Por Junior Almeida
Se
política hoje em dia é coisa acirrada, quase uma guerra, imagina antigamente,
nos tempos dos votos de cabresto. Nos dias de hoje vemos pessoas se intrigarem
de outras por política, deixar de comprar em determinado comércio ou mesmo
partir para as vias de fato, tudo por
conta que vota em um candidato diferente do outro. Para o eleitor, o candidato
adversário é ladrão, fresco e corno, e quanto mais chance ele tem de ganhar, aí
é tudo isso multiplicado várias vezes. Particularmente acho de certa forma engraçado o fanatismo
e as arengas de alguns, mas dentro do limite da civilidade, se é que existe
isso em política.
Até
1963 Capoeiras pertencia a São Bento do Una, e todas as decisões que afetavam a
vila, vinha da sede distante trinta quilômetros. Nomeações para os mais diversos
cargos eram feitos pelos que estavam no poder, no caso daquela época, os Valença que
consideravam Capoeiras uma vila rebelde. Esse desalinhamento com a vontade dos
mandatários de São Bento se dava pela força de Heronides Borrego, herdeiro
político do seu pai, o Coronel João Borrego, então chefe da mais importante
família de Capoeiras daqueles tempos. Quem sempre tinha mais voto na vila era quem “Seu” João e
depois Heronides quisessem, e isso incomodava. Dispostos a mudar isso, três
jovens idealistas da família Valença resolveram tomar à frente da política no
distrito: Ilo, Clávio e Ênio. Depois de combinar tudo com os parentes mais
velhos, em um sábado, ainda amanhecendo resolveram ir para Capoeiras angariar votos para os seus candidatos.
Quando
ainda estavam para visitar a primeira casa, por volta das sete horas, receberam
um recado que “Seu” Heronides estava os chamando para conversar. O trio se
olhou, como se esperassem uma explicação para tal recado. Não entendiam como
tinham acabado de chegar na vila, e o mandatário local já sabia das presenças
deles. Um pouco receosos por não saber o que os aguardavam, de pronto foram com
o portador do recado à casa do chefe político local.
No
percurso um dos jovens cochichou que eles estavam desarmados, o que gerou certa
tensão. Pensando melhor, não era para tanto um pensamento desses. Ao chegar à
casa se “Seu” Heronides, todo clima tenso desapareceu, pois ele já aguardava os
rapazes com um largo sorriso na frente da sua residência. Cumprimentou um por
um, e os convidou pra entrar. Na sala de copa, uma farta mesa de café da manhã
estava posta. Cuscuz, charque, carne de sol, café, leite, pães, bolachas,
geleias, mungunzá, queijo de coalho e de manteiga e mais de cinco tipos de
sucos, além de frutas. O trio se olhou sem entender nada.
-Sentem aí meninos. Vamos comer. Não fica bem sair por aí atrás de votos de barriga vazia. Disse o anfitrião.
-Sentem aí meninos. Vamos comer. Não fica bem sair por aí atrás de votos de barriga vazia. Disse o anfitrião.
Meio
constrangidos o trio pensou em recusar, mas como ainda não tinham comido nada,
os rapazes aceitaram o convite. Durante o café da manhã conversaram muito, com
os três revelando suas ideias políticas e pessoais para as melhoras do planeta,
a começar por sua terra. O velho político, com a experiência dos anos, ouvia
tudo atentamente, e incentivava os rapazes a falar, sempre elogiando as suas ideias.
Ao terminar o café, e alguns cigarros, continuaram a conversa na sala de
entrada da casa. Pareciam que todos eram amigos de longa data, tal forma a
conversa fluía.
Seu
Heronides sempre fumando, acendia um cigarro na brasa do outro que estava
acabando, era acompanhado do jovem Ênio, que também fumava muito. Sem notar o
tempo passar, já passava um pouco de onze da manhã, quando uma empregada trouxe
numa bandeja inox quatro copos com caldinho de feijoada, dois limões cortados
ao meio, formando quatro bandinhas e mais uma garra de vidro com pimenta
caseira. A moça serviu um a um os rapazes, que pegavam os copos com o caldo
bastante quente e cheiravam, enchendo a boca d’água. Heronides Borrego percebeu
que os rapazes gostaram.
-Uma delícia dessas só
presta com o que? Quis saber o dono da casa.
Um
dos jovens de pronto falou que um caldo daquele só combinava com uma caninha.
Era o que “Seu” Heronides queria ouvir. Levantou-se e foi em um dos quartos da
casa, voltando debaixo do braço com um pequeno barril de madeira com uma torneira
de metal, e segurando quatro copinhos de vidro na mão. Ele falou para os
rapazes que era cachaça com mel de uruçu, ou cachimbo, como também era chamada
aquela mistura.
A
bebida que já estava e guardada a um bom tempo, só iria ser aberta agora para celebrar
os novos amigos. Os jovens se sentiram lisonjeados. Apressaram-se em pegar os
copos, encher de cachaça e tomar, com o caldinho como tira gosto. A caninha estava
tão curtida que parecia que tinha só o mel. Heronides tomou uma dose, pigarreou
e tomou o caldinho em seguida. O resto
do pequeno barril ficou por conta dos três jovens.
Perto
de acabar a bebida, o dono da casa levantou e trouxe mais, dessa vez numa
garrafa de vidro transparente tampada com uma cortiça. Os rapazes que já
estavam se sentindo em casa tomaram mais meia garrafa, quando Dona Nanú, esposa
de Heronides veio avisar que o almoço estava servido. Os rapazes se levantaram
sem cerimônias, pegaram a bebida e os copos e foram pra copa para comer
novamente. Novamente na mesa, além de uma saborosa feijoada os rapazes tinham
ao seu dispor galinha caipira, porco e bode guisado e assado, farofa d’água e
xerém.
Os
três agora só queriam entre um cigarro e outro, saber de beber e falar dos seus
planos em Capoeiras, usufruindo do banquete apenas como tira gosto. Já passava
de quatro da tarde, e já tinham tomado mais três garrafas da cachaça com mel
além do barril, quando os três rapazes da família Valença bastante alterados,
resolveram voltar para São Bento do Una, sem fazer uma única visita e sem pedir
um voto sequer.
Heronides
com um riso irônico no rosto agradeceu pela visita dos jovens, mandou lembrança
aos seus pais e se despediu. Poucos dias depois a eleição confirmara o que
sempre acontecia: em Capoeiras tinha voto quem a família Borrego queria. Os
três jovens questionados por pessoas em São Bento, o que poderia ter acontecido
em Capoeiras, já que os mesmos foram designados a mudar o quadro, ou pelo menos
diminuir a diferença de votos, simplesmente desconversavam, e só depois de muito tempo é que se
soube o que eles realmente fizeram em Capoeiras.
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