Prosseguindo a série de entrevistas com poetas, escritores e produtores culturais de
Garanhuns e região, Cláudio Gonçalves nos traz hoje um dos grandes nomes de
literatura da nossa cidade, Nivaldo Tenório, leitor voraz e contista hoje
reconhecido até no Sudeste do Brasil.
Nivaldo
é bombeiro, mas sua paixão mesmo é ler e escrever, com sua arte tenta
compreender melhor e talvez explicar o mundo, a vida, as inquietudes humanas.
Segue
o texto completo do professor e escritor Cláudio Gonçalves:
O escritor Nivaldo Tenório de
Vasconcelos nasceu em Garanhuns (PE), em 1970. É formado em Letras pela
Universidade de Pernambuco (UPE). Tem participação em diversas antologias,
integrando um grupo de escritores que está renovando a literatura pernambucana.
Nivaldo Tenório é um dos mais prestigiados autores da nova safra garanhuense,
considerado pela crítica literária como um dos melhores ficcionistas do Estado.
Cláudio - Como
ocorreu seu envolvimento com a literatura?
Nivaldo - No início, quando eu era só uma criança, me
senti seduzido pelo objeto livro. Parece que fantasio, mas é a mais pura
verdade. Eu gostava do livro mesmo antes de saber ler. Então li o primeiro e
não parei mais. Escrever foi uma ação reflexa de ler. Sempre me considerei mais
leitor do que escritor.
Cláudio - Que
gêneros literários e escritores foram referências no início de sua produção
literária?
Nivaldo
-
Li muito Graciliano Ramos, Guimarães
Rosa, Jorge Amado, ainda leio Machado e também Faulkner, Philip Roth – dois
autores americanos que continuo lendo depois de muitos anos – e tantos outros,
citar todos é tarefa que não me atrevo, ao longo da vida construímos uma
biblioteca pessoal, nela estão nossos escritores mais queridos – nem sempre os
melhores – talvez aqueles por quem nos afeiçoamos porque neles vimos nossa
própria face refletida, dizem que o leitor é outro Narciso, deve ser mesmo. Na
minha cabeceira não falta Tchekhov, Borges, Cesare Pavese, K. Mansfield, V.
Woolf, Yasunari Kawabata, Montaigne, Saramago, Fernando Pessoa. Há escritores e
escritoras representantes de todas as línguas. Todos me convêm. Gosto mais dos
gêneros contos e romances.
Cláudio - A
partir do lançamento do seu primeiro livro, você começava a se definir como um
contista?
Nivaldo - Sim. Meu primeiro livro foi um erro. Gostaria
de recolher todos os exemplares e queimar. Seria a mais justa de todas as
inquisições, mas é verdade que nele já está delineado o escritor que me
tornaria; um contista. É nesse gênero que me sinto confortável para escrever.
Cláudio - Em
seu processo de criação como surge a inspiração para seus contos? Personagens e
temáticas?
Nivaldo - Não acredito em inspiração, é tudo trabalho,
trabalho e trabalho que nasce da observação, da inquietação e do esforço
tremendo de transformar tudo em linguagem.
Cláudio - Existe
uma rotina ou conjunto de hábitos que precedem a preparação para a escrita?
Nivaldo - Acordo cedo, e depois das coisas de praxe,
preparo um café. O café não me faz bem, mas eu tento ignorar essa indisposição
gástrica. Preciso de sua energia ou da rotina de prepará-lo, é algo como uma
concentração antes do que me espera diante do computador. Não é sempre que
ocupo a manhã inteira escrevendo, isso só acontece quando estou muito envolvido
no processo de escrita do livro. Normalmente gasto as primeiras duas horas com
a leitura de um desses livros que ao longo da vida elegemos para nossa
biblioteca pessoal.
Cláudio
-
Ainda falando sobre o seu processo de criação. Quais os seus desafios e
paradigmas?
Nivaldo - Não escrevo aleatoriamente. Quando penso num
conto, penso no conjunto de histórias e, portanto, num livro. Aprecio num livro
de contos, entre outras coisas, sua unidade. Então anoto em algum lugar aquilo
que quero para esse livro, os tipos de personagens, atmosferas, ambientes e
tudo que fará do livro aquilo que ele necessita para existir. A ação narrativa
que deve acontecer numa determinada hora do dia, se prevalece o claro ou
escuro, se algum tipo de barulho, música ou ruído é recorrente etc etc, e de tais
detalhes, cores e outras nuances vou construindo mais ou menos o mundo onde
acontecerão as histórias. Foi assim com meu último livro, Ninguém detém a noite
(confraria do vento, 2017) o universo onde situei as personagens nasceu
primeiro e só depois as personagens e as histórias. Um livro de contos precisa
ter corpo, o leitor precisa respirar sua atmosfera, ficar impregnado com seu
cheiro e engendrar esse universo é de fato muito difícil no começo, mas depois
prevalece o prazer de escrever.
Cláudio - Você
escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta
de escrita diária?
Nivaldo - Não
tenho uma meta de escrita diária. Deveria ter. Sempre há um intervalo entre um
livro e outro. É quando mais me dedico à leitura, algo que continua me dando
prazer. Conheço amigos (escritores) para quem a experiência da leitura, depois
de muitos e muitos anos, perdera o encanto, o sabor. Sinto muita pena deles,
deve ser muito triste perder algo tão alentador. Então, entre um livro e outro,
me comprometo só com a leitura. O intervalo pode durar seis meses, às vezes
mais, até de novo me sentir invadido por certa urgência em sentar e escrever.
São idiossincrasias de um diletante que nunca precisou escrever para viver. Não
recomendo o intervalo. Voltar é sempre doloroso, parece que de novo precisamos
aprender, o esforço é tal que o suponho além das forças.
Cláudio - Como
é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou
no computador?
Nivaldo - Escrevi
meus primeiros trabalhos numa máquina de escrever, presente de minha mãe.
Lamento que tenha perdido a máquina. Gostaria de tê-la guardado como lembrança
daqueles primeiros passos. Não pelo saudosismo dos primeiros trabalhos, todos
muito ruins, mas por minha mãe. Mas faz tanto tempo que escrevo no computador
que domino o necessário para escrever.
Cláudio - Você
dialoga muito com o escritor Nivaldo Tenório?
Nivaldo - Tento
dialogar com minhas personagens, mas nem sempre obtenho sucesso.
Cláudio - Você
participou de oficinas literárias e fez intercâmbios em outros estados
brasileiros. Como essas experiências contribuíram para a formação do escritor
Nivaldo Tenório?
Nivaldo
-
Acho que o mais importante na formação de um escritor, além de todos os livros
que leu, é sua infância, sua relação com as pessoas da sua vida, suas obsessões
e seu olhar para o mundo.
Cláudio - O
mais instigante nos seus contos são as questões relacionadas ao subjetivo, o
desvendar do enredo, uma leitura que não termina com o ponto final, o que
provoca no leitor uma leitura de reticência. O que mais o escritor Nivaldo
Tenório acrescentaria sobre o seu fazer literário?
Nivaldo - Acho
que foi O’Connor quem disse que a ficção trata de tudo o que é humano e nós
somos feitos de pó, e se alguém despreza o fato de ser pó, é melhor não tentar
escrever ficção. Acho que ela tem razão. Somos pó e parece que não há nada que
possamos fazer a respeito. Herdei isso de meu pai; um melancólico desconsolo
com a nossa finitude e transformei essa obsessão em tema de meus contos, pois o
que vejo é a dimensão trágica do mundo muito além do alcance de nossas ações.
Duvido do livre arbítrio. E é essa dimensão humana, marcada sobretudo pelo
efêmero aquilo que é o objeto de minha literatura. De fato, é isso o que sempre
me fascinou na boa literatura. Mas nada disso tem importância se não se
consegue progresso na forma, e transitar pelo secreto, as reticencias, o não
dito, foi o modo que encontrei de transformar minha obsessão em literatura.
Gosto do texto que sugere mais do que diz, por isso exploro as camadas do conto
buscando o sentido secreto por trás das ações de personagens, e não estou
interessado nos grandes feitos, mas nas coisas mais comezinhas, é ali que
encontramos o humano.
Cláudio - Na
sua trajetória literária você ganhou alguns prêmios, recebendo o reconhecimento
de autores consagrados como Raimundo Carrero que o considera um autor sério,
criativo, habilidoso artesão e ótimo ficcionista. Poderia nos contar sobre seus
prêmios conquistados e como se sente em fazer parte dessa geração responsável
pela renovação do gênero no estado?
Nivaldo - Vou
responder dizendo que ainda há tanta coisa pra fazer que nem penso em prêmios
ou se contribuí com alguma coisa. Devo me concentrar em terminar de escrever o
próximo livro. Só ele importa.
Cláudio - Nos
seus livros “Dias de Febre na Cabeça” e “Ninguém Detém a Noite”, os personagens
se encontram em situações limites. Podemos dizer que o escritor Nivaldo Tenório
em suas narrativas busca refletir as questões de conceito e do seu tempo?
Nivaldo - Sim.
Quando escrevemos refletimos sobre nosso tempo, e a dimensão humana, marcada
sobretudo pelo efêmero, como eu já disse, é o objeto de interesse da minha
literatura.
Cláudio - Analisando
a sua trajetória literária, quais as mudanças que você considera no seu
processo de escrita?
Nivaldo - Sempre
me impressionaram os escritores que produziram suas melhores obras na
juventude. Rambout me parece um milagre assim como Mozart, eles riem do meu
esforço quixotesco. Eu precisei do tempo e a garantia da experiência que se
ganha com ele. Aos 19 anos o poeta deixou de escrever. Já havia feito o
suficiente para garantir-lhe a posteridade. Aos 50 eu acho que só acertei o
passo.
Cláudio - Existe
algum ideal de pensamento de escrita que você ainda persiga?
Nivaldo - Acho
que só deixamos de perseguir esse ideal quando desistimos de escrever.
Cláudio - Qual
o momento você considera que foi marcante na sua trajetória literária?
Nivaldo - Se
você está se referindo a visibilidade, acho que foi o lançamento do Dias de
Febre na Cabeça, ainda pelo selo u-carbureto, selo criado por mim, Mário
Rodrigues e Helder Herik que nele também publicaram suas obras. O livro, apesar
de todas as dificuldades – sem distribuição ou mídia – conseguiu chamar a
atenção da crítica, e tive resenhas favoráveis em jornais de literatura como O
Rascunho, de Curitiba, suplementos culturais e cadernos de cultura de muitos
jornais importante dentro e fora do Nordeste. Críticos importantes como o
Sérgio Tavares deram nota máxima ao livro. Acho que foi a partir desse momento,
fora da minha cidade, que fui de fato reconhecido como escritor.
Cláudio - Como você avalia o ambiente literário em
Garanhuns?
Nivaldo - Esse
ambiente já foi avaliado por jornais da capital, tivemos uma matéria de duas
páginas no Diário de Pernambuco, e a avaliação que se fez é ótima, tem muita
gente boa fazendo literatura aqui.
Cláudio - Considerado
um dos melhores contistas da nova geração, como você definiria esse gênero
literário?
Nivaldo - Como
o melhor gênero e aquele no qual meu esforço é recompensado.
Cláudio - Existe
algum trabalho prestes a ser pulicado?
Nivaldo - Sim. Neste momento finalizo mais um livro de
contos que deve ser publicado no final deste ano ou começo do próximo.
Cláudio - Agradeço
por conceder essa entrevista e pela atenção para com os leitores e admiradores.
Nivaldo - Também
agradeço a entrevista. Muito obrigado.
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