Por Junior Almeida
Um
atendente de farmácia bom é meio que criptógrafo, pois consegue entender as
famosas letras de médicos, também conhecidas como garrancho ou garrancheira. Alguns homens de branco
mais modernos já prescrevem seus remédios através do computador, e só têm o trabalho
de imprimir a receita, carimbar e assinar. Isso ajuda o vendedor da farmácia
não vender medicamentos errados. Outros profissionais de vendas também têm que ser
desenrolados para não perder o cliente quando o freguês usa um linguajar todo
peculiar.
E quando o vendedor é que tem um dialeto próprio? O comprador é que
tem que entender, mas geralmente se não for do mesmo lugar de quem ta vendendo.
Quer ver palavras diferentes das originais? Vá numa bodega ou feira no interior
nordestino. Pra começar, marcas viram nomes de produtos, assim como uma cópia
heliográfica é Xerox, uma lâmina de barbear é Gilete, mesmo que seja da marca
Wilkson ou Bic. Para o matuto, mas daqueles matutos legítimos, todo desodorante
é Mistral, toda cerveja é Brahma. Na venda se pede um “teco-teco”, também
conhecido como comprimido Tetrex, leite querosene, primeiro ou segundo
semestre, no lugar de Nestogeno, por que o querosene mesmo é chamado de gás, o
gás branco, e o gás óleo, é o diesel, comprado na bomba do posto de gasolina.
A
festa mesmo do palavreado é na feira livre, onde o freguês se ganha no grito. É
comum os vendedores de frutas e verduras anunciarem “abacaxio”, “tomaquina”, e
no açougue o “figo” e a “passarinha”, que é o baço do boi. Outro que fala sem
parar e com isso de vez em sempre sai alguma palavra diferente é o famoso homem
da cobra, que já virou sinônimo de tagarelice.
O
doutor raiz, ou raizeiro, é outro que usa sua lábia pra vender e receitar seus
remédios caseiros. Geralmente ele fica vendendo em um banco de madeira ou lona
estendida no chão cheio de cascas de pau, sementes, flores desidratadas e
garrafadas, que, segundo quem vende, serve pra tudo no mundo. Outro dia na mais que centenária feira livre de Capoeiras um sujeito anunciava aos gritos a milagrosa raiz de
“manascada”. Curioso, perguntei pra que servia. O vendedor todo entendido disse
que servia pra coica de mulé, que as afligia quando essas estavam de boio.
Essa última parte eu entendi, me
enrasquei mesmo com a tal da “manascada”. Só depois fui saber que era "noz moscada" o que ele vendia. Feira livre é uma festa, e não só aqui. Nas
grandes cidades podemos até dizer que as feiras são mais civilizadas, com um pouco
mais de organização e higiene, mas na essência todas são iguais.
Em
1995 estava eu em São Paulo e, com um amigo fui numa feira, frequentada em sua
maioria por nordestinos. Antes de chegar ao local, fiquei curioso com o que
veria de diferente das feiras do Nordeste. Sabe o que eu vi? Nada, nadinha da
silva. Tinha gente gritando de tudo quanto é lado, gente vendendo agulhas de
mão e de máquina enfiadas numa bucha de lavar pratos, vendedor de agulha de
desentupir fogão, outro com uma enorme vara vendendo elásticos das mais
variadas larguras, outro com várias cartelas de fichas telefônicas, vendedores
de água, refrigerante, cadeados, lanches e de tudo mais que se possa imaginar.
A diferença mesmo que eu pude observar, é que nas nossas feiras, de vez em
quando se escuta um “pega ladrão”, enquanto em São Paulo, além de escutar isso,
o mais comum é escutar alguém gritando que lá vem o “rapa”. É um Deus nos
acuda.
Ao sair dessa feira cruzamos com dois rapazes de mãos dadas, homossexuais, que mesmo à distância podia se notar. Um deles colocou a mão na frente da testa, como se estivesse encandeado ou mirasse alguma coisa, deu uma risada debochada jogando o cabelo de lado, e comentou que "naquela feira devia estar cheio de alemães lindos de olhos azuis".
Observei as palavras preconceituosas do rapaz, e pensei comigo: tem gente que é podre mesmo. Quantas vezes aquela criatura não deve ter sido discriminado por sua opção sexual, para naquele momento estar discriminando trabalhadores por serem nordestinos? Quanta xenofobia! Pensei. Me contive e fiquei calado.
Ao sair dessa feira cruzamos com dois rapazes de mãos dadas, homossexuais, que mesmo à distância podia se notar. Um deles colocou a mão na frente da testa, como se estivesse encandeado ou mirasse alguma coisa, deu uma risada debochada jogando o cabelo de lado, e comentou que "naquela feira devia estar cheio de alemães lindos de olhos azuis".
Observei as palavras preconceituosas do rapaz, e pensei comigo: tem gente que é podre mesmo. Quantas vezes aquela criatura não deve ter sido discriminado por sua opção sexual, para naquele momento estar discriminando trabalhadores por serem nordestinos? Quanta xenofobia! Pensei. Me contive e fiquei calado.
Toda sexta feira é dia de feira da minha cidade, Capoeiras, feira essa que acontece desde 1902. É local de encontro dos amigos nos bares e bodegas da rua, dia de marcar jogos dos times dos sítios, dia de vender o queijo, a galinha, o boi, o porco, o bode, a fava, o feijão, a farinha e o milho. Dia de se abastecer e voltar pra sua lida diária, para com oito dias fazer tudo de novo. E VIVA A FEIRA!
*Foto do centro de Capoeiras a partir da Matriz de São José.
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