Quando
Jorge Amado publicou o romance “Tocaia Grande”, em 1984, já era um escritor
consagrado no Brasil e no exterior.
Livros
como Capitães de Areia, Gabriela Cravo e
Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tereza Batista Cansada da Guerra, Tenda dos Milares, Seara Vermelha, Mar Morto e
Tieta do Agreste transformaram o autor baiano num fenômeno literário, capaz
de viver só da renda dos seus livros, fato raro no Brasil, pelo menos até os anos 80.
“Tocaia
Grande”, portanto, é obra de um escritor maduro, capaz de “brincar” com as
palavras e seguir caminhos em que um neófito poderia fracassar de forma
retumbante.
Amado,
ao contrário, brindou os que amam uma boa prosa literária com mais um romance
notável, no mesmo nível dos famosos “Gabriela”, “Dona Flor”, “Tieta” ou “Capitães
de Areia”.
Em
“Tocaia Grande”, no entanto, o escritor baiano adotou uma técnica diferenciada
dos romances anteriores, embora o estilo permaneça o mesmo, com uma prosa
poética que revela uma profunda simpatia pelas mulheres do povo, os
trabalhadores autônomos, os desvalidos, os explorados de todo o tipo, como as
prostitutas.
Mas ao contrário de Gabriela, Tieta ou Tereza Batista, onde foca na personagem principal,
construindo a imagem de mulheres ingênuas, empreendedoras, corajosas e muitos
sensuais, em “Tocaia” o mais importante é a cidade que nasce, a partir de um
descampado que vira arruado, depois vila até se tornar um município importante
da Bahia.
Neste
“mundo pequeno” que se torna grande e universal graças ao talento do escritor,
há uma farta multiplicidade de personagens, todos importantes na formação da
cidade, chamada primeiro Tocaia Grande, futuramente Irisópolis.
O
Capitão Nazário é uma espécie de dono do lugar, rico, respeitado, não
importando que começou na vida como jagunço, matando pessoas a serviço dos
coronéis. O turco Fadul Abdala, primeiro comerciante a se estabelecer em Tocaia
é simpático como o Nacib de Gabriela.
Castor
Abduim, mais conhecido por Tição, por ser negro retinto, é tão simpático e
envolvente que tanto cativa as muitas putas do lugarejo quanto os leitores.
E
as mulheres de Tocaia Grande, a maioria prostitutas, são cheias de malícia,
sensualidade, graça e pragmatismo. Bernarda, Coroca (que vira a parteira do
lugar), Zilda, Danila, Diva, todas elas integram um mosaico rico, apaixonante,
parecendo figuras de carne e osso que a qualquer momento você vai encontrar em
algum lugar.
Jorge
Amado inventa palavras, toma emprestada a linguagem popular, às vezes eivadas
de erros de gramática e nos delicia com expressões tão bonitas que é pura
poesia.
E
não deixa de fazer crítica política e social, como é comum nos seus romances:
“O
título de doutor valia tanto quanto uma boa fazenda, chave para abrir as portas
da política e proporcionar um casamento afortunado. Com o filho doutor ali à
mão, o coronel não precisaria mais utilizar os serviços de outros bacharéis
para cuidar-lhe dos interesses nos fóruns e cartórios. Ficava a salvo de
aleives e falsidades, de surpresas – assunto mais traiçoeiro do que a política
só mesmo a justiça”.
No
trecho acima, sobre a formatura do filho do coronel, o Jorge Amado de 1984 está
atualíssimo com o Brasil de hoje, na crítica que faz à política e ao sistema judiciário.
Em
“Tocaia Grande” temos ainda, além de uma boa história e de personagens
encantadores, páginas exuberantes sobre a culinária baiana, a natureza, a
cultura do cacau e os bichos.
Tem
desde cachorro até papagaio e este expressa bem a faceta humorística do
escritor, que não hesita um instante na hora de escrever um palavrão ou
descrever relações sexuais entre homens e mulheres.
Amado
escreve sobre boceta, estrovenga ou cacete com extrema naturalidade. O
papagaio citado, por dizer muito palavrão, é apelidado no livro de “vá tomar no cu”.
Seria
apenas vulgar se fosse um escritor qualquer, mas no contexto da história, nas
mãos de um mestre, tudo se encaixa e o romance é delicioso e soberbo.
Não
é à toa que Jorge Amado foi um dos poucos brasileiros que teve seu nome
lembrado para o Prêmio Nobel de Literatura.
*A ilustração, reproduzida do blog de Tânia Alves, traz a atriz e o ator Roberto Bofim, que atuaram na novela da antiga TV Manchete, adaptada do romance que acabamos de comentar.
Jorge Amado: - Um dos grandes nomes da literatura nacional. - Muito jovem ainda, mudou-se para o Rio de Janeiro, capital da cultura brasileira. Foi quando passou a conviver com nomes de grande expressão literária e das artes em geral. - Grandes escritores com quem tinha muita aproximação ou se correspondeu àquela época: Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo; Pablo Neruda, Gabriel García Márquez, José Saramago etc., etc. - As décadas de 1930 / 1940 fizeram a época de ouro da literatura e do mundo artístico latino-americano!!
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