parece que Presidente não pode tudo.
Talvez seja necessária uma ditadura. Só sei que vou mandar bala. Mas, de
verdade, a ficha ainda não caiu.”
*Homero Fonseca é jornalista e escritor, dos melhores de Pernambuco e do Brasil.
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