Por VERA STRINGHINI
Lembro do verso de Cazuza:
“Brasil, mostra a tua cara”
Quando vejo as aglomerações se
repetindo e as pessoas aplaudindo as autoridades que as fomentam, penso que
esta é a cara do Brasil. Não são fascistas — que é um movimento disciplinado e
com propósito. São sujeitos vazios de pensamento lógico, que querem brincar,
divertir-se (divergir, afastar-se, excluir-se): sem pensar no futuro, nas
consequências.
São multidões que seguem o
semideus Dionísio, como em As Bacantes mostradas na tragédia de
Eurípides, escrita para lembrar que o reinado de Dionísio não pode exceder um
curto período antes que a Pólis (cidade) desabe ao peso das paixões primitivas,
que podem ir do incesto ao canibalismo.
Esta história é antiga, vem do
início da civilização. . Está nos livros considerados sagrados porque trazem
verdades eternas para cada sociedade, desde os povos mais primitivos. Os índios
do Xingu já tinham notado que o prazer sem limites traz a morte. A cerimônia
fúnebre Quarup conta esta história: Mavutzinim, o primeiro homem, que conhece a
linguagem dos deuses da floresta, nos ensina: é preciso evitar as relações
sexuais enquanto durar o luto. Mas isto não se consegue e por isso os dois
mundo, dos vivos e dos mortos se separam irremediavelmente.
A mitologia bíblica é rica e
conta fantásticas lendas:
A primeira conta sobre um dilúvio,
na região entre os rios Tigre e Eufrates que ocorreu provavelmente entre maio
de 2.349 aC e novembro de 2348 aC. Noé e sua família construíam barcos. A
maioria da população divertia-se, aglomerava-se, o resto todos sabem.
Outra devastação relatada ocorre
em Sodoma e Gomorra, cidades localizadas no sudeste do Mar Morto que foram
destruídas por um meteoro. Também ai a cidade divertia-se enquanto a família de
Abraão se preparava para procurar sítios melhores para sobreviver. Conta-se uma
versão maravilhosa: todos foram avisados de que não podiam olhar para trás mas
a mulher de Ló, sobrinho de Abraão, não resistiu e ao olhar para trás
transformou-se em estátua de sal: é o que nos espera se não temos foco e não
respeitamos as interdições. (Cogita-se que um meteoro caiu sobre as cidades
localizadas no Vale de Sidim perto do Mar Morto há 3.700 anos).
Mas a maior de todas as histórias
do mundo antigo, é a de Moisés: Enquanto ele tentava escrever uma Constituição,
um conjunto de leis que organizasse a população, sem terra e sem lei, , o povo
divertia-se e aglomerava-se em torno do Bezerro de Ouro. Moisés sofreu e
chorou, quebrou com ódio as tábuas da lei. Mas sentiu que devia insistir até
que as pessoas, desesperadas pelo medo, começassem a entender: se quisessem
sobreviver, tinham que cumprir certas leis de convivência e respeito recíproco.
(Um dos mais belos artigos de
Freud é “O Moisés de Michelangelo”. Aqui uma frase profética:
“A maior realização psíquica de
um ser humano é vencer suas próprias paixões em benefício da missão a que se
consagrou.”)
Brasil esconde a tua cara agora.
O garoto inzoneiro é nefasto neste momento, ele se torna uma criança louca e
assassina se não introjetar o que está escrito nas sagradas Tábuas da Lei cujos
mandamentos todos já sabem: máscaras, isolamento social, álcool gel a 70 graus,
vacina e solidariedade.
VERA STRINGHINI é psiquiatra, em Porto Alegre.
*Artigo reproduzido do blog do
jornalista Homero Fonseca

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