TIRIRICA E AS LEIS BRASILEIRAS

José Paulo Cavalcanti é um dos maiores juristas do Brasil. Quem lê jornal, livros, acompanha as coisas, já ouviu falar desse homem. Dias atrás, na Folha de São Paulo, o grande advogado pernambucano escreveu um artigo sobre a candidatura de Tiririca (na foto, sem a roupa de palhaço). E defendeu o humorista seguindo a linha de que o Congresso Nacional não pode abrigar somente doutores, empresários, sindicalistas, economistas e políticos de carreira.

Li uma frase, acredito que foi do próprio José Paulo, argumentando o seguinte: "Os erros cometidos a democracia cuida de ir consertando". Isso quer dizer que se o povo errou agora, na escolha do comediante como deputado, mas tarde o próprio eleitor cuida de tirá-lo. Como aliás aconteceu com o Frank Aguiar. E em Pernambuco, no passado, com o radialista Paulo Marques, eleito para a Câmara Federal com quase 60 mil votos e no pleito seguinte teve só cinco mil. Na democracia é assim: ou corresponde aos anseios da população ou não prossegue na vida pública.

Tiririca não foi nomeado, como os governadores e senadores biônicos da época de ditador Ernesto Gueisel. Ele foi eleito por mais de 1 milhão e 300 mil pessoas. Não vamos ser idiotas e pensar que tudo isso foi voto de protesto. Não. Teve voto de protesto, de ignorante, de alienado, de palhaço, de inocente, de irresponsável... Teve de tudo. Na minha opinião prevaleceu, nesse contigente todo - que dá para ocupar quase 15 vezes Garanhuns -, o voto de pessoas comuns. Gente pobre, pessoas sem escolaridade, analfabetos, trabalhadores da construção civil, comerciários, empregadas domésticas, prostitutos e prostitutas, flanelinhas, motoristas e cobradores de ônibus da paulicéia e por aí vai. Homens e mulheres que se identificam com o artista. São pobres como ele (ou que são pobres como ele foi um dia), semi-analfabetos como ele, sem noção de como é a política e o Congresso Nacional como o humorista.

E aí vai se fazer o quê? Cassar a vontade de todos esses "pobres diabos"? Que raios de democracia é essa, que Lei é essa capaz de excluir do processo político um cidadão só porque não é erudito, não escuta Chopin, não vai ao teatro, não lê Proust, Joyce ou o nosso Machado?

Na Alemanha de Hitler, no início dos anos 30, começaram a excluir da sociedade os homossexuais, deficientes físicos, velhos, loucos, judeus e todos aqueles que não pertenciam a "raça pura". Só entre o povo judeu o regime nazista matou seis milhões de pessoas. Se não fosse branco ariano, loiro, bem falante e bem formado era considerado inferior e corria o risco de ser eliminado. Deportado para um campo de concentração, escravizado ou morto numa câmara de gás (como aconteceu com a nossa Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes).

Obviamente não estamos correndo o risco no Brasil da implantação de um regime nazista. Se iniciamos, porém, uma caça às bruxas aos que não tiveram estudo, aos deficientes visuais ou auditivos, aos idosos, aos que moram no campo ou nas pequenas cidades, terminaremos por ter a visão elitista e preconceituosa semelhante a dos nazistas e facistas, de modo a ferir mortalmente a democracia.

Leonardo Boff, o grande teólogo e intelectual brasileiro, confessou uma vez, numa entrevista, que sua mãe nunca conseguiu aprender a ler. Tinha uma dificuldade enorme e não teve jeito. Nem por isso era burra e pôs no mundo dos homens mais inteligentes do Brasil.

Aqui em Garanhuns temos uma pessoa extremamente culta, leitor do melhor da literatura brasileira e mundial, excelente escritor, que se chama Nivaldo Tenório. Uma vez ele me confidenciou que o seu pai, uma pessoa de jeito extremamente simples e bondosa, é analfabeto. Ele não teve oportunidade de estudar, de ingressar no mundo dos letrados, mas nem por isso deixou de gerar um descendente que é um intelectual na verdadeira acepção da palavra.

Num país em que ainda existem tantos analfabetos puros ou funcionais, num país em que tantos doutores foram presidentes e fizeram menos de que um peão saído dos grotões de Caetés, insisto que é uma aberração essa posição anti-Tiririca, o homem de 1 milhão e 300 mil votos. Não tenho os argumentos de Dr. Paulo Cavalcanti, porém ninguém vai me colocar na cabeça que é certo querer impedir a posse de um homem eleito democraticamente pelo povo de São Paulo, seja esse eleitor bem informado ou não.

Daqui a quatro anos, se Tirica não aprender o seu ofício, podem estar certos de que esse eleitor terá aprendido a lição e não o reconduzirá ao Congresso. É como disse o jurista: os erros a democracia conserta.

Errado mesmo é deixar ir para o Congresso muitos que já roubaram dinheiro público - são os fichas sujas - e deviam estar na cadeia e não pousando de representantes do povo. Tem mais: quase todos esses gatunos não só sabem ler e escrever corretamente, como têm um ou vários diplomas pendurados na parede.

ATENÇÃO

O leitor quando quiser esculhambar Vando Pontes, o prefeito Luiz Carlos, o deputado Izaías Régis, o ex-prefeito Zé da Luz, o jornalista que escreve este blog ou qualquer outra pessoa, primeiro cuide de se identificar. É feio se esconder no anominato e chamar  o outro de ladrão sem provar. E chamar alguém de desinformado sem nunca ter lido um jornal ou um livro na vida é piada. Não há nada pior do que um ignorante que se acha o tal!