Há alguns meses, escrevi um
artigo chamado “sociedade sem estado”, referindo-me a um fenômeno conhecido por
“libanização”. Esta expressão designa a inexistência de Estado, instituições
políticas organizadas, autônomas e independentes. E manifestava apreensão sobre
a inquietante associação do clã Bolsonaro com milicianos que operam no Estado
do Rio de janeiro. O elo de ligação seria o assessor do filho de Bolsonaro, cognominado
de “Queiroz”, que nunca prestou depoimento à polícia sobre as fantásticas
movimentos financeiras na conta do filho mais velho do Presidente.
As últimas medidas tomadas pelo chefe da nação
só alargaram o campo da aquela inquietação original. Intervenção na Polícia
Federal do Rio de janeiro, intervenção no Coaf, intervenção na Receita Federal.
Tudo isso é um forte indício de desmonte de instrumentos legais de controle e
fiscalização de crimes financeiros e fiscais praticados por bandidos de
“colarinho branco” no Brasil (malandros federais, como dizia a música de Chico
Buarque de Holanda). Quando se sabe que algumas dessas investigações tinha como
alvo exatamente as contas do filho de Bolsonaro, inclusive os bens não
declarados à Receita, por ocasião do registro d e sua candidatura na Justiça
Eleitoral fluminense, entende-se a preocupação do chefe em neutralizar a ação
investigatória dessas instituições públicas.
O significado profundo dessa anomalia
administrativa é blindar as operações não contabilizadas, o verdadeiro duto de
recursos que enchem as burras de integrantes desse clã familiar. O estado do
Rio de janeiro é conhecido como um território de guerra entre facções e bandos,
por onde flui diuturnamente o contrabando de armas e drogas. E muita gente se
beneficia desse estado de ilicitude e beligerância. Antigamente, falava-se de
um estado pararelo, naquela unidade federativa. Hoje o paralelismo deu lugar a
uma unidade entre o legal e o ilegal, sob as barbas do Poder judiciário
brasileiro.
Ao intervir
discricionariamente na cúpula daquelas instituições fiscalizadoras, acendeu a
luz vermelha da ultrapassagem da tênue linha que separava a contravenção da
legalidade, instaurando a primeira no coração das instituições republicanas. O
país não pode e não deve ser governado como uma casa-grande de uma fazenda ou
um distrito rural, onde pontifica a vontade incontrastável de um déspota ou
mandatário, sob pena se tornar inviável a vida republicana, laica e constitucional.
Uma republiqueta de “bananas”, onde a vontade imperial do chefe manda e
desmanda, faz e desfaz, desrespeitando os comandos constitucionais, a autonomia
dos poderes, corrompendo os parlamentares e ameaçando os juízes. E para coroar:
destruindo os nichos do pensamento crítico (as universidades) e os direitos
arduamente conquistados pela população.
É a esta a nova interpretação
da história, simbolizada na reabilitação da memória de um torturador cruel que
se quer contar, agora, para a posteridade?
*Michel Zaidan Filho é cientista político e professor da UFPE.
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