Por Junior Almeida
Muito já se falou sobre o Rei do Baião, inclusive aqui neste espaço. Em uma outra oportunidade, por exemplo, postamos sobre fatos da sua juventude, mesmo antes de se tornar um artista famoso e sonhava em ser cangaceiro do bando de Lampião (aqui), mas dessa vez, publicamos um texto diferente, de uma passagem pouco conhecida para a maioria das pessoas. Para lembrar a data de hoje, onde se completa trinta anos da morte do pernambucano do século XX, narramos abaixo a sua passagem pela cidade de Capoeiras. Foi assim:
Luiz
Gonzaga além de toda história musical maravilhosa que todos já conhecem, foi
protagonista de fatos incríveis em sua vida pessoal, relatos que mostram o lado
humano do Rei do Baião. Por exemplo, o cearense Raimundo Fagner contou certa
vez numa entrevista na TV, que os dois viajavam numa turnê do show que faziam
em parceria, de um disco, dos vários que gravaram juntos, quando passavam de
carro por uma cidade no interior do Ceará, e Luiz Gonzaga avistou um pequeno
circo às margens da estrada.
O
circo era o chamado “tomara que não chova”, pois a lona de cobertura tinha mais
buracos do que uma tábua de pirulitos. “Seu” Luiz mandou o motorista encostar o
carro e foi falar com o dono do circo. Conversou com ele e, disse que ia fazer uma
apresentação no local, com o cachê dividido meio a meio para os dois, e que ele
mandasse o carro de som anunciar.
Claro
que o dono do circo nem pestanejou. Depois dos anúncios na cidade, na hora do
espetáculo o circo estava derramando de gente, e isso com o preço do ingresso
majorado. Na hora da divisão do dinheiro, Gonzaga pegou a parte que lhe cabia e
deu ao dono do circo, mandando que ele ajeitasse sua casa de espetáculos,
principalmente as lonas. O homem foi ao céu com a atitude do Rei. Assim era
Gonzaga.
Outro
caso parecido se deu em Capoeiras, interior de Pernambuco. O ano era 1985 e o
país estava na mão do primeiro civil depois de 20 anos de ditadura, José
Sarney, o vice-presidente que assumiu depois da morte de Tancredo Neves.
Pernambuco era governado pelo professor Roberto Magalhães e em Capoeiras o
prefeito era Manoel Reino da Silva.
O
colégio municipal de Capoeiras era dirigido pelo pulso forte Padre Geraldo
Batista de Lima, tendo como vice-diretora a professora Maria Nazaré. Nesse ano
já se desenhava a disputa do ano seguinte para governador e deputados federais
e estaduais. Em 1986 venceria a eleição em Pernambuco o experiente Miguel
Arraes, derrotando o jovem usineiro José Múcio Monteiro. No educandário a
preocupação da turma de segundo ano do curso de magistério era outra, as moças
se preocupavam com a festa de formatura no ano seguinte.
Algumas
alunas da turma, dentre elas Célia Rodrigues, Jozelma Macedo, Maria Quitéria
Nunes, Maria Valdete Silva, Maria Almeida, Vandinha Reino, Cleonilda Reino,
Lúcia de Belizário e Vera de Ginaldo, debatiam para decidir quem convidar para
padrinhos e paraninfos de sua turma. Certa frustração existia em meio o
alunado, pois alguns convidados para padrinhos e paraninfos além de não virem
para solenidade, não se davam ao trabalho de nem dar uma satisfação. Outra
coisa que não agradava era a censura, pois o nome de Marcos Freire foi sugerido
como paraninfo de uma turma, mas foi vetado pela direção, que sugeriu Nilson
Gibson ou Cintra Galvão, os deputados da situação local. Resquícios da
ditadura.
O
corpo docente do colégio era enorme, e alguns dos professores do magistério
eram Gesseraldo, Oliveira, professor de educação física e sargento do Exército,
João Moura e Agostinho Jessé, sendo que esse último foi quem deu a ideia às
alunas para que elas ao invés de convidar um político para ser paraninfo de sua
turma, chamassem um artista.
Agostinho
sugeriu três nomes: Alceu Valença, nascido na vizinha São Bento do Una, a qual
Capoeiras pertenceu, Dominguinhos, da também vizinha Garanhuns e o mais
distante e mais difícil artista, o Rei do Baião Luiz Gonzaga. As moças da turma
redigiram um ofício/convite, dizendo local e data da formatura, e enviaram pra
Exu, no endereço de Gonzaga. Foi um convite despretensioso, as alunas nunca
receberam resposta de Luiz Gonzaga ou de sua assessoria, portanto não esperavam
o “velho Lua” em sua festa. Seria o artista assim como os políticos, mais um a
ignorar um convite de alunos do colégio de Capoeiras.
Dezembro
de 1986, dia da festa de formatura e conclusão das oitavas séries na cidade.
Desde cedo os salões de cabeleireiros e manicures estavam lotados. Toda mulher
queria ficar bonita pra festa de logo mais. O que mais se via na cidade eram
mulheres com bobs e papel alumínio na
cabeça, parecia um desfile desses acessórios.
À
noite a missa na igreja, solenidade no colégio e um baile no clube local faziam
parte da programação. Já ao entardecer um carro estranho na cidade rodando a
praça principal. Era Gonzaga, em corpo, alma, talento e simpatia que tinha
vindo pra festa. Foi uma agonia danada das formandas, pois ninguém esperava o
Rei do Baião na festa.
Célia
Rodrigues, uma das novas professoras foi encarregada de receber o ilustre
convidado, o levando para casa do seu irmão, o empresário José Carlos, que
viria a ser vice-prefeito do município a partir de 1988. A casa de Zé Carlos
ficou lotada de gente querendo ver Gonzaga. Não era todo dia que se tinha uma
oportunidade de ver tão grande forrozeiro, o maior de todos, o célebre Rei do
Baião.
No
meio de tanto tiete, estava eu e meu amigo Josival Santana, o Treze, os dois
com quatorze anos de idade. Queríamos conhecer Luiz Gonzaga, falar com ele,
tocá-lo, se desse conseguir um autógrafo ou uma foto. Só tinha um pequeno
problema: a vergonha de chegar ao Rei. A timidez da idade, misturado com a
nossa matutisse e mais a imponência
do nome Gonzaga, nos deixava sem coragem de fazer nada.
Treze
mais afoito disse que enfrentaria. Do lado da casa existia um mercadinho, que
era de Natércio Melo, e na fachada um cartaz de propaganda do Café Ouro Verde,
o qual nós rasgamos para tentar a assinatura do Rei. Treze embocou na frente de
casa adentro, e eu atrás dele. Já na sala de visitas o Rei estava. Sentado num
sofá, de perna cruzada, vestido num conjunto de mescla claro e contrastando com
a roupa sertaneja/cancaceira, um moderno tênis esportivo. Ele de costas para
que estivesse entrando na casa, conversava com as muitas pessoas que foram lhe
ver. Assim que entramos, falamos igual, eu e Treze:
-
Seu Luiz...
Ele
se virando no sofá, soltou aquele tradicional “ho ho”, e perguntou o que queríamos. Prontamente mostramos a caneta
e o pedaço de papel, dizendo que queríamos um autógrafo. Com a maior simpatia
do mundo ele nos atendeu, e conseguimos nossas relíquias. Ainda ficamos um
tempo vendo e ouvindo Gonzaga conversar. O que prestei atenção nele, é que ele
sempre usava o “ho ho”, se admirando ou respondendo algo.
Da
residência em que se encontrava, Luiz Gonzaga seguiu para igreja matriz, onde
no altar de São José, entôo apenas no
gogó, algumas de suas poesias em forma de música. Foi inesquecível para
cidade. A igreja que normalmente lotava em missas de formatura encheu mais
ainda de gente querendo ver o Rei do Baião de perto.
O
sanfoneiro de Exu ainda foi para o colégio municipal, onde como paraninfo da
turma de magistério cortou o bolo da festa, fazendo com que aquela formatura de
1986 fosse inesquecível para a cidade e principalmente para as formandas, que
ainda nos dias de hoje se gabam de serem afilhadas do pernambucano do século
XX, o maior ícone da música nordestina, o Rei do Baião.
*Crédito da foto: Agostinho Jessé.
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