O dia 7 de setembro chega e evoca em minhas memórias cansaços. Medito
comigo mesmo as muitas místicas libertárias do país, o mito de sua
independência. Este país jamais foi livre. Sob o seu vasto Sol tropical, a
morte é a sua marca. A morte dos índios sob séculos de genocídios, curra nas
matas e isolamento. A morte em massa de negros, desde os navios famintos do seu
sangue e de seus braços, do ventre das mães negras, da lágrima de milhões de
almas condenadas ao degredo. Nunca fomos independentes.
Antes, as elites do atraso, ontem ou hoje, sempre atraiçoaram as lutas
fraternas por igualdade e liberdade. Nossa ordem é a ordem da opressão política
e estatal dos ricos sobre dezenas de milhões de humilhados e ofendidos. Nosso
progresso é o progresso de uns poucos sobre um imenso país de miseráveis,
deserdados de qualquer futuro.
Os mitos civis e militares, fundadores de uma pátria inexistente, são na
verdade uma falácia travestida em verde e amarelo. A República nasceu de um
golpe, de uma traição militar. O Império nasceu de um arranjo pelo alto, entre
as próprias elites nacionais e portuguesas, e foi pago a peso de ouro. Não há
liberdade possível quando o custo dela pode ser avaliado em moedas.
Não há independência real sem o sangue vencedor das guerras libertárias.
Daí a mentira essencial que grita desde o Hino Brasileiro, um apanhado de
mistificações que a história mesma nega nas entrelinhas. Daí a mentira das
cores que nos associam a duas casas dinásticas europeias, e nada têm a ver com
ouro, matas verdes e céu de azul anil. Deus dos céus! Quanta mentira fundou e
sustenta este mito de país que até hoje, por isso mesmo, jamais se constituiu
em nação.
Somos em essência um imenso navio de negros e pardos conduzido ao
malogro pela ganância e vileza de militares, políticos e plutocratas
radicalizados pelo conservadorismo político-ideológico insano, enquanto
expoliam as riquezas do país e traem os mínimos valores republicanos
consagrados na história mundial. Até quando a mentira vai prevalecer?
Até onde vamos suportar essa elite predatória, com complexo de
inferioridade, racista e estúpida? Se eu tenho uma bandeira, jamais será essa
de mitos travestidos de patriotismo. Se eu tenho um hino, jamais será esse de
uma retórica que a história desmente. Se haverá um país, jamais será esse
dominado por odiosos tipos toscos, servis, canalhas e corruptos, tocados como
rebanho pelas trombetas apocalípticas de loucos.
*Roberto Numeriano é jornalista, professor e cientista político.
**Imagem: Samuel Marques
Nenhum comentário:
Postar um comentário