Por Gustavo Conde
O Brasil viveu um de seus momentos mais
espetaculares nessas últimas horas, em que parte considerável de sua história
voltou à possibilidade plena de disputar a narrativa política e social.
A prisão de Lula mudou tudo e a libertação de Lula
muda tudo novamente.
A primeira grande mudança é a da esperança. Lula
traz a possibilidade de um futuro de volta, de uma política possível e de um
debate qualificado em torno das necessidades históricas e urgentes do país.
Lula faz desse Brasil irrespirável, um país
novamente respirável. Ele é o remédio para a depressão social que se alastrou
por aqui, diante de tanto sufocamento ideológico, macetado por apologistas da
tortura, do medo e da vingança.
Só o fato de Lula estar em cena novamente gera a
energia singular das insurreições subjetivas: ninguém mais ficará só
observando.
É preciso ter até um certo cuidado com essa energia
que Lula irá libertar, pois o Chile já demonstrou que uma população insatisfeita
e motivada avança com ferocidade para garantir suas vidas e seus
direitos.
Lula sempre foi um pacificador e continuará sendo.
Mas eu diria: é bom as elites não contarem tanto com isso desta vez.
Lula está ferido. Foram-lhe arrancados 580 dias de
sua vida. Foi-lhe arrancada sua companheira de décadas, que sucumbiu diante da
violência judicial promovida pela operação mais criminosa já vista na história
deste país.
Ele não vai querer a forra porque não é adepto da
vingança. Mas vai querer justiça – e esse processo de reparação mal
começou.
Por outro lado, na pletora de novos deslocamentos
políticos, o cenário dos sentidos públicos, com Lula de volta, muda
consideravelmente. Bastaram algumas horas de Lula em cena para que o tema
Bolsonaro, filhos e generais evaporasse da cobertura jornalística.
Convenhamos: é um alento não ter essa boçalidade
nas manchetes.
Eis um efeito poderoso provocado pela presença de
Lula: agora, teremos enunciados 'com sentido' transitando em nossa rotina de
leitura.
É essa mudança que Lula desencadeia que ainda nem
sabemos direito a verdadeira dimensão: Lula modifica os parâmetros de
codificação política do país e, com sua habitual força simbólica e respectivo
apelo popular, recoloca em cena algo que perdemos ao longo desses anos de golpe
e fascismo: o sentido.
Sua presença organiza o discurso, não apenas da
esquerda, mas da sociedade inteira. Ele tem lastro histórico, político e humano
para isso.
Lembro rapidamente: o sentido das palavras, dos
enunciados e dos discursos são profundamente dependentes do indivíduo que os
produz – ente também nomeado, nos estudos da linguagem, simplesmente como
‘sujeito’.
O Brasil vivia uma síndrome de abstinência de
subjetividade (de sujeito). A onda de robôs de Bolsonaro, literais ou
metafóricos, desumanizou nossos protocolos de restauração de sentidos. Isso não
é brincadeira e nem um 'teaser' retórico.
Com Lula, o humano volta a fazer parte do mundo
simbólico. É por isso que teremos uma queda brusca nos casos de depressão e de
doenças mentais a partir deste momento – haja vista como eles cresceram diante
da ascensão do bolso-morismo.
Lula ainda recoloca uma pauta econômica para
chamarmos de nossa. Os melhores economistas do país estão ativos, mas
absolutamente descartados pelo sistema opressor do 'neoliberalismo AI-5' de
Paulo Guedes.
Com Lula, isso muda, porque Lula sabe organizar o
debate sobre economia tão bem quanto sabe organizar o debate sobre educação,
crescimento, soberania e outros tantos temas que foram abortados da experiência
social imposta pelos próceres do neofascismo de Twitter.
O retorno de Lula reinstaura oficialmente, ainda, o
instituto da oposição. Antes de ser governo, Lula e o PT sempre foram oposição.
Juntos, eles sabem como ninguém como isso funciona.
Com Lula no horizonte, Bolsonaro não terá de lidar
apenas com as 'cansadas' Globo e Folha, interpretando mal os vetores de
interpelação pública. Ele terá um adversário de fato, alguém que tem liberdade
intelectual e ímpeto político para erodir falácias, ameaças e blefes.
Lula emerge com uma fênix investida do desejo de
mudança, como uma liderança global, como o maior cabo eleitoral do Brasil e do
mundo, como o protagonista, como o elemento que completa o quebra-cabeça
geopolítico das reaglutinações estratégicas comerciais, da Ásia até a África,
da Europa aos EUA.
Todos esperam por sua monumentalidade política e
pragmática na resolução de conflitos internacionais e na confecção de projetos
transnacionais de combate à miséria.
Lula é a bola da vez em um mundo que deseja sair do
emburrecimento ilícito dos clichês fascistoides e neoliberaloides.
A saudação que líderes internacionais lhe dedicaram
neste momento de libertação é algo sem precedentes.
Lula é Mandela, é Gandhi, É Muhammad Ali, é Mujica,
é Dalai Lama. O mundo o quer como exemplo, o mundo o vê como símbolo, o planeta
lhe acena como esperança.
A volta de Lula significa a volta da
realidade.
Que a sociedade brasileira saiba, agora, aproveitar
essa janela de oportunidade para seu futuro e para seu destino. De alguma
maneira, esta sociedade desejou isso: a proscrição e o retorno de seu maior
líder, como empuxo narrativo para aplacar o normalismo das
semidemocracias.
Talvez Lula seja isso: a nossa possibilidade de uma
democracia devidamente significada por gestos de sacrifício, proscrição e
renascimento.
Gestos que só o amor infinito de um cidadão por seu
país foi capaz de gerar.
*Gustavo
Conde é mestre em linguística pela Unicamp e colunista do Brasil 247.
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