Por Junior Almeida, do anedotário popular.
No
primeiro dia de carnaval o sujeito saiu cedinho de casa para trabalhar, assim
como fazia todos os dias de segunda a sábado. Tinha que estar no edifício na
Avenida Guararapes, em Recife, onde era zelador às 7 da manhã, portanto, por
morar no Bairro do Timbi, em Camaragibe, e por pegar sempre o ônibus lotado,
duas horas antes já tinha que estar de pé.
Pela
janela do coletivo o homem via que a capital de Pernambuco respirava festa.
Muita gente andando fantasiada. Mulheres se exibiam de perucas e laços
coloridos, fantasias bem criativas e até sensuais, enquanto os homens vestiam
lenços de piratas ou coloridos colares havaianos, além de espalhafatosas
roupas, que representava os mais diversos personagens. Pelo que podia notar, os
turistas, muitos deles estrangeiros, se encantavam com a diversidade da festa e
com a arquitetura do Recife antigo, aproveitando para registrar tudo com suas
modernas câmeras. Eram facilmente percebidos pelos seus trajes e falta de
bronze. Marginais também estavam atentos a esses detalhes e, vez por outra era
visto nas ruas um corre corre de ladrões que atacavam esses visitantes.
Antes
de entrar no prédio em que trabalhava o homem observou a enorme estrutura
colocada bem no meio da Ponte Duarte Coelho, marco divisório entre os bairros
Boa Vista e Santo Antônio. Era nada mais nada menos do que a enorme escultura
que representava o famosíssimo bloco de carnaval “Galo da Madrugada”, que todos
os anos, com seu mega desfile, abre o carnaval do Estado. O cabra admirou toda
a sua imponência e de certa forma se sentiu feliz e orgulhoso, afinal de
contas, era ele também pernambucano, portanto, um pouco “dono” da festa.
Imaginou
que dali a poucos instantes toda a área iria fervilhar de gente, pois era dia
de Galo. O sorriso na cara do sujeito durou pouco. Assim que entrou no
edifício, seu local de trabalho foi chamado na sala do chefe. Estava demitido.
-
Contenção de despesas. Dizia ele.
- Porra... Logo agora que
fiz umas prestações? Pensava o desolado homem, que perguntou ao
seu chefe o motivo da sua demissão.
- Você estar com câncer, e
a empresa não vai estar pagando um funcionário para ele não trabalhar. Respondeu secamente o chefe, que era o
representante de uma prestadora de serviços.
Sem
chão, o sujeito deu meia volta e foi pra
casa. Já na rua que morava, ao passar na frente de um boteco, viu sua filha
adolescente aos amassos com um sujeitinho que ele detestava e que já tinha dito
pra moça se afastar, pois “ele era um marginalzinho da área”. Ainda pensou em ir lá botar ela pra casa na
porrada, mas estava tão triste que achou por bem deixar pra lá. Já para entrar
em casa, notou que as portas estavam todas fechadas, o que não era normal para
aquele horário, a não ser que sua esposa tivesse ido ao mercado. Ouviu algum
barulho dentro da residência e imaginou ter um ladrão dentro. Caladinho abriu a
porta e entrou na ponta dos pés, mas melhor seria não ter voltado pra casa,
pois flagrou sua mulher na cama com outro.
-
Puta que pariu! Isso também?! Pensou.
Ficou
sem reação e saiu do mesmo jeito que entrou: em silêncio. Sua cabeça estava a
mil. Não tinha a menor noção do que fazer. Foi pra casa da sua mãe, que era
viúva e que morava na mesma rua que ele. Queria desabafar, ouvir algum
conselho, talvez. Nada. O imóvel estava fechado. Não havia ninguém na casa. Sem
rumo, desceu a ladeira de sua rua, e pegou um ônibus de volta para o centro do
Recife e quando percebeu estava na entrada do edifício que agora era seu antigo
trabalho. As ruas já não cabiam mais ninguém. Tinha muita, mas muita gente
mesmo. Até os representantes americanos do Guinness
Book estariam registrando a festa, que esse ano prometia passar de dois milhões
de foliões.
A
alegria das pessoas lhe incomodava. Cada sorriso de um brincante era o mesmo
que uma tapa em seu rosto. Tudo de bom
em sua vida, até então certinha, tinha desmoronado. Estava com câncer, havia
sido demitido, sua filha estava de namoro com um bandido e tinha descoberto que
era corno. O que faltava mais acontecer de ruim? Pensava.
- Não vale mais a pena viver. Vou dar fim
a essa porcaria de vida. Disse.
Imaginou
como faria. Botou um sorriso maroto na cara ao olhar para o topo do prédio.
Teve a ideia de morrer em grande estilo, um suicídio em que saísse a notícia em
rádio, televisão e jornais. Seria uma maneira de deixar a viúva e a filha com a
consciência pesada. Iria se vingar.
- Vou pular lá de cima. Disse, com ar de
vencedor, ao bater e esfregar as mãos.
Como
ainda tinha acesso ao prédio, não foi difícil chegar à cobertura. Lá ficava as
caixas d’água, sala de guardar bagunça e alojamento de funcionários. Decidido,
o homem foi até à beira do prédio pronto
para pular. Iria por fim aquela merda de vida, como mesmo dizia. Parou um pouco
ao olhar pra baixo. A multidão era tão grande que não dava para enxergar um
milímetro de asfalto.
- Não é justo eu pular em
cima das pessoas e matar meio mundo de gente inocente, afinal eles não têm nada
haver com meus problemas. – Pensou – Vou esperar diminuir o povo, então eu pulo. Concluiu.
Seus
pensamentos eram confusos, tristes, loucos. Contrastavam com a alegria das
ruas. Observou em sua volta e viu alguns paralepípedos de pedra espalhados pelo
chão da cobertura do prédio e de repente, e veio em sua mente uma macabra
ideia.
- Espera aí... Quero ver
mesmo se eu sou o sujeito mais azarado do mundo.
Vou lascar um no meio desse povo. Disse ao esfregar as mãos. E concluiu:
- Emprego eu arrumo outro,
do câncer eu posso me curar, a filha eu quebro de pau e mulher eu deixo ou faço
de conta que não sei de nada, pois ponta só dói se for na bunda, por que não dá pra sentar.
Com
ar de vitória o cabra “se vingou” do
mundo. Pegou uma pedra e jogou longe no meio de DOIS MILHÕES de pessoas que
acompanhavam o Galo da Madrugada. Desceu as escadas do prédio que parecia que
tinha acertado na loteria, tamanha a satisfação. Seguiu pra casa com o
pensamento que tinha no mundo alguém mais sem sorte do que ele. Lasquei um -
imaginava. Na rua de casa, onde antes a filha estava com o namorado, parou pra
tomar uma cerveja. Mal terminou o primeiro copo, chegou sua cria. A moça vinha
afobada, de olhos arregalados e mal conseguia falar.
- Paínho... Acabaram de ligar. Vovó foi pro Galo, e
quando estava passando pela [Avenida] Guararapes, caiu uma pedra de calçamento
em cima dela. A coitadinha está mal, internada na Restauração. Acho que não escapa.
Disse uma chorosa moça.
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