PAIXÃO E MORTE


Manhã de Sexta-Feira Santa no mundo cristão e católico. Preparo o meu uniforme, como fiz a vida inteira, pois vou trabalhar à tarde. 

Na matriz, meditam “as Dores de Maria” ou a “Via Sacra”. Escuto “pela Virgem Dolorosa, Vossa Mãe tão piedosa...” O canto me faz refletir, enquanto desfaço um amassado no tecido branco. 

Quantos são condenados a outros calvários no dia de hoje e noutros que vivemos e viveremos? Nestes tempos incertos de trevas, sobretudo de falta de consciência e amor, de doença, dor e morte. 

Há os que são condenados aos calvários diversos, em todo canto, a qualquer hora. Há sempre uma mãe com a sina, há quem diga destino ou sorte curta ou mesmo sem sorte, que igual a Maria de Nazaré, ver o Filho seguir no Caminho do Calvário, com a Cruz que lhe impuseram. 

Seguem para os calvários modernos. O calvário da fome, que é antigo e cuidadosamente mantido, da falta de moradia, de trabalho, de segurança, de vacinas, da falta de leitos nos hospitais, das emergências lotadas, dos postos de saúde sem medicamentos e materiais, dos colegas negligentes, dos profissionais exaustos, dos juízes omissos e dos governantes convertidos de empregados do Povo a patrões ou algozes, novos déspotas não-esclarecidos, jamais merecedores, legitimados pelo voto corrompido pelo poder econômico ou pelas leis oportunas e arranjadas da República. 

E as Marias de nosso tempo, do nosso mundo, desse País, desse Estado e desse Município, continuam a encontrar seus filhos nesses calvários atuais ou a recebê-los “ao pé de novas cruzes”. Não mais da tirania romana, na empoeirada Judéia doutrora, mas agora nos corredores de hospitais lotados, nos IMLs fétidos, nos pátios das prisões, nas valas dos morros, nas estradas ermas dos sertões nordestinos, nos rincões ribeirinhos da Amazônia, nos escombros da Síria arrasada pela guerra civil, nos arredores do Vaticano onde Francisco ver os anos pesarem, de olhos no mundo e no céu, nas madrugadas geladas ou nos desertos quentes d’África... 

Nas favelas do planalto central e também, aqui! Muitas mães não choram. Não têm lágrimas ou não lhes permitem chorar. Tudo passa. Tudo segue. O tempo é digital. A progressão é geométrica. Uns sorriem. Outros ignoram. Outros escrevem. Penso que só porque estamos na Semana Santa, não há necessidade de crucificarmos novos Cristos! Para que condenar pretensos criminosos, para que “lavar as mãos” de novo? 

Há calvários demais e o mundo não pode ser convertido num cemitério, onde as gavetas estão nas calçadas. O mundo foi criado para ser um novo Jardim no Universo. Esperemos com Esperança a manhã do Domingo de Páscoa. Cremos na Ressurreição.

Garanhuns-PE, sexta-feira, 2 de abril de 2021, da Paixão e Morte de NSJC.

Dr. Ulisses Pereira – Médico

 

Um comentário:

  1. Este texto nos mostra
    com uma precisao cirurgia a dura realidade que o pais, lamentavelmente esta vivendo

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