Por Luiz Ferraz Filho*
“Uma vaca matou Zé Marcolino e eu não dava José
numa boiada”. É através desse penoso mote que lembraremos dessa fatídica data
de 20 de setembro de 1987, quando faleceu o lendário poeta José Marcolino
Alves. Nascido em 28 de junho de 1930, na Fazenda Várzea Paraíba, em Sumé,
na Paraíba, ainda garoto se esquivou das atividades rudimentares do campo para
ser um entusiasta da poesia popular nordestina, participando de encontros e
cantorias com os poetas repentistas naquelas veredas do cariri paraibano.
Aquele curiboca das terras flageladas por várzeas
desnudas, acalentava o sonho de um dia ter suas composições gravadas na voz do
Rei do Baião. Escreveu diversas cartas, mas, somente em 1961, foi possível um
breve encontro. Desanimou quando percebeu o desinteresse de Luiz Gonzaga. Meses
depois, um novo encontro e, a genialidade floresceu. Foi convidado por Gonzaga
para viajar ao Rio de Janeiro, onde gravariam um disco com seis composições de
autoria de Marcolino. As mais conhecidas foram “Serrote Agudo'', “Pássaro Carão”,
“No Piancó”, “Sertão de Aço” e “Matuto Aperreado”.
Nos anos seguintes, vieram novas composições na voz
de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Santana, Petrúcio Amorim e Flávio José, que
imortalizaram o poeta José Marcolino. Entre elas, as músicas já clássicas no
cancioneiro nordestino, como “Numa Sala de Reboco”, “Cacimba Nova”, “Saudade
Imprudente”, “Cantiga de Vem Vem”, “Fogo Sem Fuzil”, “Caboclo Nordestino”, “Quero
Chá” e “Bota Severina Pra Moer”.
Os versos dessas lindas canções entoam até hoje na
memória do povo sertanejo. Indo residir em Serra Talhada, Sertão de Pernambuco,
no final da década de 1960, presenciando ele o sucesso de “Numa Sala de Reboco”,
que se tronou um clássico da música sertaneja, onde o poeta rememorava o amor
do matuto dançando feliz na tapera de morada:
Todo tempo quanto houver pra mim é
pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala
de reboco
Enquanto o fole tá fungando tá gemendo
Vou dançando e vou dizendo
Meu sofrê pra ela só
E ninguém nota que eu tô lhe
conversando
E nosso amor vai aumentando e pra que
coisa mais mió.
Em outra brilhante música, chorava ele a saudade do
apogeu das velhas fazendas sertanejas. Dizia a canção:
Fazenda Cacimba Nova
Foi bonito teu passado
Ainda estás dando a prova
Pelo o que vejo a teu lado
Um curral grande, pendido
Um carro velho, esquecido
Pelo Sol todo encardido
Sentido, sem paradeiro
Falta de juntas de bois
Que lhe levavam de dois
Obedecendo ao carreiro.
Infelizmente, a flora agonizante da caatinga
esperando o cheiro das trovoadas e que foi inspiração para muitos versos do
poeta, tornou-se a maior testemunha daquele trágico acidente na PE-365, em
Carnaíba, Pernambcuco, quando a poesia nordestina emudeceu. Na primeira Missa
do Poeta, realizada em 1988, em tributo à memória de Zé Marcolino, um dos
maiores repentistas da nossa história, Ivanildo Vila Nova, lamentou aquele
triste dia 20 de setembro, quando nosso querido poeta sussurrou suas últimas
palavras. Disse o poeta, junto com Bráulio Tavares, autor de Nordeste
Independente:
Foi a vaca o motivo desse choro
Sem querer nos causou tanta saudade
Um poeta tem mais utilidade
Do que carne de vaca, leite e couro
Era filho de Sumé e valeu ouro
Criatura telúrica e inspirada
Escreveu um poema pra estrada
E sucumbiu nas estradas do destino
Uma vaca matou Zé Marcolino
E eu não dava José numa boiada.
Deixou viúva a senhora Maria do Carmo Alves e
numerosos filhos, entre eles, os artistas Bira Marcolino (cantor), Fátima
Marcolino (poetisa e compositora), Walter Marcolino (cantor) e o Doutor José
Anastácio Alves (médico cardiologista). Já os netos Walter Junior (cantor e
músico) e Itamar Marcolino (radialista e músico) pertencem a terceira geração
de artistas.
*Luiz Ferraz Filho é sertanejo filho de
Serra Talhada, memorialista, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pajeú,
do Centro de Pesquisa e Documentação do Pajeú, da Academia Serra-Talhadense de
Letras, do Instituto Cariri Cangaço e da Academia Brasileira de Letras e Artes
do Cangaço.
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