Por Ruy Castro
Melhor idade é a puta que te pariu – a melhor
idade é de 18 aos 40 anos…
A voz em Congonhas anunciou: "Clientes
com necessidades especiais, crianças de colo, melhor idade, gestantes e
portadores do cartão tal terão preferência etc.". Num rápido exercício
intelectual, concluí que, não tendo necessidades especiais, nem sendo criança
de colo, gestante ou portador do dito cartão, só me restava a "melhor
idade" – algo entre os 60 anos e a proximidade da morte.
Para os que ainda não chegaram a ela,
"melhor idade" é quando você pensa duas vezes antes de se abaixar
para pegar o lápis que deixou cair e, se ninguém estiver olhando, chuta-o para
debaixo da mesa. Ou, tendo atravessado a rua fora da faixa, arrepende-se no
meio do caminho porque o sinal abriu e agora terá de correr para salvar a vida.
Ou quando o singelo ato de dar o laço no pé esquerdo do sapato equivale,
segundo o João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade olímpica.
Privilégios da "melhor idade" são o
ressecamento da pele, a osteoporose, as placas de gordura no coração, a pressão
lembrando placar de basquete americano, a falência dos neurônios, as baixas de
visão e audição, a falta de ar, a queda de cabelo, a tendência à obesidade e as
disfunções sexuais. Ou seja, nós, da "melhor idade", estamos com
tudo, e os demais podem ir lamber sabão.
Outra característica da "melhor
idade" é a disponibilidade de seus membros para tomar as montanhas de
Rivotril, Lexotan e Frontal que seus médicos lhes receitam e depois não
conseguem retirar.
Outro dia, bem cedo, um jovem casal cruzou
comigo no Leblon. Talvez vendo em mim um pterodáctilo(que têm os dedos ligados
por uma membrana) da clássica boemia carioca, o rapaz perguntou: "Voltando
da farra, Ruy?". Respondi, eufórico: "Que nada!
Estou voltando da farmácia!". E esta, de
fato, é uma grande vantagem da "melhor idade": você extrai prazer de
qualquer lugar a que ainda consiga ir.
Primeiro, a aposentadoria é pouca, quase uma
esmola, e você tem que continuar a trabalhar para melhorar as coisas. Depois
vem a condução.
Você fica exposto no ponto do ônibus com o
braço levantado esperando que algum motorista de ônibus te veja e por caridade
pare o veículo e espere pacientemente você subir antes de arrancar com rapidez
como costumam fazer.
No outro dia entrei no ônibus e fui dizendo: –
"Sou deficiente".
O motorista me olhou de cima em baixo e
perguntou: – "Que deficiência você tem?"
– "Sou broxa!"
Ele deu uma gargalhada e eu entrei.
Logo apareceu alguém para me indicar um
remédio. Algumas mulheres curiosas ficaram me olhando e rindo…
Eu disse bem baixinho para uma delas:
– "Uma mentirinha que me economizou R$
4,05, não fica triste não", foi só para viajar de graça.
Bem… fui até a pedra do Arpoador ver o por do
sol.
Subi na pedra e pensei em cumprir o ritual que
costuma ser feito pelos mais jovens no local. Logicamente velho tem mais
dificuldade. Querem saber?
Primeiro, tem sempre alguém que quer te ajudar
a subir: "Dá a mão aqui, senhor!!!"
Hum, dá a mão é o cacete, penso, mas o que sai
é um risinho meio sem graça.
Sentar na pedra e olhar a paisagem era tudo o
que eu queria naquele momento.
É, mas a pedra é dura e velho já perdeu a
bunda e quando senta sente os ossos em cima da pedra, o que me faz ter que
trocar de posição a toda hora.
Para ver a paisagem não pode deixar de levar
os óculos se não, nada vê.
Resolvo ficar de pé para economizar os ossos
da bunda e logo passa um idiota e diz:
– "O senhor está muito na beira pode ter
uma tontura e cair."
Resmungo entre dentes: … "só se cair em
cima da sua mãe"… mas, dou um risinho e digo que esta tudo bem.
Esta titica deste sol esta demorando a descer,
então eu é que vou descer, meus pés já estão doendo e nada do por do sol.
Vou pensando – enquanto desço e o sol não –
"Volto de metrô é mais rápido…"
Já no metrô, me encaminho para a roleta dos
idosos, e lá esta um puto de um guarda que fez curso, sei eu em que faculdade,
que tem um olho crítico de consegue saber a idade de todo mundo.
Olha sério para mim, segura a roleta e diz:
– "O senhor não tem 65 anos, tem que
pagar a passagem."
A esta altura do campeonato eu já me sinto com
90, mas quando ele me reconhece mais moço, me irrompe um fio de alegria e vou
todo serelepe comprar o ingresso.
Com os pés doendo fico em pé, já nem lembro do
sol, se baixou ou não dane-se. Só quero chegar em casa e tirar os sapatos…
Lá estou eu mergulhado em meus profundos
pensamentos, uma ligeira dor de barriga se aconchega… Durante o trajeto não fui
suficientemente rápido para sentar nos lugares que esvaziavam…
Desisti… lá pelo centro da cidade, eu me
segurando, dei de olhos com uma menina de uns 25 anos que me encarava… Me senti
o máximo.
Me aprumei todo, estufei o peito, fiz força no
braço para o bíceps crescer e a pelanca ficar mais rígida, fiquei uns 3 dias
mais jovem.
Quando já contente, pelo menos com o flerte,
ela ameaçou falar alguma coisa, meu coração palpitou.
É agora…
Joguei um olhar 32 (aquele olhar de Zé
Bonitinho) ela pegou na minha mão e disse:
– "O senhor não quer sentar? Me parece
tão cansado?"
Melhor Idade ??? – Melhor idade é a puta que
te pariu !
*Ruy Castro é escritor e jornalista, trabalhou
nos jornais e nas revistas mais importantes do Rio e de São Paulo. Considerado
um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues,
Garrincha e Carmen Miranda.
**Ilustração: Blog Pilates
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