HORIZONTE PERDIDO
Já tivemos oportunidade de escrever alguma coisa sobre este filme encantador, baseado num livro homônimo, mas não dentro desta série, quando nos alongamos mais sobre determinado trabalho, oferecendo detalhes a respeito da história e da parte técnica. Na época que vimos este longa no Recife, acredito que no antigo Cine Art Palácio, no centro da capital pernambucana, estávamos ainda na faculdade, o Brasil não respirava os ares democráticos de hoje e no mundo ainda imperava a Guerra Fria, com Estados Unidos e Rússia travando uma batalha pelo controle do planeta.
O belo livro "Horizonte Perdido" recebeu duas versões no cinema. A primeira de um dos maiores diretores de todos os tempos, Frank Capra, responsável por títulos como "A Felicidade não se Compra", e outras obras primas da sétima arte. Certamente nesta série teremos oportunidade de abordar pelo menos um dos seus filmes. Este cineasta realizou a sua produção em 1937 e em 1973 o diretor Charles Jarrot fez uma nova adaptação da obra literária, desta vez transformando a "fábula de Shangri-lá" em musical. Esta última versão foi que assisti na juventude e revi por estes dias, conseguindo uma cópia em DVD graças as facilidades proporcionadas pela internet. (Nos anos 70, em Recife, ninguém sonhava ainda com as maravilhas do computador. Nem o videocassete tinha sido inventado e os filmes considerados de arte a gente assistia no Coliseu, em Casa Amarela, depois no Cine AIP ou Art Palácio. Todas essas casas de exibição já não existem mais, embora alguns cinemas da capital ainda mantenham a "sessão de arte").
A segunda versão de Horizonte Perdido, bem conduzida por Jarrot, tem no seu elenco bons atores, mas se destacam Peter Finch e Liv Ullmann, dois personagens centrais da história. Este faz o papel de Robert Conway, um coronel que trabalha para a ONU em ações humanitárias, porém não está conseguindo muita coisa num mundo tomado pelas ambições e pelas guerras. Já a atriz, a preferida do cineasta sueco Ingmar Bergman em sua carreira, vive uma das personagens de Shangri-lá, um lugar perdido entre as montanhas onde uma pequena população vive feliz, sem as atribulações da chamada civilização.
Conway e mais um pequeno grupo de pessoas é levado involuntariamente a esse paraíso terrestre. Lá, a maioria fica apaixonada pelo lugar e quase todos não querem mais voltar para o "mundo real". Em Shangri-lá, se descobre aos poucos, não existem doenças, as pessoas não envelhecem e podem viver séculos.
O filme tem uma clara mensagem pacifista e coloca em discussão o mundo que temos e como ele poderia ser diferente. Independente da utopia de uma vida longa e saudável, há a questão dos problemas criados pelo próprio homem: a corrida armamentista, as ambições por dinheiro e poder, a inquietação pelas notícias, pelo movimento. No lugar mágico entre as montanhas do Himalaia, só é preciso basicamente saber cultivar a paciência e a arte de ser gentil. O restante é proporcionado pelo clima, pelas águas, pelas flores, pela natureza exuberante de Shangri-lá.
Passados tantos anos do livro, dos dois filmes, do fim da guerra fria e de tantas mudanças no mundo, a mensagem de Horizonte Perdido continua atual. Quem não sonha com o fim das doenças, a paz, a felicidade? Eça de Queiroz, o escritor português, perseguiu esse objetivo no belo livro "A Cidade e as Serras". Os socialistas utópicos do século XIX também sonhavam com o "paraíso na terra". Os conflitos de 30/40 anos atrás hoje são travados no Iraque, no Afeganistão, na briga entre israelitas e palestinos e em outros países periféricos, com a mão das grandes potências - principalmente os Estados Unidos - por trás.
Mesmo os países afastados da guerra, dos terremotos e dos tsunamis, como o Brasil, sofrem com a violência urbana, a insegurança presente nas grandes cidades e mesmo nas áreas rurais. Há angústia e descrença, levando muitos a recorrerem às drogas lícitas ou ilícitas para poder aguentar a "barra".
No fundo, cada um de nós sonha com Shangri-lá. O cantor mais popular do país durante décadas, Roberto Carlos, em 1975 compôs com Erasmo Carlos a música Além do Horizonte, tão conhecida dos brasileiros. Possivelmente ele foi inspirado pelo filme de 73, ou pelo livro, ou simplesmente por sonhar com um lugar dominado pela natureza, pelo amor e a harmonia. "Um lugar pra se viver em paz".
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