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Pesquisas Eleitorais

RARIDADE: O MAIOR POETA POPULAR DE TODOS OS TEMPOS, PARAIBANO LEANDRO GOMES DE BARROS, FEZ UM CORDEL SOBRE A HECATOMBE DE GARANHUNS

 

Por Junior Almeida

Neste domingo, 15 de janeiro, o funesto episódio que ceifou a vida de quase duas dezenas de ilustres cidadãos filhos desta terra, dentro da cadeia municipal e, que ficou conhecido em todo país como a Hecatombe de Garanhuns de 1917, completa 106 anos.

 

Muito já se falou sobre a terrível chacina, em jornais da época, revistas, e em livros, sendo o mais completo deles, “A Cobertura Jornalística da Hecatombe de Garanhuns de 1917”, do professor Cláudio Gonçalves, lançado em 2017, ano em que a tragédia completou 100 anos.




No ano passado, foi relançado o que achávamos ser a primeira obra literária a falar do episódio, “O Sertão, a Política e os Cangaceiros”, de G. Pinto, publicado em 1921, por uma tipografia do Rio de Janeiro, mas, eis que agora, surgiu para nós uma grata surpresa ao tomar conhecimento que o maior poeta popular de todos os tempos, Leandro Gomes de Barros, narrou em poesia, em um cordel intitulado "Victimas innocentes de Garanhuns", os tristes fatos ocorridos em Garanhuns naquele 15 de janeiro de 1917.

 

Para se ter uma noção deste achado, vamos a uma pequena descrição sobre o poeta: Leandro Gomes de Barros, nasceu em 19 de novembro de 1865 no município de Pombal, Paraíba, é chamado “o pai do cordel”, por ser ele considerado o maior poeta popular de todos os tempos. São aproximadamente 240 títulos produzidos, sendo vendidos dessas obras, estima-se, que mais de três milhões de exemplares. O paraibano faleceu em 4 de março de 1918, em Recife, portanto, quando ele se dedicou a falar da hecatombe, no intervalo de janeiro de 1917 até a data de sua morte, o episódio estava bem recente.

 


Ao recebermos o referido cordel, do amigo Zé Tavares, conterrâneo de Leandro Gomes de Barros, enviamos ao professor Cláudio Gonçalves, o maior especialista do tema Hecatombe de Garanhuns, tendo o escritor vibrado com tal achado.

 

Conservando a grafia original da obra, resolvemos compartilhar com os amigos leitores e os amantes da História local, a narrativa do "pai do cordel" sobre a hecatombe de Garanhuns. Vejamos:

 

VICTIMAS INNOCENTES DE GARANHUNS

Registrou-se em Pernambuco

A scena mais triste e feia,

A medida da desgraça

Em Garanhuns ficou cheia,

Com essa carnificina

Que fizeram na cadeia.

 

Encheu-se o catalago fúnebre

Os factos d’aquele dia,

Admira aos proprios brutos

Aquella selvageria

Completou o livro negro

Que trata da cobardia.

 

Eu não faria sensura

Se tivesse aquella mente

Entrando aqui no Recife

Pelo meio mais insolente

E tentasse o Villa-Nova

Mata-lo publicamente.

 

Mas matar-se sete homens

Sem haver nenhum culpado

Dizem que foram iludidos

Pelo proprio delegado

Que com as formas de Judas

Os tinha negociado.

 

De tantos crimes do homem

Não há um que tanto aféte

Um crime como o de Judas

Faz nojo a quem o commete

Judas só vendeu um

Meira Lima vendeu sete.

 

Quando em Garanhuns se sonha

Que tinha morto o prefeito,

O delegado foi logo

Ao juiz de direito

Dizem que manifestou-lhe

O plano que tinha feito.

 

Mandaram logo no Brejão

Um portador exaltado,

A viúva do prefeito

Mandou dizer ao cunhado

Que o irmão tinha sido

No Recife assassinado.

 

E sem perda de tempo

Ajuntasse cangaceiro

Viesse logo disposto

Vingar Julio Brasileiro,

E não deixar dos contrários

Nem um pinto no terreiro.

 

Doca irmão do prefeito

Ao receber o recado,

Ajuntou duzentos cabras

E disse encolerizado

Pega fogo Garanhuns

E meu irmão é vingado.

 

Disse: da oposição

Não ha de ficar um vivo

Então Manoel Jardim

Borba Junior, Satyro Ivo

E muitos outros se acabam

Inda não dando motivo.

 

As onze horas do dia

Estava Garanhuns cercado

Borba Junior em sua casa

Já tinha sido espancado

Uma das mercadorias

Que vendeu ao delegado.

 

Tanto elle como os outros

Que foram lá illudidos

O delegado levou-os

Para serem garantidos

Como bois no matadouro

Vão para serem abatidos.

 

Havia uma força alli

Mas nada poude fazer

Dez homens para trezentos

Como os podia conter

Não abandonaram o ponto

Na serteza de morrer.

 

Resistiu o quanto poude

Esgotou a munição

Só abandonou o posto

Depois que cahiu no chão

Pois um homem com dez tiros

Não pode ter mais acção.

 

Um fogo grande e renhido

Para um lugar sem defesa

Os defensores d’alli

Pelejavam na serteza

De não escapar nem um

Mas não mostravam fraqueza.

 

Não houve um soldado alli

Que deixe de ter um louro

O Governo os classifica

Como mais rico thesouro

Exemplo de heroísmo

Um objecto de ouro.

 

Cabo, sargento e soldado

Tudo isso resistiu,

Só afrouxaram a cadeia

Quando o ultimo cahiu

Alli não tinha mais geito

O grupo horrendo investiu.

 

Porém se as serras fallassem

Se ouviria uma dizer

Soldado de Pernambuco

Sabe cumprir seu dever,

Aprendeu bem avançar

Porém não sabe correr.

 

Faz galhofa do perigo

Zomba e ri-se da desgraça

Entra no fogo surrindo

E dá a vida de graça,

Na luta que um desses entra

O vence ou se acaba a raça.

 

Elle investe como um cão

Fulmina que só um raio

Entra n’um fogo em janeiro

Briga Março, Abril e Maio

Exgota o sangue do corpo

Porém não mostra desmaio.

 

Tanto que se em Garanhuns

Tivesse vinte soldados

Os trezentos cangaceiros

Voltavam desenterrados,

Mas que só tinha dez

E nem bem municiados.

 

Com dois Theophanes Torres

E dez soldados Cobrinha

Ainda dobrando os grupos

Dos cangaceiros que tinha

Morria alli cangaceiro

Que só gado com murrinha.

 

Disse o soldado Cobrinha

Eu não afrouxo meu ponto

Se a vida vale o dever

Me mostro já como promto

Tambem se escapar d’esta

Pode dizer que desconto.

 

Pois o soldado cobrinha

Todo barulho enfrentou

Resistio como um heroi

Do ponto não arredou

Cravado com cinco balas

Assim mesmo inda atirou.

 

E disse já se ultimando

Canalha tome a cadeia,

Se eu durasse meia hora

Deixava a medida cheia

Vocês corriam d’aqui

Contando uma história feia.

 

Dê-me vida e munição

E Deus me proteja a sorte

Garanhuns veja se arruma

Outro município forte

Ajunte-se a elle e venha

Veja se não leva a morte.

 

O sargento expressamente

Procurou o delegado

Disse-lhe acuda a cadeia

Que só tem vivo um soldado

Se não for engano meu

Já está até baliado.

 

O delegado lhe disse

Que não ia se arriscar

Porque tinha sete filhos

Que faltavam se criar

E não arriscava a vida

Para ninguém se salvar.

 

O sargento conhessendo

Que alli havia traição

E um só para trezentos,

Não podia ter acção

Abandonou a cadeia

Com uma dor no coração.

 

Desamparar sete homens

Victimas de um traiçoeiro

Um segundo Calabar

Um Ganelão brasileiro

Que vendeu a Carlos Magno

Por diminuto dinheiro.

 

Os cabras fora a cadeia

Como onça na carniça

Embriagados de raiva

Sem o temor da justiça

Como dragões infernaés

Que a malvadez os atiça.

 

Foram logo ao dr. Borba

A sangue frio o sangraram

O coronel Agemiro

Com esse muito luctaram,

Porém o grupo era grande

No meio da lucta o mataram.

 

Foram a Julio de Miranda

E a Gonzaga Jardim,

Mais de trinta os investiram

Logo alli deram-lhe fim

Sangrando elles disendo

Serviço limpo é assim.

 

Sete homens na cadeia

De uma vez foram sangrados

Foram por aquelle grupo,

Depois de mortos roubados

Para roubarem-lhe as joias

Os dedos foram cortados.

 

O pequeno Theotonio

Um dos herois dessa historia

Um homem de consciência,

Não o risca da memória

Dez annos de sua idade

Mostra dez annas de gloria.

 

Estava com os mortos

Quando mataram um soldado

A carabina cahiu

Elle estava alli de um lado

Tomou-a e deu a seu pai

Que estava desarmado.

 

Os cangaceiros alli

Quiseram o matar tambem

Mas quando a sorte não quer

O mal recua e não vem,

Sem a hora ser chegada

A bala não mata ninguém.

 

Esse então é testimunha

D’aquele triste ocorrido

Viu quem matou todos sete

Porque tomou bem sentido

Ouvio os echos mais tristes

Que ainda não tinha ouvido.

 

Aquellas feras malditas

Não faltaram a matar

Depois do cadaver frio

Inda foram estrangular

Muito mais de meio palmo

Viu-se o sangue suberbar.

 

As viúvas soluçando

Os filhos chorando atraz

Queriam ver os cadaveres

De seus maridos e pais

Porém nem isso podiam

Devido aos monstros voraz.

 

Quando o chefe de policia

Soube do desastre feito

Da traição do delegado

E do juiz de direito

Viu que Theophanes Torres

Podia alli dar um jeito.

 

E ordenou com urgencia

Fosse o domador da fera

E disse ao governador

A calma agora prospera

E foi para a estação

Passou a noite de espera.

 

Chegou Theophanes Torres

Não teve mãos a medir

Sercou casa prendeu uns

Outros puderam fugir

Aonde sabia de um grupo

Faz logo a tropa seguir.

 

Elle para cangaceiro

E muito pior que gato

Que passa duas trez noites

De cocora esperando o rato

Elle atraz de um criminoso

Passa dez dias no mato.

 

Antonio Silvino era

Cangaceiro abilitado,

Rompeu quarenta e dois cercos

E não sahiu baliado

Só foi feliz até quando

Não foi por elle cercado.

 

A dezoito de Janeiro

Nada de mais tinha havido

Quando elle soube de um grupo

Que tinha se reunido

Na fazenda do prefeito

E o chefe era um bandido.

 

Era o célebre Cajú

Uma fera cohessida

Que nunca foi a mandado

Que não tirasse uma vida

Um aborto da desgraça

Um mestre do homicida.

 

Mas o tenente Theophanes

Mandou um oficial

Disse quero o cangaceiro

Venha por bem ou por mal

Entregando alli a elle

Uma ordem especial.

 

O senhor siga hoje mesmo

Serque a fazenda Riacho

Se resistir faça fogo

Deixe-lhe a cabeça em faixo

Se lá fizerem trincheira

Faça fogo e bote abaixo.

 

Veja que não pise a lei

Observe a disciplina

Pai de soldado é sabre,

A mãe é a carabina

Ligereza é oração

Vexame é mestre que ensina.

 

Foi o alferes Eulino

Levou quatorze soldados

Foram todos prevenidos

E muitos recommendados

Mas quando não esperavam

Foram todos atacados.

 

Antes de chegarem lá

A força foi emboscada

Trovejou balla trez horas

Fuzilaria serrada

Mas o alferes disia

Força no dedo negrada.

 

O cangaceiro Cajú

Gritou a força eu lá vou

Vocês podem me matarem

Porém eu mostro quem sou

Este cangaceiro velho

Faz o que o mestre encinou.

 

O alferes como uma cobra

Que com cachorro se assanha

Gritou espera mulato

Tu ja perdes a façanha

Hoje te mostro Cajú

Como te quebro a castanha.

 

Respondeu-lhe o cangaceiro

Senhor alferes Eulino

Todo vulto quanto vejo

Me parece pequenino

Enfrento gigante enorme

Pençando que é menino.

 

E se vossa senhoria

Pretende d’esta escapar

Ajunte seus soldadinhos

Não faça se demorar

Com metade da força

Talvez não possa voltar.

 

Então tirando a camisa

Ficou alli quasi nú

Fazia voltas no corpo

Como uma surucucú

Foi tal que o alferes disse

Briga bonito o Cajú.

 

Uma hora e dez minutos

Sustentaram o tiroteio

Alli o alferes disse

Cajú está fazendo feio

Baixou-lhe uma carabina

Torou-o de meio a meio.

 

Cajú antes de morrer

Ainda disse uma cousa

N’essa gente de Theophanes,

Tem onça, gato e rapôsa

Rompêr fogo dessa forma

Só filho de mariposa.

 

Emboscaram mais do que onça

Marcaram bote que só gato

Qualquer um soldado desses

É capaz de pegar rato

Um d’elles inda aleijado

Pega viado no mato.

 

VILLA NOVA NA PRIZÃO

Quem foi que trouxe-me aqui

Nesta prisão ascarosa

Esta tortura amargosa

Quem foi que me fez passar

Foi minha sorte mesquinha

Que zombou do meu futuro

Lançou-me aqui n’este escuro,

Pra nelle eu me acabar.

 

Meu Deus, meu Deus, que destino

Foi este que tú me d’este?

Dizei-me por que quisestes

Levar-me ao nível do pó?

As angústias mais crueis,

Por sobre mim estão passando

O mundo de mim zombando

E eu coberto de dó.

 

Mas não tem nada é a sorte

Que persegue o desgraçado

Foi risonho o meu passado

Triste e negro o meu futuro

Nunca mais serei ninguem

Perante a sociedade

Fui nascido em claridade

Estou pronto posso môrrer.

 

Se já nasci para o carcere

N’elle um dia hei de morrer

Hei de cumprir o dever

Que manda a tyranna sorte,

Eu vim em expiação

Tive existencia perdida

Ja luctei muito na vida

Irei descansar na morte.

 

Meus inimigos me vendo

De ferros tão carregado,

Dirão este desgraçado

Nunca mais tem esperança

Porém o homem de senço

Dirá esta creatura

Hoje sofre esta amargura

Porém fez bom na vingança.

 

Meus filhos podem dizerem

Somos filhos de homem pobre

Mas sentimento de nobre

Carater crystalisado

Ninguem pisou-lhe o pescoço

Nem derribou-lhe o chapéo

Foi a cadeira de réo

Mas não ficou desfeitiado.

 

*Fotos: 1- Poeta Leandro Gomes de Barros; 2- Prédio da cadeia de Garanhuns, local da chacina de 1917; 3- Capa do cordel "Victimas innocentes de Garanhuns".

 

 


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