Por Altamir Pinheiro
Quem
neste mundão de my god é cinquentão, curtiu adoidado o Mensageiro ou
Profeta do Apocalipse, no final de uma era nas saudosas décadas de 70/80 do século passado. Quem viajou no TREM DAS SETE sabe muito bem do que estou
falando... Raul Seixas era um poeta, místico e filósofo catastrófico. Para ele
o fundamento da verdadeira Sociedade Alternativa, consistia em jamais viver de
acordo com a ideologia daqueles que venderam suas vidas para si mesmo ao
pequeno preço de serem apenas eles pelo resto de suas vidas como está bem
filosofada na música Ouro de Tolo. Segundo o seu próprio espírito caído, cego,
surdo e perdido. Mas, nunca é tarde para começar tudo de novo!!! Raul Seixas
deixou um vácuo gigantesco na música e na cultura moderna, especialmente no que
diz respeito a sua mensagem que não foi completada por ter morrido com apenas
44 anos de idade, lamentavelmente. Eis uma frase que ele repetia sempre:
Ninguém tem o direito de me julgar, a não ser eu mesmo. Eu me pertenço e de mim
faço o que bem entender.
O
rei do rock brasileiro tinha uma missão ímpar, sem igual, fantástica, com
seu jeito rebelde aos velhos tabus, às regras e paradigmas impostos pelo
caótico e anacrônico capitalismo selvagem, desumano e cruel da ditadura e das
falsas religiões e agora, para completar a tampa do tabaqueiro, essa desastrada
maneira ou safadeza que foi o modo de governar tanto do PT da
Dilma doida quanto o de hoje do maluco Bolsonaro. Tudo isso
ele tratou e dissertou com muita maestria, destreza e habilidade na fenomenal e
escultural letra METAMORFOSE AMBULANTE. Raul Seixas era quase imbatível.
Ao lado de seu parceiro Paulo Coelho, “Raulzito” construiu um dos repertórios
mais substanciosos e volumosos em termos poéticos filosóficos que se tem notícia
na história da música brasileira. E tome filosofia: Meu egoísmo é tão egoísta
que o auge do meu egoísmo é querer ajudar.
Foi
isso que tornou o “cara” uma lenda e arregimentou uma comitiva de fãs
mais chatos da história da galáxia – como não lembrar dos caras pentelhos que
ficam gritando até hoje “TOCA RAUL” até mesmo em show de heavy metal.
Apesar disso, a obra de Raul sempre permaneceu muito acima dessa idolatria cega
e estúpida. Algo, inclusive, que ele sempre reprovou. Raul foi o nome
mais importante do rock brasileiro e teve forte influência para os roqueiros
que surgiram depois dele. Natural de Salvador, passou a adolescência ouvindo
muito rock'n'roll, particularmente Elvis Presley, Little Richard, Jerry Lee
Lewis e Chuck Berry, e blues dos negros do sul dos Estados Unidos, sem deixar
de lado o baião do Gonzagão e repentistas nordestinos. Não é à toa que ele
gostava de afirmar que, Luiz Gonzaga era o rei do rock e Elvis Presley o
rei do baião.
Embalado
por esse caldeirão rítmico e seduzido pelos ideais alternativos da geração do
pós-guerra e pelo misticismo, deu asas a sua anárquica guitarra e tornou-se o
ídolo de diversas gerações, que incluem desde jovens rebeldes da classe média e
do subúrbio das grandes cidades, até empregadas domésticas, caminhoneiros,
empresários e até padres. Alguns de seus maiores sucessos são Metamorfose
Ambulante, Trem das Sete, Como Vovô Já Dizia, Medo da Chuva, Al Capone e Cowboy
fora da lei. Quando jovem, começou, como ele mesmo disse, "a usar cabelo
de James Dean, blusão de couro e beber cuba-libre, o que espantava meus pais
burgueses de classe média". Trocou sua lambreta por dois velhos violões e
um contrabaixo e formou seu primeiro grupo de rock, O Relâmpago do Rock, em
1962. O grupo passou a se chamar The Panthers, Raulzito e os Panteras e, por
fim, Raulzito e Seus Panteras.
Tocou
em vários clubes de Salvador e em programas de rádio. Em 1967, a convite de
Jerry Adriani (falecido em 2017), o grupo partiu para o Rio de Janeiro. Depois
do lançamento fracassado de um LP homônimo, se dissolveu. De volta a Salvador,
em 1970, Raul foi convidado a trabalhar como produtor de discos da CBS.
Participou em 1972 do VII Festival Internacional da Canção (FIC), da Rede
Globo, com a música Let me Sing, Let me Sing, cantada por ele mesmo, e Eu Sou
Eu, Nicuri é o Diabo, por Lena Rios. Depois de ter sido expulso da gravadora
por ter participado do festival, lançou seu primeiro disco-solo, KRIG-HÁ
BANDOLO! (1973). Foi perseguido e preso pelo Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS). Exilou-se nos Estados Unidos. Retornou ao Brasil devido ao sucesso
do LP Gita (1974), que vendeu mais de 600 mil cópias. Como também a composição
Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás (1976), que alcançou um estrondoso sucesso.
Raul
Seixas nasceu na manhã do dia 28 de junho de 1945, na cidade de Salvador.
Autodeclarado filho do pós-guerra, ele cresceu sob a influência do modo de vida
propagado pelo vindouro movimento contra cultural. Contra as atitudes
combatentes do sistema, curtição e ações pacíficas. O novo comportamento, que
no Brasil foi apelidado de desbunde, era praticado pela turma que escutava
rock, lia os poetas universais, fazia filmes em Super-8, não cortava os cabelos
e preferia fumar maconha a pegar em armas. A “anarquia”, longe de ser uma
simples alienação nos anos de chumbo do regime militar, foi uma atitude
intempestiva e marginal que transgredia as normas sociais e políticas então
vigentes. Na procura de uma nova forma de pensar o mundo, o desbunde tornava-se
uma perspectiva capaz de romper com a razão instrumental e o militarismo
característicos tanto das direitas quanto das esquerdas. Por isso era uma
pessoa versátil e não estática: Eu prefiro ser essa metamorfose
ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.
Pesquisando
muito no Google e relendo alguns livros de minha coleção sobre Raul,
constata-se que ele era totalmente avesso a qualquer tipo de autoridade,
valorizou tanto o individualismo, quanto a heterogeneidade e a pluralidade. A
ética universal impositiva foi substituída pelo pluralismo normativo, com o
decorrente enaltecimento da Metamorfose Ambulante, isto é, do indivíduo
fragmentado, descentrado, disposto a afirmar sua singularidade contra o rigor
de todas as opressões. Na discografia do MALUCO BELEZA os irracionalismos, as
antíteses e os antagonismos extremados ocupam o centro da cena. A sua música é
um mosaico exemplar da contracultura. Ele mistura, em sua obra, diferentes
ritmos e estilos musicais, poesia e música, filosofia e astrologia, ocultismo e
religião, crítica social e outras cositas más, tudo regado ao uso de drogas
lícitas e ilícitas. Em sua veia poética, alucinadamente conclamava: Basta ser
sincero e desejar profundo, você será capaz de sacudir o mundo.
Com
essas características, suas músicas muitas vezes são recusadas por intelectuais
e ativistas engajados, enquanto nem sempre são compreensíveis para as massas
incultas. Conforme reza em sua vasta biografia arquivada nas bibliotecas
virtuais, ele era atento às tensões políticas e socioculturais de seu tempo, um
esperançoso compositor oferecia ao público a promessa de superação do
sofrimento imposto pela sociedade autoritária. Diante das dificuldades de mudar
os pressupostos sociais e políticos que geram a barbárie, sua arte assumiu como
principal meta a formação de indivíduos autônomos, autocríticos e com vínculos
sociais, eliminando, no que têm de fundamental, as condições que geram a
alienação e a violência. Incansável rebelde repetia sempre: Eu tenho uma porção
de grandes coisas para conquistar, e eu não posso ficar aqui parado.
Todavia,
uma proposta política concreta estava ausente. Não é à toa que ele NUNCA se
ligou em usar boinas ou camisas do mito Che Guevara, o ídolo da juventude
estudantil daquela época, como fazia o saudosista e apaixonado escriba que ora
vos fala ou tecla em seu computador. Não podemos esquecer que Raul Seixas,
autodeclarado “Mosca na Sopa” e “Carpinteiro do Universo”, primava pelo “banda
voou” ou mesmo o “puta que pariu”, proposta estética e política que apresenta a
arte como divertimento, gozo, celebração, paixão, sempre à margem dos valores
dominantes: caretas, opressores, racionalistas e bélicos. Como ele mesmo dizia:
Não diga que a vitória está perdida. Tenha fé em Deus, tenha fé na vida. Tente
outra vez!!!
Sua
limitada resistência política se dava por essa via. Para nos salvarmos da
opressão, mantendo a fidelidade às utopias não realizadas, o RAULSEIXISMO nos
ensina que não devemos esperar o messias ou um líder revolucionário, mas sim
reparar as injustiças e buscar erguer uma SOCIEDADE ALTERNATIVA a partir da
união coletiva de vontades individuais. Raul Seixas exortava insistentemente ao
individualismo, instigando seus interlocutores a abraçarem sozinhos os próprios
caminhos. Se assim procedia é porque sabia que, enquanto o venerassem, negariam
a própria autonomia. Lúcido, ele não se identificava como um sábio, santo,
profeta ou redentor do mundo. Ao mesmo tempo, convidava os fãs a
questionarem-se a respeito de si mesmos e de suas vidas preservando a todo
custo a paixão e o amor ao próximo ao cantarolar: Hoje eu sei que
ninguém nesse mundo é feliz tendo amado uma vez.
Opor-se
a determinados vínculos viciosos de uma sociedade perversa e hipócrita era seu
lema. Quase 75 anos após o seu nascimento e três décadas depois de sua
morte, a obra de Raul Seixas permanece com sua tamanha importância por
sua força imaginativa, utópica, por sua expressão e percepção das
(im)possibilidades que permeiam a vida contemporânea. A sua vida nos revela a
necessidade de assumirmos a existência como tarefa, uma tarefa da liberdade,
que consiste na entrega à descoberta de nossas próprias possibilidades de
existência. Pelo fato de ser uma construção permanente, um caminho de
realização (NASCIMENTO E CRIAÇÃO) e desrealização (MORTE E DESTRUIÇÃO), essa
tarefa só é concluída com a morte. O imortal Raul viajava no tempo com frases
cortantes, magníficas e delirantes como esta: Eu nasci há dez mil anos
atrás. E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais.
Em
21 de agosto de 1989, dois dias após o lançamento do LP "A PANELA DO
DIABO" e cinco dias depois do maior eclipse lunar do século XX, Raul
Seixas faleceu de PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA PROVOCADA POR PANCREATITE CRÔNICA
E HIPOGLICEMIA. A governanta Dalva Borges foi a primeira a encontrá-lo em seu
apartamento na Rua Frei Caneca, em São Paulo. O corpo do compositor foi velado
no Palácio das Convenções do Anhembi, na capital paulista, para onde uma
multidão convergiu a fim de lhe prestar as últimas homenagens, seu sepultamento
foi realizado em Salvador. Os fãs tornaram-se órfãos da utopia, de sua ilusão,
concepção e sonho, além da extravagância e excentricidade do Maluco Beleza:
Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual, eu do
meu lado aprendendo a ser louco, um maluco total.
Hoje,
o grande desafio de todos aqueles que, seguindo as ideias de RAUL SEIXAS,
sonham e lutam por ideais utópicos que se mostraram inalcançáveis, será a
dedicação a novos ideais, à descoberta de novos caminhos, pois sonho que se
sonha junto é realidade, já dizia o compositor na canção “PRELÚDIO”, do LP “Gita”,
de 1974. POIS É!!! E lá se vão 30 anos... Lembro-me muito bem do local
onde estava naquele exato momento na fatídica noite de segunda-feira quando
através do apresentador Sérgio Chapelin, no Jornal Nacional, anunciava a
morte daquele que se dizia: Eu sou a vela que acende, eu sou a luz que se
apaga, eu sou à beira do abismo, eu sou o tudo e o nada.
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