Do jornalista Ricardo Melo, na Folha de São Paulo:
Teve ares de tragicomédia a
manifestação de sábado (1º) na avenida Paulista, em São Paulo. Seus objetivos
democráticos foram resumidos nas faixas exibidas. "Impugnação ou
intervenção militar"; "A maior fraude da história";
"Impeachment já". Hoje transformado em cordeiro devidamente
emasculado, um artista exigia aos brados uma recontagem de votos. Que o ato
tenha ocorrido na véspera do Dia de Finados compõe uma daquelas coincidências
autoexplicativas.
Assiste-se a um espetáculo
curioso desde a eleição. É como se Dilma Rousseff não tivesse ganho. Na
ausência de votos, setores da oposição parecem levar a sério o mantra de Carlos
Lacerda, transformado em estribilho pelas viúvas do golpismo. O político
sugestivamente apelidado de corvo dizia mais ou menos isso a adversários:
"Não pode ser candidato; se for candidato, não pode se eleger; se for
eleito, não pode tomar posse; se tomar posse, não pode governar".
Descontada a falta de
originalidade – nada como o passado quatro estrelas–, a coreografia dos
derrotados é sugestiva. O pedido de recontagem de votos feito pelo PSDB nem
sequer merece comentários. Demonstrassem os tucanos tanta celeridade para
investigar seus próprios e verdadeiros esqueletos, certamente o país já estaria
melhor.
A outra
"novidade" é a articulação para desencavar uma emenda estacionada na
Câmara desde 2006 sobre a aposentadoria de ministros do Supremo Tribunal
Federal, a "PEC da bengala". Pela regra atual, a idade limite para o
cargo é de 70 anos. Feitas as contas, de repente, não mais que de repente (com
oito anos de atraso!), a oposição "descobriu" que o governo Dilma
terá a chance de nomear cinco novos ministros da corte.
Ponha-se de lado a acusação
implícita de que o Planalto pretende domesticar o Judiciário. Isso seria
baixaria, e a turma fraca de urna é incapaz de crítica tão vil... Esqueça-se
também que o Supremo protagonizou no dito mensalão episódios de envergonhar
figuras como Sobral Pinto e mesmo Tancredo Neves, caso ainda vivos. Detalhe:
vários ministros indicados pelo próprio governo petista endossaram condenações
de réus na AP 470.
Fica evidente a vontade de
fatias oposicionistas de achar qualquer atalho para concretizar o rito
lacerdista. Sorte que vivemos outra conjuntura, o povo não é bobo e falta aos
candidatos a golpista alguém com a esperteza de um Lacerda. Por mais que tente
ocupar espaço parecido e vender gato por lebre, Aécio Neves sai como um dos
grandes perdedores. Derrotado em seus dois estados do coração –Minas Gerais e
Rio, não necessariamente nesta ordem– e humilhado mesmo em Pernambuco de
Eduardo Campos, foi salvo de um vexame maior, olha só, pelo volume morto de
Alckmin. Num partido de caciques emplumados, é fácil enxergar quem triunfou na
oposição.
Em benefício da dúvida,
recomenda-se esperar a poeira baixar antes de prognósticos definitivos. O novo
mandato de Dilma Rousseff promete uma luta ainda mais renhida pelo poder. A seu
favor, o PT tem a vitória indiscutível nas urnas e uma série de realizações no
campo social. Contra o partido, há as dificuldades econômicas reconhecidas por
todos, um Congresso sempre cheio de surpresas e fraturas internas que cobram
uma dedetização profunda baseada na Justiça. Nada impossível de superar, bem
entendido. Desde que a luz do dia ilumine as sombras de negociatas com as
elites de plantão.
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