Há nove meses,
quando os governos estaduais – em sua maioria – decretaram quarentena, lockdown
e bloqueio de divisas, a vida se transformou num prolongado confronto entre o
iluminismo e o obscurantismo, o misticismo e o conhecimento, o curandeirismo
com medicamentos e a ciência metodológica. A ignorância sempre nega e procura
desacreditar as descobertas, o conhecimento científico, particularmente na
medicina – afinal, trata-se da vida, da morte, das causas e da cura -, visando
a fazer prevalecer as crenças e filosofias abstratas sobre a existência humana
e a relação entre a Terra e o céu ou o universo.
Em meio ao
abstracionismo, surgem os que acreditam que são “messias”, que receberam
“tarefas”, ou não acreditam, apenas falseiam sobre o desconhecido para
manipular leigos e desinformados.
Religiões,
tiranos, imperadores, conquistadores e místicos, os personagens e episódios se
sucedem ao longo da história humana. A ignorância sempre foi um campo aberto a
ser cultivado. A Peste Negra ou a Praga foi a pandemia mais devastadora da
humanidade (75 a 200 milhões de pessoas na Eurásia, com pico na Europa entre
1347 e 1351). Causou convulsões religiosas, sociais e econômicas.
O negacionismo
da ciência condenou o físico, matemático, astrônomo e filosofo italiano Galileu
Galilei (1564-1642) à prisão “indefinida”. A Inquisição o acusou de heresia e a
Igreja Católica o puniu com o silêncio recluso. Galileu defendia a teoria de
Nicolau Copérnico de que o Sol, e não a Terra, era o centro do Sistema Solar. A
Igreja sustentava que a Terra era o centro do universo. Criador do método
científico, e com inúmeras contribuições à ciência, Galileu comprovou a
teoria de Copérnico, mas foi condenado a renunciar publicamente a suas ideias.
O governo americano havia proibido aglomerações públicas e
fechado teatros e cinemas.
A Gripe
Espanhola (1918-1919), surgida em Kansas (EUA), matou 50 milhões no mundo e o
combate à pandemia enfrentou o obscurantismo, a incredulidade e a ignorância.
Em São Francisco (EUA), moradores rebelaram-se contra as restrições, criaram a
Liga Anti-Máscara – desconfiados da sua eficácia para conter a doença – e
exigiram a volta à vida normal. O governo americano havia proibido aglomerações
públicas e fechado teatros e cinemas. No Brasil, os jornais – repletos de
anúncios de remédios que se diziam capazes de prevenir e de curar a gripe –
levam a uma demanda que obriga, no Rio, a prefeitura a tabelar preços.
Sem um sistema
universal de saúde, o presidente Wenceslau Braz recorre ao sanitarista Carlos
Chagas para conter a pandemia. Sob resistência de opositores a restrições,
Chagas abre hospitais de campanha nas principais cidades do país, fecha as
escolas, repartições públicas, restaurantes e bares, e proíbe eventos com
aglomerações. No Rio, capital mais afetada, abre 27 postos nas estações de
trem. Pela imprensa, inicia campanha de prevenção, como a higienização das
mãos, e recomenda não se visitar pessoas doentes.
Catorze anos
antes, em 1904, o Rio de Janeiro havia enfrentado o que a imprensa da época
chamou de “a mais terrível das revoltas populares da República”: bondes
tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos por três mil revoltosos. A
causa: a lei tornando obrigatória a vacina contra a varíola, numa cidade
afetada também pela peste bubônica e a febre amarela. A lei da vacinação
obrigatória, idealizada pelo sanitarista Oswaldo Cruz, provoca a Revolta da
Vacina. Menos de duas semanas e o presidente Rodrigues Alves se vê obrigado a
desistir da vacinação obrigatória. A ignorância e o obscurantismo conseguem uma
vitória.
A curiosidade para descobrir e conhecer foi essencial.
Ser a favor da
ciência é ser defensor da perpetuação do ser humano (os hominídeos teriam dado
origem ao ser humano e surgiram há 2,6 milhões de anos). O homo
sapiens há cerca de 300 mil anos. Primeiro a seleção natural, mas só o
conhecimento acumulado e a ciência é que permitiram a continuidade da espécie,
o seu desenvolvimento e o progresso material. A curiosidade para descobrir e
conhecer foi essencial.
Ser
negacionista, por questão ideológica, misticismo ou fundamentalismo religioso,
é a apologia à ignorância científica – em todas as áreas do conhecimento -, é
desprezar a descoberta, é obscurantismo. Por consequência, ser contra vacinas é
imaginar que antes foi sempre melhor, e isso depois de 2,6 milhões de anos do
aparecimento dos hominídeos. O mundo nunca foi melhor, se considerarmos as
limitações da vida, o que não tínhamos e que nos melhorou ao possuirmos,
resultado do conhecimento e da ciência.
Qual a vacina
que já causou mortes e sequelas à população mundial? Se um anti-ciência não vai
tomar a vacina, é uma decisão egocêntrica. Se decidiu mudar, e vai tomar vacina
contra a Covid, mas não a chinesa (por questão ideológica ou misticismo), é
ecocentrismo com preconceito. Se decidiu tomar, porém, só a americana ou a
inglesa, é porque quer radicalizar as diferenças e é indiferente às
consequências. Se decidiu tomar, mas só depois que muita gente tenha tomado,
não tenha morrido e não tenha ficado sequelada, é porque é seguidor de
apologistas “do que for pior”.
E, finalmente,
se é negacionista, um anti-ciência, entretanto vai tomar a vacina contra Covid
exclusivamente porque, se não tomar, não conseguirá viajar a Nova Iorque, Roma,
Londres, Paris… ou não renovará o passaporte, é porque está precisando refletir
sobre a importância de sua existência entre os hominídeos se houvesse nascido
na Era do Pleistoceno. As vacinas chinesa, americana-alemã, inglesa, russa e
qualquer outra que vier é que vão reorganizar a vida da humanidade, inclusive
na economia. Tomar sem preconceito, venha de onde vier, é ser a favor da
ciência.
*Ayrton Maciel é
jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios
Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
Escreve aos domingos para o blog Falou e Disse.

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