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Pesquisas Eleitorais

MEMÓRIAS DA VIDA NO HOSPITAL - Conclusão

O Hospital da Restauração tem uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusiva dos pacientes que passaram por neurocirurgia. É um local completamente diferente da enfermaria, com o mesmo “requinte” das instalações das unidades de saúde particulares.

Esse espaço do HR é chamado de Unidade de Suporte Avançado em Neurocirurgia ou simplesmente USAN (foto).

Em 2006, quando fiz a primeira operação para retirada ao tumor, no Hospital Português, também fiquei primeiro na UTI. Constatei logo, quando recuperei a consciência, na sala especializada do HR, que não havia diferença entre o local em que estava e o outro, de nove anos atrás.

Eu estava numa sala ampla, em cama confortável e ao redor havia apenas mais sete leitos, nem todos ocupados. O ar condicionado era muito forte e cinco ou seis funcionárias estavam atentas o tempo todo às necessidades dos pacientes.

Não sei se foi por conta do frio em excesso ou consequência do procedimento cirúrgico, o fato é fui acometido de uma tosse muito forte, que não dava trégua, e quanto mais a noite avançava, mas o problema incomodava.

Nunca tossi tanto em minha vida. Não conseguia parar.

Recém saído de uma operação demorada, o corpo fraco, num leito de hospital, tossindo sem parar, escuto uma voz autoritária de uma funcionária, como se estivesse dando uma ordem militar:

- Pare de forçar essa tosse...!

Mesmo enfermo fiquei indignado com tal falta de sensibilidade. A mulher praticamente estava dizendo que eu “inventava” a tosse ou que tinha aqueles acessos porque queria.

Consegui me fazer ouvir, apesar da voz baixa e rouca. “Você acha que a gente adoece por que quer? Você acha que eu tive um tumor na cabeça por minha vontade? Ninguém quer passar por uma situação dessas e ficar tossindo assim, sem parar...”.

Devo, apesar dos poucos recursos vocais, ter dito palavras nesse sentido num tom raivoso, forte (não alto, mas forte), tanto que a mulher sentiu a reação e assim que acabei o desabafo pediu desculpas.

Na hora nem pensei duas vezes, simplesmente respondi: “Desculpo não!”. Ouvi a risada de outra funcionária, como se estivesse zombando do fora da colega.

E foi assim a minha primeira noite na Unidade de Cuidados Especiais do HR: reagindo à provocação de uma funcionária descuidada, sentindo um frio de doer na alma, tossindo muito e com dificuldades para dormir.

Passei uma semana naquele local. Na UTI você não tem acompanhante e a solidão só é quebrada quando vem alguém e para lhe medicar ou dar um banho no paciente na cama mesmo. Vira pra um lado e pra outro, coloca de barriga para cima, lava os cabelos, em questão de minutos uma ou duas pessoas cuidam da gente e nos deixam limpos como se tivéssemos saído do chuveiro.

Na enfermaria os pacientes recebem visitas todas as quartas-feiras, entre as duas e quatro horas da tarde. É permitida a entrada de até seis pessoas por dia, dentro do horário estabelecido.

Na unidade de cuidados intensivos as visitas são feitas diariamente, porém só é permitida a entrada de uma única pessoa a cada dia, a partir das 15h.

No segundo dia internado naquele setor já comecei o dia pensando que à tarde poderia ver Terezinha, conversaríamos sobre o êxito da operação e eu perguntaria por meus filhos, minha mãe, os irmãos, amigos, todo mundo...

As horas passaram devagar, recorri às lembranças boas para ficar bem e tentar acelerar o tempo. Sem poder caminhar ou ter com quem conversar, preso à cama sem livros ou TV, só me restava mesmo exercitar a paciência.

Depois de horas que pareciam dias finalmente chegou o horário das visitas. Entraram as primeiras pessoas e eu da cama,  de olho na entrada, ansioso para ver minha companheira.

E sem que eu esperasse quem entra na UTI, sozinha, é Daniela, minha filha de 25 anos que mora no IPSEP e trabalha no Restaurante Tio Pepe, um espaço muito legal em Boa Viagem.

Daniela abriu um sorriso muito bonito ao me ver e eu senti uma alegria imensa, como se naquele momento estivesse confirmado que eu continuava vivo e veria todas as pessoas queridas novamente.

Conversamos pouco, porque a tosse continuava e eu procurava me poupar. Perguntei por Kaio, seu marido, que é um rapaz legal, muito calmo, ela disse que ele estava bem e explicou que Tereza tinha ficado do lado de fora porque só permitiam uma pessoa na visita.

Tudo se repetiu da mesma forma no dia seguinte e na hora da visita quem entrou foi meu irmão Aurélio, também com um sorriso estampado no rosto e confessando estar muito feliz em me ver bem. “Você agora tem de comemorar aniversário também no dia 17 de junho”, disse o mano, com seu jeito brincalhão.

Na Unidade de Terapia Intensiva tentaram me alimentar por via oral pela primeira vez e comecei a engasgar e depois tive outro acesso de tosse. Depois disso uma fonoterapeuta fez um teste com iogurte, outro com água, e chegou à conclusão que seria arriscado demais eu comer qualquer coisa.

Aí foi que vieram duas servidoras da USAN e me fizeram passar por um dos momentos mais dolorosos da minha estada ali ou de toda minha vida. Como ninguém pode viver sem se alimentar, vieram colocar sonda para que eu ingerisse alguma coisa por aqueles tubinhos.

Tentaram instalar pela boca e como incomodou muito optaram por colocar no nariz. Primeiro do lado esquerdo, mas como reclamei muito usaram o lado direito e apesar do processo ser muito sofrido conseguiram terminar.

Você imagine duas pessoas pegando pregos e enfiando no seu nariz, bem devagar, batendo com alguma coisa, talvez um martelo mesmo, e aquela ponta penetrando na sua carne, causando dor, muita dor, desconforto...

É uma coisa da qual você não foi avisado, não se fez uma preparação, o tubinho vai lhe arrasando por dentro, e quando menos se espera as lágrimas rolam do seu rosto de uma maneira estúpida, sem nenhum controle.

Um procedimento tão besta e cruel que me levou a dizer uma grande tolice: “Prefiro que me operem a cabeça mais umas três vezes que passar por isso novamente”.

Infelizmente eu passaria mais três ou quatro vezes por aquilo. A sonda no nariz cai com facilidade e não tem outro jeito a não ser instalar as “mangueiras” novamente para que você não fique sem alimentação.

No terceiro dia finalmente recebi a visita de Terezinha e ela explicou que deixou Dani entrar porque ela estava muito nervosa e pedindo muito para me ver. A ausência da minha mulher nas visitas me fez imaginar que tinha acontecido alguma coisa com ela, na viagem para Garanhuns, e minha filha e Aurélio estavam escondendo alguma coisa de mim.

Revelei este mau pensamento a Tereza e ela desfez de vez os meus temores. Apenas atendeu o desejo de Daniela no primeiro dia, por conta de sua apreensão e na tarde seguinte Aurélio chegou primeiro e ganhou a vez como visitante.

Então na semana que passei ali, sozinho quase todo o tempo, tive essa horrível experiência da sonda, recebi os cuidados da fono e uma fisioterapeuta me pôs pela primeira vez para andar e me saí muito bem, recebendo elogios da “doutora”.

Com pouco tempo estava de volta à enfermaria onde iria rever Kleber, Márcio, Lucimar, Neide e seu filho Eduardo, além dos outros companheiros da vida no hospital.

Nesta nova etapa o pessoal passava com as refeições e eu ficava indiferente, porque sabia que não podia me alimentar pela boca.

Quatro ou cinco vezes por dia vinha alguém da enfermagem e trazia a minha “ração” no potinho. Ligavam aquele recipiente ao tubo que estava no nariz e a comida descia e ia parar no estômago.

Mais de uma vez a sonda caiu, às vezes por conta de um simples espirro, e lá vinham as enfermeiras novamente enfiar aquilo no nariz causando um desconforto difícil de descrever. Uma das vezes os meus vizinhos de leito ficaram assistindo o procedimento, com cara de assustados, vendo as lágrimas caírem do meu rosto impassível, percebendo que aquele negócio doía “pra caralho”, que o leitor desculpe a expressão.

Os médicos sempre passavam regularmente para acompanhar a recuperação e a partir daí começou a expectativa da alta. Antes de vir para casa ainda iria mais uma vez na sala de endoscopia, onde retiraram a sonda do nariz, deram uma anestesia, fizeram um buraco na minha barriga e instalaram um outro tipo de sonda, que chamam GTT, diretamente no estômago.

Fiquei durante mais de um mês com aquela pequena mangueira na barriga, com toda alimentação sendo feita via sonda. Mesmo aqui em casa, em Garanhuns, Terezinha passava alguma coisa no liquidificador, colocava no potinho e ligava ao equipamento que levava a comida ao estômago.

Os médicos e fonos tinham dito que eu podia precisar da sonda 30 dias, seis meses ou podia ser pela vida toda. Fiquei apavorado com aquela possibilidade e ficava sonhando com o dia em que poderia comer novamente queijo, carne, tomar uma sopa, ou provar uma gostosa picanha com fava num dos restaurantes da cidade.

Não dava para se arriscar tentando comer pela boca sem um acompanhamento médico, pois no Restauração, na enfermaria em que fiquei, durante a minha permanência lá um paciente morreu porque o acompanhante lhe deu água, quando o médico e enfermeiras foram bem claros que ele não podia ingerir nada por via oral.

Ainda no Hospital, no entanto, a fonoaudióloga fez um teste comigo que me deu esperanças. Ela pegou um copo com um pouco de água e foi me orientando a tentar tomar. Apenas o mínimo, que ficava na boca por uns instantes, e então eu engolia e parecia um milagre. Repeti as mesmas atitudes uma ou duas vezes e a alegria tomou conta de mim por ter conseguido tomar dois goles d´água.

Depois de alguns dias na dependência da sonda, em casa, resolvi (com muito medo, é claro) tentar repetir a experiência feita no HR, sob a supervisão da fono. Numa xícara pus caldo de feijão e com uma colherinha tentei ingerir pequenas “gotas”, da mesma maneira como tinha feito com a água no hospital.

Felizmente o caldo desceu e consegui tomar acho que uma meia xícara, de colherinha em colherinha.

Repeti isso no outro dia. Depois fiz o mesmo com sopa, até que criei coragem e pedi a Terezinha para fritar um ovo.

E consegui, indo com o esmo cuidado, de pedacinho em pedacinho, comer o ovo frito sem precisar de sonda.

Quando fui a uma fonoaudióloga, na UPA de Garanhuns, já estava me alimentando dessa maneira que narrei acima. Ela fez testes comigo, comi alguns tipos de alimento na frente dela e tive a confirmação que estava fazendo a coisa certa e que podia ir em frente.

Com pouco estava livre da sonda, comendo de tudo, tendo menos engasgos do que antes, mas com aquele pequeno canudo ainda na barriga, indo em direção ao estômago.

Então fui ao Recife para uma consulta com Dr. Rodrigo e disse a ele que tinha voltado a me alimentar. Ele autorizou que eu fosse na endoscopia e lá retiram a tal de GTT o que foi um alívio, porque o equipamentozinho atrapalhava até na hora do banho.

Passar por tudo isso foi muito difícil. A doença muda tudo na vida da gente. Mexe com toda família e nos deixa abalados não só financeiramente como também psicologicamente. Você fica com tendência a ter depressão e tem de lutar para não se deixar abater ou se entregar.

Ainda estou tentando ficar inteiro. Quase não saio de casa, evito dirigir e durmo cada vez mais cedo. Como o tumor não foi retirado de todo espero eliminá-lo pra sempre por radioterapia. Amanhã mesmo estou indo pra Recife ouvir a opinião dos médicos.

Peço muito a Deus que continue me ajudando. Que o tratamento complementar possa ser feito de modo que a doença desapareça de vez.

Somente assim poderei ficar tranquilo e aproveitar melhor a vida ao lado da companheira e dos filhos e netos (já são três netas e um neto) amados.

Agradeço a força dos meus irmãos e amigos durante todo esse processo, seja com uma palavra de incentivo, uma visita ou mesmo o apoio no momento em que precisei de consultas, exames e me submeter as pequenas e a grande cirurgia.

Eduardo, Aurélio, Júnior, Ana Cláudia, mamãe, Terezinha, Roberta, Tiago, Lulinha, João Paulo,  Daniela e mesmo as caçulas Carol e Vitória foram igualmente importantes e me deram forças para estar aqui.

Os compadres Jorge, Marly e Maria Almeida, Kelvin, padre Júnior,  Luizinho Roldão, Izaías e Socorro Régis, Ivo Amaral, Rafael Brasil, Ricardo de Alvinho, Raimundo Lourenço, Rossine Blesmany e Armando Duarte, Leny Cipriano, Quércia, Fátima Almeida, Fátima Carvalho, meus vizinhos Mário, Dona Quitéria e Marluce, também demonstraram sua solidariedade, cada um a seu modo, e agradeço pelo apoio e pela “torcida”.

Peço desculpas se estou esquecendo o nome de alguém que merece ser citado. É que a cabeça acumula muitas preocupações e já são quase sete meses de todo esse drama.

Obrigado ao leitor pela paciência de ler esses relatos. Quem deu a ideia desses textos foi o Kleber Cisneiros. Pensei que não conseguiria escrever tudo isso. Foi muito difícil reviver no papel os momentos de sofrimento e ansiedade no Hospital da Restauração.

Mas escrevi tudo colocando a alma nesses relatos (como bem entendeu meu irmão Júnior), evitando apesar de tudo passar tristeza para o leitor.

É uma história de angústia, mas que ao mesmo tempo aponta caminhos para a esperança e a fé.

Para a crença de que existe uma força maior, um maestro que rege este universo e que pode vir em nosso auxílio quando entramos em conexão com ele e pedimos com humildade a sua ajuda.

Não acho que Deus seja responsável pelo sofrimento humano, pela dor.

Vejo mais o Criador como a fonte da vida.

Como diz um poema de São João da Cruz que foi musicado por Raul Seixas: 

Eu conheço bem a fonte
Que desce aquele monte
Ainda que seja de noite

Nessa fonte está escondida
O segredo dessa vida
Ainda que seja de noite

"Êta" fonte mais estranha,
que desce pela montanha
Ainda que seja de noite.

Sei que não podia ser mais bela
Que os céus e a terra, bebem dela
Ainda que seja de noite

Sei que são caudalosas as correntes
Que regam os céus, infernos
Regam gentes
Ainda que seja de noite

Aqui se está chamando as criaturas
Que desta água se fartam mesmo às escuras
Ainda que seja de noite
Ainda que seja de noite.

3 comentários:

  1. Li toda história emocinante que Jesus lhe abençoe e lhe de saúde

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  2. Vc já e um capeao não te conheço mas oro por vc eu sempre digo deus so nos dar o que podermos carregar sua vitória vai chegar fe e boa sorte que deus lhe proteja e guie

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  3. Uma Béla historia, narrada pelo proprio paciente. Que é jornalistå. Parabéns pela perseverança e amor a vida, e a todos que te amam.

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