Por Junior Almeida
Virgulino Ferreira, o Lampião, é o brasileiro mais
biografado da história. Passam de mil as obras sobre o célebre bandoleiro que
viveu e fez fama nos primeiros anos do século passado. Praticamente tudo já foi
dito sobre o cangaceiro e as pessoas com quem ele conviveu. Pelos livros sabe-se,
por exemplo, da sua altura, seu manequim, número da alpercata, cor dos cabelos,
sua bebida, armas e perfume favorito, marca da armação dos óculos, com que mulheres
se relacionou, poderosos que deu e recebeu presentes, quantos ferimentos, seus
inimigos mais odiados, além das famosas batalhas. Podemos afirmar que já foi
feito uma devassa na vida do cangaceiro.
Mesmo Lampião tendo já a vida estudada a fundo durante
mais de um século, vez por outra aparece alguma suposta novidade sobre o “Cego
de Vila Bela”. São virtudes “descobertas” por admiradores de Lampião e jogadas
na conta do cangaceiro ou então mais defeitos do que ele teve em vida, que vêm
a público através de livros. Em 2009, por exemplo, um fotógrafo mineiro
anunciou uma obra (foto) que prometia mudar tudo que se sabia sobre Lampião e o
cangaço. José Geraldo Aguiar dizia que Virgulino Ferreira e Maria Bonita tinham
forjado suas mortes em 1938 morrendo muitos anos depois em Minas Gerais.
Balela! Embora não tenha parecido ter sido má fé do autor em publicar tanta
bobagem, mas, Geraldo, crédulo e sem experiência, publicou o que não devia, e o
fato é que o livro caiu no completo descrédito.
Dois anos depois do inocente livro do escritor mineiro
quem anunciou uma “descoberta estarrecedora” sobre o Rei do Cangaço foi o juiz aposentado
Pedro Morais. Segundo o autor, Lampião era gay, e como se isso fosse pouco de
novidade, o escritor diz ainda em seu livro, Lampião o Mata Sete (foto), que o bandoleiro vivia em um curioso triângulo
amoroso com Maria Bonita e o cangaceiro Luiz Pedro, seu cabra de confiança. A obra foi parar na justiça e os pesquisadores
do tema caíram de pau e pedra no livro e no autor. Até inimigos históricos do rei
dos cangaceiros defenderam a honra de
Virgulino. Um pesquisador de Floresta, no Sertão do Estado, da família dos
maiores inimigos do célebre cangaceiro, declarou:
Lampião tinha defeitos e muitos, mas não
podemos dizer o que ele não tinha. Absurdo tal afirmação.
Batendo de frente com o livro de Pedro Morais, o
delegado sergipano Archimedes Marques
escreveu Lampião Contra o Mata Sete (foto),
onde rebateu ponto a ponto as falácias do livro que em tese desmoralizava Lampião.
O delegado/escritor bateu pesado na obra de Pedro Morais, e deixou claro para
quem entende o mínimo de cangaço que a obra não passa de mais uma que veio para
desinformar o leitor, um livro a não ser lido.
Agora outra obra promete colocar mais lenha na fogueira
dos debates sobre cangaço: o livro Maria
Bonita – Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (foto 1), da jornalista Adriana Negreiros, que chega às
livrarias amanhã (31), mas que tem seu lançamento oficial no dia 13 de setembro
em São Paulo. A pesquisa da autora, mesmo antes de chegar às mãos do público, já
vem dando o que falar nos grupos que discutem cangaço e outros temas
nordestinos nas redes sociais. O estopim das discussões foi a sinopse do
trabalho de Adriana Negreiros, que dá uma ideia no que o que vem por aí.
Algumas matérias se referem ao livro de Adriana como
sendo a primeira biografia de Maria Bonita, o que já deixa vários pesquisadores
numa situação de desconforto, pois já foi falado e muito sobre Maria de Déia,
inclusive com livros só sobre a sua vida. Segundo o que se noticia, a
jornalista diz ter muitas novidades sobre Maria Bonita, dentre ela que a
cangaceira servia de espiã para Lampião, que era chegada aos luxos de usar roupa
seda em meio à caatinga, comer passarinho ao vinho e tocar bandolim, informação
essa uma das mais relevantes e inéditas até então.
Semelhante ao que fez Archimedes Marques com o livro de
Pedro Morais, João de Sousa Lima (foto),
escritor pernambucano, radicado em Paulo Afonso, Bahia, um dos mais respeitados
do país nos estudos de cangaço, foi um dos que resolveu rebater várias
informações de Adriana Negreiros contidas em seu livro. O pesquisador, que foi
responsável pela restauração da casa que nasceu Maria Bonita, usou seu blog
para mostrar, segundo ele, as incoerências da autora Adriana Negreiros.
João de Sousa, que escreveu há pelo menos quinze anos “A Trajetória Guerreira de Maria Bonita, A
Rainha do Cangaço” (foto), diz em seu texto que ouviu fontes seguras como as
cangaceiras Durvinha, Antônia de Gato, Aristéia Soares, Adília, Dulce e Maria
de Juriti, além de coiteiros, cangaceiros e volantes, e nenhum deles confirma
as informações apresentadas por Adriana em seu livro.
O escritor se diz estarrecido com, segundo ele, uma
pesquisa pouco ajustada da jornalista na qual se percebe falta de conhecimento
e levantamentos imprecisos, e pergunta:
Já
não basta o irresponsável Pedro de Morais e agora vem a Adriana Negreiros com
uma pesquisa fajuta e mentirosa, fruto apenas de sua imaginação, colocando
tantas inverdades na cabeça de uma leva de jovens pesquisadores que hoje
estudam e pesquisam o cangaço?
E finaliza seu texto conclamando os pesquisadores a
rebater esse tipo de obra. Diz João:
Devemos
rechaçar uma pesquisa desse quilate. Devemos cuidar com responsabilidade dos
fatos históricos e que pesquisamos com tanto afinco e desprendimento, cruzando
dias e dias de sol, chuva, picadas incertas, terrenos irregulares, ouvindo
pessoas ligadas com as histórias.
Adriana Negreiros, que é casada com o escritor Lira
Neto, talvez não tenha conhecimento que existem vários pesquisadores de peso, a
exemplo João de Sousa Lima, que estudam cangaço há muito tempo, inclusive sobre
Maria Bonita. Pode ser que tenha passado despercebido à autora que existem
seminários, encontros, expedições e instituições que vivem o dia a dia de
estudos do cangaço. Pode ter sido uma simples distração de citar seu livro como
a primeira biografia da Rainha do Cangaço, com certeza não foi menosprezo com
nomes que já tem anos e anos de pesquisas sobre cangaço. Vamos aguardar o livro
de Adriana Negreiros para saber se ela vai mudar o que se sabe até hoje sobre o
cangaço, ou se sua obra vai ser mais uma a entrar na lista dos lixos editoriais.
Em 2012 a jornalista Wanessa Campos publicou um livro em formato de reportagem. Título: "A DONA DE LAMPIÃO" – Wanessa conta muitas histórias dos cangaceiros. Mas, principalmente, fala bastantes empolgada sobre a personalidade de Maria Bonita. - Na última página do livro, Wanessa Campos registrou: "Já adulta, formada em jornalismo e morando em Recife, fui trabalhar exatamente numa editoria regional; e fatalmente iria me deparar com fatos nordestinos. Cangaço, certamente, não seria uma notícia fora do contexto. Em 1991, houve um plebiscito em Serra Talhada, terra de Virgolino Ferreira, em torno de uma pergunta: 'Lampião era herói ou bandido'? Dependendo do resultado, ele teria uma estátua de 30 metros de altura na sua cidade. A maioria votou que ele teria sido herói; mas a estátua ainda não foi erguida. – E ele não foi herói nem bandido; mas, sim, história." – Sobre as polêmicas referentes às inúmeras bobagens que escreveram a respeito de Lampião, não cabe meu julgamento. – Todavia, só uma cabeça de asno poderia afirmar que Lampião foi homossexual. – É ISSO. /.
ResponderExcluirERRATA - Leia-se: ... fala "bastante" (singular) empolgada sobre a personalidade de Maria Bonita. /.
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