UM OLHAR SOBRE A OBRA DE CHICO BUARQUE


Por Michel Zaidan Filho*


Até a chegada das hostes bolsonaristas no Brasil (ignorantes, incultas, arrogantes e violentas), a  obra e a pessoa do   compositor, musico, romancista, teatrólogo e poeta CHICO BUARQUE DE HOLANDA, era uma unanimidade certa.


Excetuando-se  Fernando Henrique Cardoso, que disse certa feita preferir Caetano a Chico, não havia contestação ou dúvida do valor  da poética litero-musical do cantor.


Confessou uma vez Chico que, quando adolescente, entrou furtivamente na biblioteca do pai, o historiador Sergio Buarque de Holanda, que morria    de ciúmes de seu valioso tesouro literário. E ficou   deslumbrado com tantos volumes e obras em várias línguas.


Chico Buarque poderia ter se tornado um arquiteto criativo, mas desistiu do curso e se casou uma atriz, Marieta Severo e foi assistir aos jogos do fluminense no Maracanã. Como herdeiro de Sérgio, gostava de uma  boemia e    muita bebida.  Tímido, encantou o Brasil com uma musica singela e inocente, A BANDA.  as  fãs  jovem cantor morriam de amores pelo verde dos seus olhos e sua timidez.


A obra do compositor, que aliás tem descendência pernambucana pelo lado do avô paterno, já foi objeto de vários estudos e teses universitárias. É   de lembrar aqui   os ensaios de Afonso Romano de Santana, Leila Perrone-Moises  e o livro de uma autora mineira, há muito esgotado, "Como um desenho mágico", da editora Oficina de Livros (Belo Horizonte). 


Há muitos olhares sobre a poético de Chico: um deles ressalta  a psicologia da alma feminina;    outro,  o papel do malandro. Um terceiro discute o concretismo e a arquitetura poética de suas letras muito bem elaboradas. A verdade é que a fortuna crítica de seu trabalho divide essa obra entre uma primeira fase dos sambas de vila (sinho, cartola, Noel Rosas etc.), onde reina uma simplicidade das rimas poéticas e o papel de uma malandragem artesanal, pré-moderna (Quem não se lembra da música\filme "Vai trabalhar vagabundo"). 


Letras deliciosas, simples e engraçadas, evocando a vida dos espertinhos das periferias, cheia de ginga, conversa e  elegância. Esta fase é sucedida pela fase da participação nos festivais universitários e da   mídia televisiva, com seus programas de auditório. Aí, naturalmente, tinha de haver um giro, sobretudo  após o contato com os pais da bossa-nova: Jobim, Joao Gilberto, Vinícius   e outros.


A música de Chico abandona o subúrbio e vai para zona sul. Torna-se sofisticada, mais elaborada, intrincada poeticamente. Podemos colocar nessa fase músicas que se tornaram antológicas, junto com o coral do MPB4, o quarteto em si. Canções como: O velho realejo, Pedro Pedreiro,  Roda Viva, Rosa dos ventos,  Construção, Cálice, Apesar de Você foram imortalizadas como alegorias da vida sob a ditadura militar.   Só quem não viveu esse período das "assombrosas transações"  não cantou ou ouviu essas músicas. Muitas censuradas, cortadas e proibidas, como "Só vence na vida quem diz sim", totalmente interditada pela censura.


As composições dessa época trazem em sua textura imagens espaciais e do movimento de corpos. São onomatopeias poéticas: em Pedro Pedreiro, ouve-se nitidamente o movimento do trem, pelo qual o personagem espera ("quem ja vem, que ja vem....), Em Construção,   sente-se   a vertigem da queda do operário, através da alternância dos versos. Em Roda Viva, uma grande reflexão sobre a alienação do dia-a-dia e o conformismo das pessoas. Também em Cotidiano, uma bela reflexão filosófica. Músicas intimistas e introspectivas falando do amor desfeito. Ou essa preciosidade poética que é "Valsinha", onde a empatia com as pessoas mais simples é de cortar coração.


Mas a obra do autor vai além. Ele escreveu inúmeras peças, cheias de alegorias em relação a situação política da época: Gota d"agua, inspirada na tragédia grega (Antígona), Calabar (invertendo o sentido da  traição), Fazenda modelo (talvez, inspirado em Orwell), A opera do malandro (Inspirado em Brecht).  Peças que foram montadas e apresentadas em todo o Brasil. Como Sartre, Chico se inspirava em autores clássicos e readaptava os textos para a situação de sua época.

Depois vem a fase dos romances: Benjamin, O meu irmão alemão, Estorvo, todos publicados pela Companhia das Letras.


Chico Buarque de Holanda não se filiou a nenhum partido de esquerda (seu cunhado, Fernando Peixoto era ligado ao PCB), mas sempre se colocou no campo dos partidos de esquerda. Sempre apoiou LULA, desde a primeira candidatura, uma das mais belas campanhas eleitorais que o pais já viveu (1989). Nunca se omitiu de tomar posição em favor do que achava justo, humano e digno.


É rico? - é sim. Só de direitos autorais musicais e bibliográficos, deve receber um bom montante. Além dos shows de 500,00 o ingresso. Fala-se que tem uma ilha na França. E daí? Um artista como esse vale ouro. Não é todo dia que  aparece um de seu quilate.


Chico é da estirpe dos criadores, pais-fundadores, interpretes da moderna música popular brasileira. É um luxo, uma riqueza imensa ter um artista assim. Pior é ter um rei do futebol, ou um rei do Iê-iê-iê, ou do carnaval, que   nunca levantaram um dedo pelas causas humanitárias e sociais do país.


Longa vida a Chico. E   deixemos os invejosos, ressentidos, recalcados espernearem.


*O garanhuense Michel Zaidan Filho é escritor, cientista político e professor aposentado da UFPE.


*Imagem: Notas Musicais

Um comentário:

  1. No senário atual em que o do Brasil se encontra umas das obras de Chico Buarque a que mais se adequa no senário atual e futuro é a Música "ACORDA AMOR". Num breve tempo, do jeito que as coisas estão indo no Brasil tudo subindo em velocidade absurda para para poder se alimentar aqui no Brasil vamos ter que catarmos lixo para comer e sobreviver. Dois cantores e compositores que retratam o Brasil são: Chico Buarque (acorda amor) e Raul Seixa (O dia m que a terra Parou).

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